Transfusão

Solidão vítrea


Ensinaram-me a não

encarar os Outros.

Por tal motivo,

eu vivia de cabeça baixa.

Escondendo-me.

Engolindo minha raiva.

Certo dia, olhei para

um daqueles homens.

Foi tolice a minha, eu sei.

Mas algo nele atraiu-me.

Talvez sua postura

envergada,

vazia,

sofrida.

Mirei aqueles intensos

e oblíquos olhos celestes.

Gélidos e tempestuosos,

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tal como uma noite

de tormenta.

Ele notou meu olhar

e reverberou palavras ásperas.

Não consegui falar,

estava com muito medo.

Eu tremia.

E ele ria,

debochado.

Mas seus olhos estavam vazios.

Ele chamou dois homens

que estavam a alguns passos atrás.

O medo escalou minha mente

e comecei a correr.

Tudo era

um borrão.

Eu corria

sem direção.

Gritos ecoavam

às minhas costas.

Minhas pernas doíam.

Era quase impossível respirar.

O som

dos meus

batimentos

estava

frenético.

Era assustador.

Terrível.

Atroz.

Caí.

Sem fôlego,

apenas esta

telei-me

no chão

como uma

casca vazia.

Começaram a bater em mim.

As pancadas vinham fortes

e mortais.

Ferozes e cruéis e desumanas.

O sangue escorria de minhas feridas

len

ta

men

te.

Sentia o punho dos Outros.

Pessoas passaram por mim,

tenho certeza.

Olhares se prendiam

ao meu corpo mórbido

Mas tudo era um borrão

que passava direto pela cena.

Nenhum séquito alado,

nenhuma luz,

nenhuma salvação.

Apenas eu

e a dor de meu coração.

Sem caminho,

sou apenas matéria.

Sou um estorvo.

Os Outros afastam-se de mim.

Não sei quanto tempo passa,

só sei que o calor açoita minha pele.

Sou um nada.

Sou aquele que sofre.

Sou apenas eu

e a dor de um coração

esmagado

arrasado

e transformado em pó.

Todos fazem questão

de dizer que não existo.

Que sou fruto de um aborto,

de um mal prorrogado.

Eu não deveria existir.

Não deveria viver.

Mas não quero acreditar nisso.

O que há de errado

em ser como sou?

Quero ser alguém.

Quero ser eu.

Quero ser livre.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.