Após uma hora de caminhada da mata, o trio chegou ao que parecia um vale. Uma queda d'água cristalina dominava uma lagoa cuja superfície refletia a lua cheia que iluminava tudo ao redor com luz suave.

Vagalumes voejavam piscando sua delicada luz.

— Que lugar lindo! - exclamou Leonor esquecendo-se completamente do cansaço.

— Esse é Tachÿ. Meu povo vinha aqui na parada de caça. Agoirá vem pra lembrar povo.

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Leonor sabia que o pai havia trazido Agoirá quando ele já era adulto. Mas as lembranças de sua vida antes do cativeiro permaneciam vividas na mente do índio.

— Agoirá cuida vigiar. Moço de longe precisa descansar.

— Eu cuido dele, Agoirá. - disse Leonor.

— Sim. Agoirá ajuda moça Leonor a levar moço de longe.

— Você não vai dizer meu nome mesmo, não é índio? - Thomas comentou com voz baixa. A cabeça doía horrores.

— Moço de longe tem nome estranho. Agoirá prefere moço de longe. Vem, Agoirá leva lugar pra descansar.

Os três começaram a circundar a lagoa em direção a um lugar plano encoberto por árvores, quase uma cabana.

Eles se sentaram e Thomas deitou-se imediatamente, fechando os olhos.

— Moço de longe precisa cura. Agoirá vai buscar erva. - o índio levantou-se e embrenhou-se na mata.

Leonor moveu-se para perto e Thomas e colocou a cabeça dele no colo

— Como vosmecê se sente?

— Agora bem. Com você assim perto. Mas minha cabeça dói como o diabo.

— Agoirá vai trazer algumas ervas para aliviar sua dor de cabeça. - Ela acariciava os cabelos dele, o relaxando.

— Leonor, por mais que eu esteja adorando esse carinho, é melhor você parar. Senão eu vou acabar dormindo e isso não é bom no meu estado.

Ela parou na mesma hora.

— Oh! Me desculpa!

Os dois ficaram em silêncio até que ela perguntou.

— D. Constâncio me disse que vosmecê seria enforcado pelo meu sequestro. Por que vosmecê não foi embora? Nada disso teria te acontecido.

— Eu nunca teria paz se tivesse ido embora e deixado metade de mim aqui. - ele segurou a mão dela e a acariciou com o polegar - E minha consciência não permitiu que eu deixasse homens de bem serem mortos sem ao menos poder se defender.

— Vosmecê preferiu ficar e se sujeitar a perseguição de D. Constâncio?

— Como você, que podia estar a salvo com seu pai e voltou para me tirar das chamas.

— O amor nos faz cometer loucuras. - Leonor acariciou o rosto dele.

— Então você me entende por que eu fiquei. - Thomas a olhou diretamente nos olhos, fazendo o coração da moça acelerar.

Ela teria se inclinado e o beijado se Agoirá não tivesse chegado naquele exato momento.

— Pronto, moça Leonor. Agoirá trouxe ervas pra curar moço de longe.

— Obrigada, Agoirá. Vou preparar o remédio agora. – ela pegou as ervas e foi para a beira da lagoa.

— Moça Leonor corajosa, moço de longe. Luta como onça pra quem ama. – depois de dar seu recado o índio levantou-se. - Agoirá vai vigiar nas pedras lá alto. - ele apontou para algumas pedras perto da queda d'água. - Moço de longe fica junto moça Leonor.

Thomas observou o índio se afastar com a sensação que ele queria lhe dizer algo.

Leonor voltou com as ervas esmigalhadas em uma folha mais funda que parecia uma cuia.

— Beba. Vai lhe fazer bem. É como se lhe tirasse a dor com a mão.

Thomas bebeu a tisana com o rosto franzido. Era por demais amargo e lhe queimava a garganta como o pior vinho que já bebera.

— Deus! Isso é ruim demais!

Leonor riu e o som de sua risada chegou até Agoirá que estava sentado numa pedra afastado do casal o suficiente para lhe garantir a privacidade. O que ele não contara é que ali também habitava os espíritos do amor e fertilidade que seu povo adorava. Se os dois se amassem de verdade, os espíritos cantariam.

***

Leonor olhou para o céu pontilhado de estrelas. O barulho noturno era suave e misturava-se com o ruído da água que corria entre as pedras da queda d'água. Por um momento pensou que Thomas estivesse dormindo tal era a imobilidade dele.

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- Está dormindo?

- Não. - ele respondeu.

- Digas. Como é Londres? - ela virou-se de lado. Thomas abriu os olhos e olhou para as estrelas.

- Está vendo essas arvores ao nosso redor.

- Sim?

- Em Londres, há prédios maiores do que elas. Igrejas grandiosas, palácios opulentos. Avenidas que são como rios a se perder de vista. Mas não podemos ver as estrelas e o único cheiro que sentimos é do esgoto aberto nas ruas.

- Deve ser assustador...

- Não para nós que já estamos acostumados. Mas tudo isso aqui, todo esse verde e o azul do mar que não acabam nunca, me assustaram no início.

- Cada um se sente tranquilo em seu ambiente. É como o pássaro que canta livre na floresta, mas se sente triste quando numa gaiola.

O casal ficou em silencio por alguns minutos.

- Eu acho que você se acostumaria com Londres... - Thomas virou-se para ela com um sorriso. O movimento fez com que ele ficasse a centímetros dela.

- E eu acho que vosmecê se acostumaria aqui. - Leonor respondeu sorrindo também.

Os dois fitaram-se por alguns instantes. O desejo que sentiam era palpável no ar. Os corações aceleraram-se. A luz da lua pareceu ficar mais forte e os barulhos da mata param em expectativa ao que se seguiria.

Leonor viu o azul dos olhos dele tornarem-se escuros como a noite misteriosa que os cercava. Seu estomago se contraiu ao ver que ele engolia em seco e cerrava os dentes na vã tentativa de conter a si próprio.

Thomas podia ver com nitidez os olhos brilhantes no rosto delicado, a boca de lábios carnudos que ele ansiava provar novamente, quase podia sentir o hálito quente a escapar dos lábios entreabertos.

Ele sentiu como se um fogo lhe queimasse as entranhas, tal era o desejo que sentia por aquela mulher. Mas tudo nela gritava a inocência que um corpo que nunca fora tocado. E ele deveria ser o último homem sobre a terra a pensar possuir tal tesouro.

Abruptamente, ele levantou-se.

- Eu vou render Agoirá na vigília. Fique aqui. - e dito isso saiu caminhando rapidamente em direção às pedras.

Leonor sentou-se sentindo a garganta queimar. Por um momento pensou que ele a beijaria aplacando o calor que sentia em seu corpo.

Os céus a haviam destinado para ele. Queria muito que ele lhe apertasse entre os braços e a fizesse sentir-se segura, amada.

Leonor deitou-se sobre a relva macia sentindo o choro aflorar. Deixou que as lágrimas fossem suas companheiras na noite estrelada.

***

D. Constâncio sentou-se à mesa e aceitou o copo de vinho que D. Bernardo lhe estendia.

— Nada. Vasculhamos os arredores da vila, alguns engenhos abandonados e nada. Com a proximidade da noite, resolvemos recomeçar com mais homens amanhã.

D. Bernardo assentiu com a cabeça.

— Agradeço a vosmecê por toda a ajuda.

— Mas pelo menos temos o inglês que nos contará direitinho onde escondeu Leonor.

— Eu acho que isso não é mais possível, D. Constâncio. - informou o capitão Azevedo.

— O que quer dizer? – perguntou D. Constâncio.

— Que o seu índio, D. Bernardo, ajudou o pirata a fugir.

— O que?! Impossível! Eu o mandei procurar por D. Constâncio pra ajudar na busca por Leonor. - O pai de Leonor olhou para D. Constâncio.

— Mas ele não me procurou. Eu não vi o seu índio, D. Bernardo. – mentiu ele.

— Sendo assim, respeitando o sequestro de sua filha, nós não o levaremos preso agora, D. Bernardo. Mas assim que ela for resgatada ou o pirata Thomas Horton for recapturado, o senhor será preso por cumplicidade. – comunicou o capitão.

D. Constâncio tomou mais um gole do vinho para encobrir o sorriso que lhe aflorou aos lábios.