Devaneios

Prólogo


Sonhar.

Era só o que Spencer fazia. Passava as noites e os dias sonhando. Era quando conseguia vê-la e senti-la.

Queria apenas que a última vez que a tivesse visto não fosse naquele aeroporto. Não daquela maneira e não com aquela despedida. Bom, não era culpa dela, afinal.

A via toda noite, quando acordava resmungando "eu te amo tanto" e quando ficava com raiva, apenas lembrava-se de sua voz dizendo:

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- Você sabe que a raiva é parte de uma estrutura primitiva do cérebro, Spen. Você me disse isso, lembra-se?

Então ela ia embora. Sempre que tentava tocá-la, só sentia a brisa fria da janela, que aos poucos parou de existir, já que o pequeno apartamento foi ficando cada vez mais fechado e vazio.

Volte e meia Reid pensava que estava enlouquecendo. Sabia que estava. Pegou-se conversando com uma cadeira vazia e só percebeu que não havia ninguém ali quando não ouviu a resposta de forma irônica vindo dela.

Não ouvia mais nada a não ser o próprio choro, que às vezes tinha algum tipo de som, e um dos poucos vinis dela - afinal, havia deixado tudo para trás. A música que escutava sem parar, All I Have To Do Is Dream, foi a primeira que ela apresentou para Spencer. Foi naquele dia, também, que um novo costume surgiu entre os dois.

Spencer discutia com o sofá vazio, onde ela deveria estar, sobre uma das obras que iniciou essa nova tradição de trocar livros - é claro, sem ouvir resposta. Ele passava os dedos pelas hastes dos óculos que segurava, e percebeu que embaçava as lentes sem querer. Quando iria limpá-las com sua camiseta, lembrou-se de que ninguém usaria aquele par.

A cafeteira parou de trabalhar e ele a tirou da tomada, dessa vez deixando o fio jogado, como estava da primeira vez que viu aquela máquina. Serviu-se de uma caneca e colocou o tanto de açúcar que estava acostumado.

O disco que girava mudou de música e Spencer posicionou a agulha na mesma canção que estava ouvindo há semanas, sem parar, voltando a fazer o que mais fazia: sonhar.

De algum modo isso preenchia seu vazio, mas abria outro buraco dentro de si, mesmo que sem perceber. A via, mas era seu cérebro o confundindo cada vez mais e, toda vez que se lembrava da última vez que viu os olhos escuros da última mulher que o fez sorrir, não sabia como fora parar ali. Então só pegava o caderno que ela escrevera por quase seis anos e lia, se lembrando e se torturando ao perceber que já sabia todas as palavras em ordem correta: