Divided We Fall

VIII — O Quanto de Vilão Existe em Um Herói?


Nova York


Gwen estava sentada em sua cama, escrevendo em um caderno. Um cobertor branco com flores cor de rosa estava por cima de suas pernas. O quarto era bem organizado e perfumado. Livros em ordem de sequência e alfabética preenchiam a prateleira. A mesa com o notebook estava impecável. Iluminada apenas pela luz do abajur em seu criado mudo, a garota fazia anotações de um exercício de física. Sentiu o celular vibrar embaixo do travesseiro e o pegou, lendo a mensagem de Peter que acabara de chegar: "Abre a janela."

Ao olhar na direção dela, Gwen viu Peter sentado na sacada, o que a fez conter um grito de surpresa. Peter acenou e sorriu, apontando para a fechadura da janela. A loira se levantou, revelando a parte inferior de um pijama rosa e quadriculado. Caminhou com um sorriso bobo até a janela e levantou o vidro, sentindo imediatamente o frio da noite.


— Peter! — Gwen sorriu, embora parecesse confusa. — O que você está fazendo aqui? E por que essa roupa?

— Eu precisava ver você. — O rapaz respondeu. — É uma longa história. Posso entrar?


Gwen saiu da frente, dando espaço para Peter entrar. O rapaz adentrou o lugar e sentou em uma poltrona, sendo investigado pelos olhos curiosos da garota em sua frente.


— Belo pijama. — Parker comentou, com um sorriso fraco.

— Vai me dizer por que está aqui ou não? — Gwen devolveu, um pouco vermelha com o comentário.

— Como eu disse, é uma longa história.


Lugar Nenhum — Oceano Atlântico


O mar revolto e cinzento apenas refletia a cor dos céus. Ondas atingindo oito metros de altura sem esforço, relâmpagos cortando o ar, a chuva forte, jogada de um lado para o outro graças aos ventos. Tudo isso dava uma certa beleza ao caos. No céu, protegido por sua armadura vermelha e amarela, Tony Stark, o Homem de Ferro, voava em direção a Lugar Nenhum, uma base do exército americano que ficava embaixo d'água.

No visor de Stark apareciam dados da armadura, notícias importantes e, mais ao canto, um ícone com a foto de Henry "Hank" Pym, o primeiro Homem Formiga. Os dois estavam em uma ligação.


— Qual é, Hank, você é um dos maiores cientistas genéticos e cibernéticos que eu conheço. — Tony disse, enquanto aumentava a potência nos propulsores. — Se existe uma chance desse projeto funcionar, essa chance é você.

— Anthony, você tem ideia do que está me pedindo? — A voz do parecia levemente baixa, quase como um sussurro. — Estamos falando do DNA de um Deus.

— Apenas dê uma olhada no projeto e pense um pouco.

— Eu não tenho os dados.

— Acabei de te enviar. Agora tenho que ir, Hank. Pense com carinho. — Encerrando a ligação, um painel de identificação apareceu no visor. — Anthony Stark. Código de identificação 03011998.


Ao dizer o código, uma luz de alerta da cor verde apareceu no canto superior esquerdo. Inclinou para a esquerda, mudando levemente a sua direção. Do oceano, uma estrutura circular e gigantesca começava a emergir das profundezas azuis do Atlântico. Stark desceu, rumo a estrutura imponente e sombria.

Um círculo se abriu, permitindo a entrada de Tony. Ao passar pelo portal, o Homem de Ferro parou com a sua armadura em um pequeno pentágono, cercado por militares fortemente armados. A armadura se abriu, deixando que o bilionário se revelasse. Stark usava uma calça social cinza e um paletó da mesma cor. Um colete cinza claro estava por cima de uma blusa social branca.


— Estaciona para mim. — Stark disse para um militar, ao descer do local e seguir pelo corredor, deixando a armadura em modo sentinela.


Agentes andavam por todos os lados, segurando pranchetas e relatórios. Painéis com diversos dados estampavam as salas de comunicação. Stark entrou em uma sala, encontrando o Visão sentado em um sofá de couro, no que parecia ser uma sala de estar. Ele usava uma calça social e um suéter preto.


— Sério que eu não vou mais poder chamar você de Jarvis? — Tony ergueu uma sobrancelha.

— Você acha que isso vai funcionar? — A voz calma e potente do Visão ecoou pela pequena sala. — Já fiz milhares de simulações a respeito desse acordo, Stark. E poucas deram certo.

— Bem, vamos fazer com que dê certo.

— Eles chegaram.


No mesmo instante, Stark olhou para trás, vendo o General Ross passar pelo corredor, seguido de dois militares. Um pouco mais atrás, os novos Vingadores o seguiam, sendo liderados por Steve. Rhodes foi o único que não seguiu até o final, desviando o caminho é entrando na sala onde Tony estava. Usava uma jaqueta de couro por cima de uma blusa da mesma cor e um jeans escuro.


— Tony. Visão.

— Bom te ver, Rhodes. — Stark respondeu ao cumprimento, enquanto Visão apenas assentia com a cabeça.

— Pena que não é uma boa hora. — O homem respondeu, levando a mão até o queixo. — Alguma vez já nos encontramos em uma boa hora?

— Com certeza não.


~x~


A sala de reuniões era grande. Uma mesa retangular de vidro ocupava o centro do lugar. Steve estava sentado na ponta, confirmando ainda mais a sua posição de líder. Natasha estava à direita de Steve, um pouco preocupada. Sam se sentou à esquerda, com Wanda logo depois. A Maximoff fitou o olhar em Rogers por um momento, mas desviou assim que seus olhos se encontraram. Os dois ainda não haviam conversado sobre a noite anterior.

Ross finalmente entrou na sala, acompanhado de um militar que carregava uma pasta na mão esquerda, e fechando a porta logo em seguida. O silêncio era interrompido pelo baixo som do ar-condicionado. Steve fitou a expressão do combatente em sua frente, parecia cansado. O General sorriu canto e pôs as mãos atrás das costas antes de iniciar o seu discurso.


— Boa tarde, senhores. — Iniciou Ross, com sua voz rouca e lenta. — Antes de dar início a essa reunião, queria mostrar algumas cenas de suas ações.


Uma tela branca desceu do teto, ocupando a ponta vazia da mesa. Com um controle remoto, o projetor que ficava no centro do teto, foi ativado. A primeira cena mostrada, foi a invasão Chitauri. Cenas do Hulk e do Thor derrubando um Leviatã por cima dos prédios da cidade.


— Nova York. — Ross começou. — Alienígenas desceram de um buraco no céu, trazendo caos e destruição. O motivo: Uma relíquia asgardiana. — Ross fitou os Vingadores, notando uma expressão de dúvida e arrependimento em Natasha. — Pessoas morreram por conta de uma rixa entre irmãos.


A cena mudou. Agora mostrava a luta do Capitão América contra o Soldado Invernal, em uma avenida em Washington D.C, enquanto o Falcão trocava tiro com agentes da Hydra. Pouco depois, foi mostrada a queda dos aeroporta aviões da S.H.I.E.L.D., caindo próximo a cidade. Nuvens de chamas e fumaça cobriam o lugar.


— Washington D.C. — Ross viu a expressão de Sam se fechar, enquanto o rapaz abaixava a cabeça. — Quantos podiam ter sido feridos naquele tiroteio, Falcão? Quantos estavam dentro daquele prédio atingido pelo aeroporta aviões, Capitão? Tudo porque você não foi capaz de deter um terrorista.

— Esse terrorista estava sobre controle da Hydra. — Rogers devolveu. — Não foi culpa dele.

— Você acha que saber disso vai trazer todos os que foram mortos por ele, de volta a vida?


Steve se calou, apoiando o queixo em sua mão direita enquanto voltava a fitar a próxima troca de cena. Agora mostrava Sokovia, no céu. Prédios caindo, pontes se partindo, pânico nas ruas, enquanto os Vingadores enfrentavam o exército de Ultron.


— Sokovia. — O General concluiu. — Mais uma vez, algo criado para a nossa proteção, virou uma arma de ataque. Se não fosse por um milagre da agente Hill, quantos teriam morrido quando o Homem de Ferro e o Thor explodiram a cidade?

— Mas ninguém morreu. —Natasha respondeu rápido, fitando o homem já no auge de sua idade.

— Tem certeza disso? — Os olhos de Ross caíram em Wanda, que abaixou a cabeça imediatamente, enquanto o projetor era desligado.

— Certo, já chega. — Rogers os interrompeu, se ajeitando na cadeira.

— Capitão, as pessoas estão assustadas.

— E o que você pretende? — Steve devolveu, com um pouco de raiva. — Desativar os Vingadores?

— Não, claro que não. — Ross supirou teatralmente. — Capitão, muitas pessoas o vêem como um herói, mas muitos também o vêem como um vigilante, um acima da lei.

— Tudo o que eu faço é para manter a ordem, General. — Steve mantinha a expressão séria, enquanto Wanda, Natasha e Sam ouviam. A tensão no lugar podia ser cortada com uma faca.

— Capitão, você operou com poderes ilimitados e sem supervisão. Isso é algo que não vai ser mais tolerado. — Ross esticou a mão para o militar, que lhe entregou a pasta. — E pensando nisso, as Nações Unidas criaram um acordo, que será aprovado na Conferência da ONU, na Nigéria.

— Não seria em Wakanda? — Sam ergueu uma sobrancelha, perguntando com a voz baixa.

— Algumas mudanças precisaram ser feitas de última hora. — Ross respondeu, retirando os papéis do acordo de dentro da pasta e entregando para Wanda.

— Acordos de Sokovia? — A Maximoff leu em voz alta.

— Wanda, pode ler os termos, por favor? — Steve pediu, dando um breve sorriso para a Feiticeira.

— Tudo bem. — A morena virou a página e leu a introdução para si mesma, antes de pronunciar o texto. — De acordo com o documento em mãos, certifico que os participantes abaixo mencionados, povos e indivíduos deixam de operar livremente ou de maneira não regulamentada, mas operam sob as regras, decretos e governanças das Nações Unidas acima mencionadas, atuando somente quando e se o o grupo considerar adequado ou necessário.

— Alguém já assinou? — Sam perguntou.

— Só o Stark, Rhodes e o Visão.

— Isso não vai acontecer. — Steve se levantou, irritado. Pegou a sua jaqueta de couro marrom e saiu, mas não sem antes ser chamado por Ross.

— Se você não assinar esse acordo, Capitão, você será preso, por tempo indeterminado.


Steve não respondeu, nem sequer olhou para trás. Apenas saiu da sala, batendo a porta atrás de si. Rosso acenou com a cabeça, liberando os integrantes dos Vingadores. Rogers caminhou pela instalação, encontrando uma sala vazia. Querendo esfriar a cabeça, entrou nela e sentou em uma cadeira. Natasha, Sam e Wanda chegaram na sala em que Visão e Rodhes estavam. Wanda sentou no sofá, entre os dois homens, enquanto Natasha sentava na poltrona e Sam ficava em pé.


— Parece que já receberam a notícia. — Rhodes comentou.

— Isso não vai acabar nada bem. — Wanda respondeu. — O governo nunca foi algo confiável.

— Mas nos deixar a solta, sem controle, é bem pior. — Visão interrompeu. — Já não temos mais a confiança da população. — Continuou, fitando a Maximoff e depois o resto do grupo. — Como podemos proteger as pessoas, se elas não conseguem mais distinguir os heróis dos vilões?


A pergunta do sintozóide apenas serviu para deixar o clima ainda mais pesado do que já estava. Suas mentes agora estavam nubladas com incertezas e preocupações.


~x~


Rogers ouviu duas batidas na porta e virou o rosto na direção do som, encontrando o Tony encostado no batente da porta. Os dois se fitaram em silêncio. Já haviam passado por tantos desentendimentos juntos, que apenas uma troca de olhar já era o suficiente para entenderem o que queriam.


— Alguém precisa nos controlar, Steve. — Stark começou, cruzando os braços.

— Tony, se eu vejo que a situação vai mal, eu não posso ignorar. — Rogers fitou o Vingador. — Às vezes eu gostaria de poder.

— Às vezes eu gostaria de socar os seus dentes perfeitos. — Stark respondeu, fazendo Steve se levantar e caminhar até a porta na parede oposta.

— Se não aceitarmos limitações, não seremos diferentes dos vilões. — Tony disse, fazendo Rogers parar e se virar.

— Continue dizendo isso para si mesmo. — Steve o fitou. — Saiba que esse governo que te controlará, é o mesmo que enviou uma bomba nuclear para Nova York anos atrás.


Nova York


— E bem, foi isso o que aconteceu. — Peter terminou a história, fitando agora o rosto surpreso de Gwen.

— Por que você não salvou ele, Peter? — Ela perguntou baixo.

— Eu... Eu não sei. — O rapaz desviou o olhar. — Por um momento eu achei que fosse a raiva que eu sentia dele. Mas então eu percebi, que estava com raiva de mim. — Voltou a fitar os olhos de Gwen. — Eu não quero ser o cara que persegue criminosos e faz justiça com as próprias mãos. — Peter afundou o rosto nas mãos, esfregando os seus olhos.

— E você não vai, Peter. — Gwen se aproximou, acariciando os cabelos castanhos do rapaz. — Você é a melhor pessoa que eu já conheci. E não existe nada de ruim em você. — A loira sorriu fraco. — Você tem tudo para ser um grande herói, menos um uniforme. — Riu baixo.

— Ei, isso aqui é a última moda, entendeu? — Peter comentou, levantando o rosto e sorrindo. — Obrigado, Gwen.

— Não tem porquê me agradecer. — Ela respondeu, o abraçando.


Mansão do Wyatt — Localização Desconhecida


Wyatt estava na varanda, acompanhado de um assistente, monitorando o treino de seus aprimorados, mais especificamente do Alexander com a Carol. Os dois possuíam a mesma habilidade: absorver energia. Porém, Carol era superior fisicamente. Seu corpo era mais forte, rápido e resistente. E quanto mais energia absorvesse, mais esses atributos aumentavam.


— Eles são perfeitos. — Wyatt disse, admirando os dois. — Com eles, o Capitão América e os Vingadores serão extintos.

— Senhor, posso lhe fazer uma pergunta? — O jovem rapaz fitou o comandante. Estava um pouco receoso, já que conhecia a fama de Wyatt.

— Até duas. — Respondeu o Comandante.

— Por que o senhor odeia tanto os Vingadores, principalmente o Capitão?


Wyatt travou por um momento ao ouvir a pergunta. Sua mente explodiu em lembranças tristes e sombrias.


— Senhor Wyatt? Tudo bem?

— Sim, está, só fui pego de surpresa. — Wyatt sorriu fraco. — Quando o Soldado Invernal e o Capitão América se encontraram pela primeira vez, três pessoas morreram naquele combate. Uma mulher e duas crianças.

— Você os conhecia?

— Era a minha esposa e os meus filhos. — Wyatt fitou o assistente, com um rosto sério. — Agora, me responda: O que acontece quando um homem perde tudo aquilo que o mantém bom?

— Ele se torna mau.

— Ele perde a razão de sorrir, garoto. E com isso, ele perde a esperança em mundo bom, se transformando em algo tão ruim quanto o próprio demônio.

— Sinto muito, senhor.

— Não sinta. — Wyatt voltou a fitar o treino, com os olhos levemente marejados. — Sentir é o que transforma homens bons, em covardes.


Lugar Nenhum — Oceano Atlântico

— Qual é, Stark, por quanto tempo você vai ficar jogando nos dois times? — Wilson comentou, vendo Steve e Tony se aproximarem.

— Essa não é a questão, Sam. — Respondeu. — Olha o quanto de sangue nós já temos em mãos.

— Tony, se alguém morre na sua vigia, você não desiste. — Rogers se juntou ao grupo, sentando na última poltrona vaga.

— Quem disse que estamos desistindo? — Stark cruzou os braços.

— Estaremos se não assumirmos a responsabilidade pelas nossas ações. — Steve fitou o grupo. — Esse documento apenas troca a culpa.

— Steve, isso é perigosamente arrogante — Rhodes interrompeu. — É das Nações Unidas que nós estamos falando. Não é do Conselho de Segurança Nacional, não é da S.H.I.E.L.D., não é a Hydra...

— Não, mas são pessoas com agendas e agendas mudam. — Steve respondeu, enquanto os outros iam absorvendo os argumentos em silêncio.

— Isso é bom. — Stark voltou a falar, colocando a mão nos bolsos da calça e se aproximando. — Quando eu percebi que as minhas armas estavam sendo usadas para algo ruim, eu desativei o setor na hora.

— Mas Tony, você decidiu fazer isso. Se assinarmos esse documento, estaremos abrindo mão do nosso direito de escolher. — Rogers devolveu, fazendo Natasha o fitar ao ouvir seu argumento. — E se tivermos que ir em algum lugar e eles não deixarem? E se precisarmos ir em algum lugar e eles não permitirem? — Steve fitou o grupo, antes de olhar para o Stark. — Podemos não ser perfeitos, mas as mãos mais seguras ainda são as nossas.

— Se não fizermos isso agora, vai ser feito mais tarde


A última fala de Stark serviu para colocar todos em silêncio mais uma vez. Um silêncio que só foi interrompido pelo toque do celular de Tony.


— Licença. — Enquanto Tony saía, um agente entrou na sala, um pouco apressado. Era baixo, com cabelos loiros e curtos, uma barba rala e olhos azuis.

— Capitão, precisamos do senhor. — Disse o agente, enquanto uma tela holográfica surgia no centro da sala. Mostrava um homem com uma espécie de armadura, com um "X" no peito, desembarcando caixas em um porto africano. — Esse é o Ossos Cruzados. Há rumores de que ele pretendoa atacar no dia da Conferência da ONU, em Wakanda.

— Por isso a mudança de local. — Sam comentou.

— Exato. — O agente prosseguiu. — Temendo um ataque ao seu reino, o Rei T'Challa pediu para mudar o lugar da Conferência e, para que os Vingadores pudessem fazer a proteção do lugar. Aceitam?

— É a nossa chance de mostrar que não precisamos do Acordo. — Wanda disse, fitando o Capitão.

— Estamos seguindo você, Steve. — Sam comentou, próximo ao amigo.

— Aceitamos. — Rogers disse, após um longo tempo em silêncio. — Vamos nos assegurar que nada dê errado.

— Vou preparar o quinjet. — Natasha respondeu, saindo da sala.


~X~


— Diga, Hank. — Tony disse ao atender o telefone.

— Eu aceito. — A voz do homem saiu baixa novamente. — Vamos criar o Ragnarok.