Silver

Capítulo 10 - Wade


O filme preto e branco que passava na TV deixava a desejar, mesmo que eu já tivesse o visto mil vezes e o adorasse, daquela vez, a única coisa que ele estava fazendo é com que eu quase dormisse bem ali, deitado em uma posição que me traria dores em toda a coluna. Meus olhos pesavam tentando não pensar que meu cérebro tinha descoberto um novo pensamento favorito denominado Charlie. Na minha cabeça se passavam várias coisas ao longo do dia, mas ela aparentemente tinha se tornado um ícone famoso. Um ícone famoso do qual eu deveria começar a me distanciar, pois já conseguia escutar todo meu corpo soando o alerta de perigo, e desta vez, eu deveria escutar.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Alex chegou em casa, por volta das sete e meia, e ficou me encarando com a fúria tão clara em seus olhos claros sem nem ousar dizer uma palavra. Ele tinha razão em estar bravo, eu nem ao menos havia tomado uma iniciativa para sair do sofá, quanto mais sair para uma noitada, e agora com ele ali, seria bem difícil inventar uma desculpa para não ter que ir ou chamar outra pessoa para ir com ele. Eu sabia que a única saída para aquilo era começar a me aprontar para que eu pudesse voltar para a casa logo.

Me levantei do sofá para ir ao banheiro, e a porta do apartamento abriu novamente. Eu realmente precisava comprar uma fechadura nova, ou ao menos começar a trancar a porta com mais persuasão, talvez comprar uma daquelas placas de não perturbe resolveria a situação.

Charlie estava com um cheiro incrível que se esparramou por todo o apartamento tão rápido quanto o cheiro do gel de cabelo de Alex. Um gel que eu odiava pois sempre impregnava o cheiro em todo meu apartamento, e não importava o que eu dissesse, ele nunca me escutava ou dava razão, ao menos o cheiro de Charlie era totalmente doce, mas não demais, tinha um toque refrescante. Era estranho pensar tanto naquilo.

Ela parou usando apenas uma blusa de pijama e uma calça rosa clara, segurando dois vestidos. Um era vermelho cheio de bolinhas enquanto o outro era branco com vários tons borrados percorrendo sua extensão. Se fosse para escolher algum, eu definitivamente escolheria o segundo. Alex olhou bem profundamente a analisando, e depois lançou um olhar para mim tentando entender o que era a presença dela ali. Tinha falado que era somente nós dois, mas acho que Charlie havia pensado que era somente uma brincadeira. Bem, eu não falaria para uma pessoa que estava com um turbilhão de sentimentos a flor da pele que não poderia sair conosco, então apenas lancei um olhar de volta para Alex sorrindo levemente.

— Qual dos dois? — Ela perguntou.

Alex novamente me encarou, fazendo um gesto com a cabeça para eu avisá-la, contudo, eu apenas encostei no portal que levava para o corredor, e o encarei de volta, abrindo um sorriso ainda maior para ele, fingindo não entender que ele não queria leva-la com a gente e o encorajando a dizer para ela.

— Charlie, querida.. — Sorriu para ela, como se estivesse prestes a chegar perto de uma criança e tomar o doce dela. — Você não pode ir…

— O que? — Ela abaixou os braços que estavam erguidos com os vestidos, e deu um olhar triste para ele, aquele olhar de quando um cachorro morre em um filme. O olhar de Alex pediu socorro para mim, mas eu apenas dei de ombros e continuei olhando a cena. — Wade?

— Ah, isso é tudo com Alex. — Eu olhei para Alex esperando ele continuar o que ia dizer. — Prossegue, Alex, o que você a dizer para Charlie?

— Eu ia dizendo que… — Ele engoliu seco. — Que você não pode ir com a gente usando esse vestido vermelho, é claro que você vai, mas com outro vestido porque é um bar temático. — Ele balançou as mãos de um modo estranho para ela.

Ela lançou um olhar animado para ele.

— De verdade? — Trouxe o vestido azul para cima do seu corpo e o observou, buscando a aprovação de Alex. — O que você acha, Wade? — Os olhos dela vieram para mim.

Eu sorri.

— Eu acho que qualquer um vai ficar ótimo. — Disse, e ela abriu um sorriso de leve.. — Preciso ir tomar banho, te vejo pronta aqui em 15 minutos.

— Tudo bem. — Ela disse, e saiu cantarolando.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Alex me fitou me fulminando com os olhos.

— Pensei que Charlie não iria conosco. — Disse para provocá-lo.

Ele pegou uma almofada pronto para tacar em mim, contudo eu consegui desviar entrando no banheiro. Dei um forte suspiro ao entrar no box, e abaixei a cabeça para receber a ducha de água com toda a força. Eu precisava me controlar, e me manter um tanto afastado dela. Ela aparentava ser bem mais nova, mas se o problema fosse só esse seria bem mais fácil. Ainda não me sentia pronto para me entregar para uma pessoa como ela. Precisava respirar fundo por sabia que se fosse, eu não poderia a magoar, nunca, e aquilo, infelizmente, era uma responsabilidade muito grande.

Oito horas saímos do apartamento todos juntos. Charlie usando um vestido marrom, totalmente diferente dos dois primeiros que ela havia nos mostrado, sem muita maquiagem, somente um batom, como sempre. Ficamos esperando o elevador se abrir, e em poucos minutos ele o fez.

Uma mulher dos olhos castanhos mel com um cabelo escuro sorriu para todos nós, em especial para Charlie quando a porta do elevador se abriu. Eu já tinha visto ela algumas vezes, pouquíssimas para ser sincero, e em todas ela tinha sido bem simpática como estava sendo agora. Havia uma criança dos cabelos escuros segurando sua mão, mas diferentemente da mãe, ela tinha olhos azuis-claros que me lembravam os olhos de alguém, contudo não me recordava de quem. A criança estava brincando com o que parecia ser uma borboleta de plástico enquanto cantava a música da borboletinha.

— Ei, Charlie. — Disse a mulher apertando para o elevador parar.

— Ei, Cely. — Charlie deu um beijo na bochecha para cumprimentá-la, e inclinou-se um pouco para falar com a criança. — Ei, Mandy.

— Posso contar com você sábado que vem, certo? — Perguntou. — Prometo que vou dar um jeito para Noah não estar no apartamento e ficar te amolando com aquelas cantadas, tenho certeza que André não gosta muito dele.

— Nós vamos entrar, ou o que? — Alex disse inconvenientemente, e eu o fulminei com os olhos.

Cely soltou uma risada como se já estivesse acostumada com aquilo, e Charlie deu uma risada sem graça, meio acanhada, mas não sabia se era por conta de Alex ou do fato de Cely ter mencionado André.

— Eu vou no sábado sim, Cely.

— Então está combinado. — Cely encarou Alex. — Vocês vão entrar?

— Você está descendo ou subindo? — Eu perguntei para ela.

— Vou dar uma volta com a Mandy, então descendo. — Ela sorriu.

Todos nós nos acomodamos no elevador e esperamos até que ele chegasse ao T. Depois disso, Cely se despediu de Charlie brevemente, e nos encaminhamos todos para o carro de Alex. Era realmente incomum que Alex me levasse aos lugares, mas de vez em quando alguns milagres aconteciam e ele se tornava uma boa pessoa com um coração pulsante.

— Ela é linda. — Alex disse dirigindo. — Parece ser engraçada também, e

— E muito bem casada. — Charlie disse. — Quando eu digo muito bem, é porque é muito bem mesmo. O marido dela se chama Will, e ele é… nossa. Eles moram juntos faz anos, e tem uma química que eu nunca consegui ter com André. Sério, quando eles ficam perto um do outro você consegue sentir aquela, não sei, não tem como explicar. — Ela deslizou da ponta do banco, até no meio para mais perto de nós. — A filha dela é a Mandy, as vezes cuido dela, mas bem as vezes mesmo por causa do Noah.

— Casada? — Alex disse indignado. — Simplesmente não posso acreditar nisso.

— Quem é Noah? — Eu perguntei, revirando os olhos para Alex.

— Ruivo, barba, policial, várias cantadas, péssimo comportamento. — Ela resumiu o garoto em quatro palavras.

— Faz comigo. — Alex disse praticamente gritando.

— Não conheço você muito bem para fazer isso.

— E o Wade? — Disse.

Lancei um olhar para ela no retrovisor, e vi ela me encarando. A verdade era que, mesmo que ela fizesse aquele jogo de palavras comigo, ela não me conhecia. Não sabia nada sobre mim, nem sobre o meu passado, e eu esperava que continuava assim.

— Também não. — Ela se afastou para trás e encostou as costas no banco, enquanto eu apenas ainda a olhava pelo retrovisor.

Chegamos ao bar minutos depois, e parecia que todas as pessoas da faculdade haviam tido a mesma ideia que nós, então eles estavam todos ali espalhados pelas mesas e pelo balcão. Fiquei até impressionado pois geralmente eles optavam por algo mais como um cinema, e não um sábado apenas bebendo como antigamente, mas desta vez eles haviam me surpreendido. O bar todo estava em uma situação realmente delicada em relação a lugares para sentar, contudo, ainda havia alguns bancos vazios, então nos dirigimos logo para ali antes que qualquer um de nós ficássemos em pé.

— Eu vou querer uma cerveja — Charlie pediu, e nós aguardamos.

Charlie e eu ficamos conversando, enquanto observávamos a distancia Alex tentar cantar algumas garotas. Ele levou vários foras, até realmente conseguir conversar com uma garota, que mesmo assim, não quis ir para casa com ele, então depois de meia hora, ele voltou a sentar com a gente, e desabafar sobre Carolaine, que tinha sido sua ex noiva que o tinha deixado no altar. Eu já havia escutado aquela história mais de cem mil vezes pois todas as vezes que Alex ficava bêbado e não conseguia ficar com nenhuma garota ele se punha a contar, mas, como era a primeira vez de Charlie, ela parecia totalmente atenta, enquanto os meus olhos desciam pela multidão.

— E então… — Alex disse, mas Charlie o cortou.

— Aquela te encarando lá no fundo, não é a garçonete do restaurante daquele dia? — Charlie apontou levemente com os olhos para o canto do bar, onde a moça do restaurante estava sentada conversando com as amigas enquanto também nos observava. — Vai falar com ela.

— O que? — Eu a encarei.

— Estou falando sério, Alex está bem sentimental agora, não acho que ele vá… — Ela olhou para o lado, e Alex estava desabafando com uma mulher, ela parecia extremamente interessada no seu assunto pois nem mesmo piscava. — Vai falar com ela.

— Vai ficar sozinha. — Disse.

— Ei, eu sou a Charlie e você é? — ela girou o banco e estendeu a mão para um cara que estava sentado ao seu lado.

Ele era bonito, com os olhos verdes quase da tonalidade dos dela e o cabelo bem preto. Tinha uma barba mal feita no rosto, e um ar de quem fazia algum tipo de engenharia. Alguma coisa dentro de mim começou a se manifestar de uma forma estranha no meu peito, mas eu apenas me virei e fui até a mesa bebendo a cerveja. Vi que ela anunciava minha chegada para suas amigas, pois todas elas deram algumas risadinhas.

— Olá. — Eu disse meio sem graça, a verdade é que eu não sabia muito o que dizer, então a maioria das vezes eu apenas soltava alguma frase como “seus olhos são muito bonitos” e tudo dava certo, porém, meu pensamento não estava focado naquela mesa, mas sim em Charlie conversando com aquele cara.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Olá — ela respondeu de volta, todas suas amigas me encaravam, aquilo me deixava nervoso. — Tudo bem com você?

— Claro e ai? — Eu disse procurando um lugar para me sentar.

Todas elas devem ter notado porque logo inventaram uma desculpa que tinham que ir no banheiro, e mesmo depois de passar meia hora conversando com ela, nenhuma delas resolveu voltar. Troquei olhares raramente com o cara no bar e com Charlie, mas depois de um tempo pareceu um pouco possessivo fazer isso, quando eu nem ao menos tinha nada com ela, nenhum envolvimento, além de amigos. As horas pareciam deslizar como uma luva, quando senti uma mão em meu ombro. Eu e Miriam, estávamos conversando sobre o seu emprego no restaurante, enquanto eu também falava do novo emprego que eu havia conseguido, quando a mão gelada de Alex encontrou o meu ombro de uma forma totalmente apreensiva. Troquei um olhar rápido com ele demonstrando que ele estava atrapalhando, e as palavras que saíram da sua boca, fizeram com que a bile voltasse pela minha garganta.

— O que foi? — Eu perguntei.

Alex estava pálido de uma forma que eu nunca havia visto antes.

— Charlie desapareceu com aquele cara, eu já procurei em todas as mesas, ao redor do bar, mas não achei ela. — Sua voz saiu rouca da garganta. —

— O que? — Eu me levantei. — Por que você não cuidou dela? Deixei ela do seu lado, Alex, era pra você cuidar dela.

— Calma, não foi minha culpa. — Alex debateu, irritado. — Ela disse que iria ali com ele, e que já estava voltando, mas faz um tempo já, e eu fiquei preocupado. Ela pode ter ido para a casa daquele cara, você não sabe.

— Alex, — eu tentei controlar a minha voz repousando a mão no seu ombro e fazendo com que ele olhasse bem no fundo dos meus olhos — a menina devolveu as coisas do ex namorado há menos de uma semana, acha mesmo que ela iria sair assim com um estranho? — Minha voz tinha aumentado um pouco sem querer.

— Oh meu Deus, você acha que pode ter acontecido alguma coisa com ela?

— Eu não sei. — Eu passei a mão pelo cabelo borbulhando de ódio. — Você já pensou em perguntar alguma coisa para os barmans? — Sooei rude ao dizer.

Miriam me olhava assustada sem entender o que estava acontecendo, mas eu não ligava. Charlie poderia estar sofrendo qualquer coisa uma hora dessas e Alex só estava me deixando mais nervoso. Nós sabíamos que não estávamos irritados um com o outro, mas sim preocupados com Charlie.

— Não, mas eu vou fazer isso agora.

— Isso, pergunte por uma menina do cabelo prata, é mais fácil identificar ela assim. — Eu disse, e ele assentiu, saindo rapidamente.

Era estranho ver Alex se preocupar com uma pessoa assim. Geralmente, ele só fazia isso comigo, nunca havia visto ele se preocupar com mais ninguém, nem mesmo com Leandro que era um dos nossos colegas mais próximos, mas, naquele momento, antes dele sair, eu consegui ver o pânico no seu olhar tanto quanto ele estava em meu coração. Poderia sorrir com isso se não tivesse tão apavorado.

— Eles disseram que a viram no estacionamento, uns quinze minutos atrás, mas eles não se lembram o carro que ela estava encostada. — Alex disse, e eu afirmei com a cabeça.

Nenhuma menina some de um bar de repente, aquilo parecia um pesadelo. Um daqueles que se repetem em sua mente por uma semana, e não te deixam dormir direito, porque você sabe que quando você conseguir dormir novamente eles vão voltar. Meu coração estava pulsando rápido demais, eu nem mesmo via enquanto ia empurrando as pessoas em direção ao estacionamento.

Meus olhos rodeavam o lugar enquanto a extensão de carro se embaralhava. Eu não saberia nunca encontrá-la, eram muitos carros, e a noite jazia pesada complicando muito mais a situação. Minhas mãos tremiam, meu sangue estava tão frio, eu estava com medo. Muito medo. Queria que do nada ela aparecesse sorrindo junto com o cara enquanto segurava um sorvete na mão, e me indagasse brava por que eu estava tão desesperado atrás dela. Queria muito que ela simplesmente aparecesse ali e gritasse comigo por tê-la deixado bêbada e sozinha com um cara, queria que ela me chutasse, e chorasse, mas que estivesse bem. Só queria que Charlie aparecesse ali naquele exato momento sã e salva.

— Charlie! — Gritei com toda a força para que ela pudesse me escutar onde quer que ela estivesse.

— Charlie! — Alex repetiu comigo, e nós dois deslizamos através dos carros para achá-la.

O tempo parecia parado, enquanto as batidas do meu coração eram tão altas que eu mal conseguia pensar. Eu deslizava por entre vários carros mas não conseguia encontrá-la, a única coisa que eu estava encontrando era um desespero. Meus olhos estavam perdidos, minhas veias pulsando sangue frio, a boca seca. Procurei por Alex e o vi bem a frente encarando um gol prata. Corri para ir atrás dele, e vi a luz do mesmo acesa. Me aproximei e encontrei os cabelos pretos por cima de Charlie que parecia estar tão petrificada quanto uma pedra. Puxei a porta do carro com tanta força que meu braço doeu, contudo nada aconteceu pois o pino estava abaixado. O olhar do homem subiu até o meu e seu olhar congelou, quase tanto o meu quando percebi que as roupas dela estavam rasgadas e seu rosto estava borrado por lágrimas.

Minha mão transbordou sangue quando em um súbito ataque eu bati a mão com força no vidro. Ele não rompeu de primeira, mas após alguns golpes ele se estilhaçou em cima do cara que tentava fugir. Ele tentou pular de cima de Charlie e fugir, mas Alex deu um soco em seu rosto que o fez ficar atordoado. Toda a minha vontade naquele momento era espancá-lo até a morte, mas a única coisa que eu fiz fora a abrir a porta e receber Charlie com um pulo em cima de mim. Ela dançou os braços pelo meu pescoço e se agarrou em mim. Um soluço rompeu sua garganta e eu tremi ao perceber que ela estava salva em meus braços.

— Não me solta, por favor, não me solta. — A garganta se rompeu em um choro, e eu quase chorei junto.

— Eu to aqui agora, e eu nunca mais vou te perder de vista, tudo bem? — Eu a trouxe mais perto de mim, e nós dois ficamos ali, agachados no chão juntos, com as lágrimas de Charlie inundando minha camiseta. Ela não tinha mais o cheiro doce de mais cedo. Seu cheiro agora era de um perfume masculino pesado, um cheiro que embrulhava meu estômago, e a única coisa que eu queria fazer era poder protegê-la.