Do outro lado da linha

Atendimento #075: Hora Extra


Atendimento #075: Hora Extra

Seis, oito, dez e até mesmo doze horas de trabalho; estas são as jornadas possíveis para os pobres infelizes que tem de colocar headset na cabeça. Para aqueles que trabalham mais de seis horas por dia a semana se encerra na sexta, já para os de seis o chicote só para de estralar no sábado.

Se você acha que quando seu horário bate a chamada cai, sinto muito mas você está redondamente enganado. A ligação continua ali, sugando sua alma seu tempo de liberdade por meio de um cliente que é estupido como uma lagartixa com cãibra. E sabe o que é pior? Se você não for esperto assim que encerrar a chamada outra cai e você fica preso denovo…

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— Senhor, olha a hora…

O relógio marcava seis da tarde, pelas janelas da central os raios laranjas do sol passavam. Nosso herói atendia o cliente sozinho enquanto apreciava o pôr do sol; isso seria ótimo não fosse o fato que Ezequiel deveria ter ido embora as três da tarde.

— Filho tá quase acabano. — O sotaque era de um minero do interior, sabe aqueles estereótipos de caipira? Esses mesmo… — Cê esperô até agora intão não têm probrema aguardá mai uns vinti minutin.

— Ô Chico bento eu nem deveria estar aqui, já tá quase anoitecendo e você fica me segurando aqui. — Ele não encerrara a chamada, queria muito, mas como sua amada estava no hospital ele não encontraria ninguém em casa. Em outra palavras, não tinha nada melhor para fazer. Colocou a chamada no mudo. — Nem para cair a liga…

Naquele instante a ligação caiu libertando o atendente de sua algema de cabeça. Ezequiel se viu sozinho dentro do grande andar que formava a empresa, as luzes estavam apagadas e ele era o único presente ali.

— Eita — falou ele arregalando os olhos. — Eu acho que demorei demais nessa ligação. — O rapaz começou a organizar seus pertences na mochila. — Ai eu quero uma ajudinha rápida aqui. — comentou ele imitando o ultimo cliente, sacou um fone de ouvido do bolso. — Em pleno sábado o corno me liga no fim do expediente querendo que eu fiquei durante horas com ele; aí o coração mole, ao invés de mandar ele chupar coco pra ver se vira brigadeiro, vai lá e fica… — Meneou a cabeça.

Foi até o banheiro calmamente, cada passada era um eco que ia longe e depois voltava. Se ele tivesse peidado teria escudado ressoar nas paredes. Enquanto lubrificava a louça do vaso o mesmo pensava no caso do cliente, o pobre infeliz ficara ali esperando para que fosse resolvido e quando estava próximo do final a ligação caiu.

— É… — murmurou Ezequiel limpando as mãos com alcool em gel. — Não acredito eu que vou fazer isso…

O atendente voltou cabisbaixo para sua mesa, praguejava para sí próprio o quão fraco era por não resistir e sair correndo daquele lugar. Ele precisava fazer algo, não conseguiria ir embora sem fazê-lo. Puxou a linha, foi no histórico do telefone e selecionou os numeros do cliente.

— Alô? — O cliente não esperou nem mesmo o segundo toque. — Alô quem é qui taí?

— Senhor sou eu o atendente Ezequiel que falaca com você até agora a pouco. — Nosso herói sentira remorso por não ajudar o cliente, a segunda e a terça seriam feriado e este só poderia ter ajuda na quarta. — A ligação caiu e…

— Caramba ocê demorô pra retorna ein menino.

Ezequiel fez uma careta de quem deseja loucamente pegar um arame farpado e aparrar no couro de alguem.

— Agora eu não preciso mais de ocê, ta tudo certin aqui fio.

— Não! agora você que vai esperar seu infeliz, eu que fiquei aqui até agora mereço no minimo saber se você alguma coisa errada. — Respondeu o atendente indgnado.

— Mai eu num quero.

— To nem ai não, vai me dizendo o que você fez.

— Uai! Eu esperei… depois que terminou o procedimento o trem vortô a funcioná. Tá me achando algum ingnorânte por acaso é fi?

— Não senhor eu só achei que poderia ter acontecido alguma coisa de errada e…

Ezequiel não concluiu a frase, o cliente desligou em sua cara. O atendente anotou o endereço do cliente para que um dia, quem sabe ele fosse fazer uma visita violenta.

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— Nenhuma boa ação sai sem punição… — Se levantou de subido e foi em direção a porta que dava para os elevadores. — Nenhuma punição sai sem…

Ezequiel bateu a cara na porta de vidro da saída do andar. Se conteve para não romper a barreira aos murros. Com a mão na testa ele tentou abrir a porta. Sem sucesso…

— Não! não! — Praguejava ele tentando girar a maçaneta da porta. As luzes dos elevadores se apagaram, estes foram desligados. — MALDITO CLIENTE! — Gritou o operador ao constatar que estava preso até quarta feira...