Transfusão
Solidão vítrea
Ensinaram-me a não
encarar os Outros.
Por tal motivo,
eu vivia de cabeça baixa.
Escondendo-me.
Engolindo minha raiva.
Certo dia, olhei para
um daqueles homens.
Foi tolice a minha, eu sei.
Mas algo nele atraiu-me.
Talvez sua postura
envergada,
vazia,
sofrida.
Mirei aqueles intensos
e oblíquos olhos celestes.
Gélidos e tempestuosos,
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!tal como uma noite
de tormenta.
Ele notou meu olhar
e reverberou palavras ásperas.
Não consegui falar,
estava com muito medo.
Eu tremia.
E ele ria,
debochado.
Mas seus olhos estavam vazios.
Ele chamou dois homens
que estavam a alguns passos atrás.
O medo escalou minha mente
e comecei a correr.
Tudo era
um borrão.
Eu corria
sem direção.
Gritos ecoavam
às minhas costas.
Minhas pernas doíam.
Era quase impossível respirar.
O som
dos meus
batimentos
estava
frenético.
Era assustador.
Terrível.
Atroz.
Caí.
Sem fôlego,
apenas esta
telei-me
no chão
como uma
casca vazia.
Começaram a bater em mim.
As pancadas vinham fortes
e mortais.
Ferozes e cruéis e desumanas.
O sangue escorria de minhas feridas
len
ta
men
te.
Sentia o punho dos Outros.
Pessoas passaram por mim,
tenho certeza.
Olhares se prendiam
ao meu corpo mórbido
Mas tudo era um borrão
que passava direto pela cena.
Nenhum séquito alado,
nenhuma luz,
nenhuma salvação.
Apenas eu
e a dor de meu coração.
Sem caminho,
sou apenas matéria.
Sou um estorvo.
Os Outros afastam-se de mim.
Não sei quanto tempo passa,
só sei que o calor açoita minha pele.
Sou um nada.
Sou aquele que sofre.
Sou apenas eu
e a dor de um coração
esmagado
arrasado
e transformado em pó.
Todos fazem questão
de dizer que não existo.
Que sou fruto de um aborto,
de um mal prorrogado.
Eu não deveria existir.
Não deveria viver.
Mas não quero acreditar nisso.
O que há de errado
em ser como sou?
Quero ser alguém.
Quero ser eu.
Quero ser livre.
Fale com o autor