Do outro lado da linha

Atendimento #086: Pacman


Atendimento #086: Pacman

Eu admiro aqueles que têm um senso de direção apurado, sério mesmo esses mutantes deveriam ser estudados a fundo até descobrirmos como conseguem tal feito. Se me permitem o palavreado chulo, eu sou mais perdido do que filho da puta no dia dos pais, minha bussola natural é tão desregulada que nem sei chegar em casa sem gps.

— Socorro eu tô perdido! — Mas se eu sou um cara sem rumo espere só para conhecer o cliente Regis.

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— Calma, calma. Primeiro de tudo com quem eu falo? — A expressão de nosso gladiador dos telefones era impagável. Sabia que o cliente estava enrascado, mas como seu sadismo era forte gostava de vê-los sofrer.

— Regis, aqui quem fala é Regis, por favor me ajuda, não transfere pra outro setor.

O cliente ofegava muito, seja lá onde estivesse ele corria já algum tempo. As passadas pesadas deixavam claro que ele tinha agonia transbordando do corpo. Mas Ezequiel não, Ezequiel estava “suave”, estava tranquilasso no ar condicionado bloqueando os raios mortais de um sol infernal do verão brasileiro.

— Relaxa senhor, eu não vou pra lugar nenhum; já o senhor pode me dizer onde está indo?

— Não me zoa cara, eu to correndo atrás de um carro aqui pra me ajudar. — O cliente tossiu seco, provavelmente não bebera água fazia horas. — Taxi! — Chamou ele, mas o carro passou reto sem nem ao menos lhe dar atenção.

— Senhor Regis aqui é uma central de suporte e não um canal de emergência, se algo está acontecendo recomendo que você ligue diretamente para a polícia ou bombeiros.

— Não é isso cara! — Ouviu-se o cantar de pneus ao fundo, o motorista acelerou ainda mais o veículo. — Eu estou perdido aqui, pode me ajudar? Eu vim aqui para buscar meu produto na autorizada, preciso saber se estou perto e meu celular é uma bosta.

O atendente foi até seu sistema e iniciou a busca pelos dados do cliente, logo ele viu que já atendera aquela pessoa faziam um tempo. De acordo com os dados o cliente tinha levado o produto fisicamente a autorizada e gostaria que a mesma lhe enviasse de volta.

— Olha só se não é o cara que saiu do Acre e levou o produto em Mina gerais. — Constatou nosso heroi já em tom de deboche. — E então senhor Regis conseguiu chegar bem?

— Rapaz eu só não vou te xingar por que eu tenho muita coisa que pensar. Eu já estou chegando lá na assistência, pode me responder por favor?

— Claro, mas eu tô um pouco curioso. — Ezequiel coçou a cabeça ainda lendo o protocolo anterior que ele próprio tinha escrito. — Se da ultima vez o senhor foi até a autorizada, como que agora conseguiu se perder?

O cliente fez um muxoxo, teria desligado a chamada, mas sua melhor opção era continuar aturando Ezequiel.

— Só um momento por gentileza, vou ver o que eu posso fazer só me diga a rua que o senhor se encontra. — o atendente colocou a chamada no mudo.

O cliente não estava longe de onde ficaria a autorizada, bastavam apenas mais algumas ruas, algo em torno de cinco, para que ele desse de cara com o estabelecimento. Mas você acha que Ezequiel era bonzinho?

— Vai demorar? — O cliente apressava nosso heroi.

— Senhor, o senhor viajou mais de mil quilômetros, acho que mais cinco minutos não vai fazer tanta diferença assim, não concorda? — Colocou a chamada no mudo. — Esse cara deve ser rico mesmo, foi sem nem pestanejar buscar o negocio. — Uma ideia surgiu, era hora de brincar com Regis. — Senhor verifiquei que deve virar a proxima rua a esquerda e seguir por ela.

Na mente do atendente surgiu um labirinto baseado no mapa que ele visualizava em sua tela, para ele o cliente era agora como o personagem circular do jogo pacman e ele o controlava a seu bel prazer.

— Agora para a rua da direita entre pelo cruzamento. Depois disso senhor Regis vai ver um restaurante. — O cliente afirmou com um ruido. — Agora espere o sinal fechar e suba a ladeira.

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E assim foi pelos próximos dez minutos, o cliente acatou cada comando que o atendente lhe passava. Regis circulou o quarteirão da autorizada por duas vezes sem se dar conta que estava sendo enrolado.

— Pronto agora você chegou. — Anunciou nosso heroi mimicando as vozes dos gps’s.

— Como assim? — Falou choroso caindo e joelhos na calçada.

O cliente tinha a sua frente uma assistência técnica fechada, os dizeres na entrada faziam Regis desatar em lágrimas.

“Assistência descredenciada, produtos transferidos para a Matriz em São Paulo. Entre em contato com a central ou busque fisicamente.”