Do outro lado da linha

Atendimento #103: Damas


Atendimento #103: Damas

A rotina de atendimentos é muito chata; chegar, ligar seu computador, esperar duas horas e meia até que ele consiga abrir seu sistema, guardar seu pertences sobre a mesa, ir ao banheiro, coçar a lomba e por o headset na cabeça. Se você repete isso durante um ano inteiro, você fica com uma vontade muito peculiar de enfiar uma estaca no seu peito. Por essa razão que os atendentes precisam se distrair de alguma maneira.

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— Perfeito senhor agora tome cuidado para que a antena não caia no chão está bem? — Ezequiel instruía o cliente sem nem ao menos olhar para tela. — Isso perfeito, agora espere um momento.

O atendente parou, pensou por um momento e fez seu movimento.

— Chek. — Anunciou ele após colocar a rainha em um campo estratégico do tabuleiro.

Na mesa de Ezequiel existia um tabuleiro de xadrez com todas as peças em tamanho reduzido. Nosso heroi jogava com Ancelmo que sentara ao seu lado naquele sábado moroso e lento.

— Senhora só um momento que meu imperio está sendo ameaçado. — O rapaz nem se importou de colocar no mudo.

— Império? — Estranhou a mulher atendida pelo domador de clientes.— Do que está falando Ancelminho? — Sim a pobre infeliz o tratava de maneira BEEEEEM intima.

— Meu cavalo avança pelo campo de batalha com a determinação de um guerreiro nórdico destinado ao valhalla, salta diante de sua rainha e…

— Cara, faz a porcaria do movimento logo pelo amor de Deus.

Ancelmo colocou o cavalo em proteção à seu rei, Ezequiel retornou à chamada.

— Senhor, aguarde enquanto eu faço o registro da ligação está bem, logo vou passar o protocolo.

— Certin meu fí. — O homem e era um idoso que nem se quer ligava de passar mais de cinquenta minutos apenas para conectar a antena de sua televisão.

— Beleza. — O atendente colocou no mute, analisou a jogada de seu colega e fez seu movimento. — bispo come cavalo, então… — Tirou a peça do tabuleiro.

Ancelmo tinha voltado a atender a mulher em seu telefone, porém a mesma já estava ciente de tudo o que ele fazia.

— E se fizer isso o seu produto vai estar completamente normal. — Ele finalizava naquele momento a ligação.

— Ancelminho. — A mulher o interrompeu antes que desligasse. — Não move seu rei para esquerda.

— Oi? — Surpreso com a dica da mulher ele relutou em mover o rei para esquerda. — Como é?

— Eu sou uma enxadrista profissional, lindinho. Se fizer o que eu mando você consegue reverter o jogo e vencer.

O fanático por Jaspion ajustou o head e virou-se para o tabuleiro com um sorriso no rosto. Ezequiel não entendera o porquê da reação, mas continuou com o jogo. Enquanto isso na mesa ao lado um jogo de damas no minimo peculiar se estendia.

— Aêêêêêê caceta! — Amanda falava alto e batia na divisória das mesas. — Eu passo por aqui viro aqui e tomo duas!

O jogo possuia peças diferentes do considerado normal, os que seriam as peças pretas eram na realidade copos de dose cheios de catuaba; já os brancos eram copos de dose preenchidos por vodka. Cada peça retirada do jogo era ingerida por quem a retirara, no caso, como a ex major controlava as brancas, bebia as de catuaba.

— Eu só queria tomar as vodkas… — Igor jogava com a garota mas infelizmente para ele, quando o assunto era beber catuaba, a garota se tornava a mestre em qualquer assunto. O supervisor moveu um copo um quadrado mais a frente.

— Isso! — Comemorou Amanda. — Primeiro passo por essa, essa, essa e… — A garota virou as peças mortas pegou uma delas e colocou por cima de um de seus copos cheios. — Dama!

O telefone dela soou uma chamada. Irritada ela atendeu aos berros.

— ALÔ? ALÔ?

— Oi, OI! — O cliente era o idoso que era atendido por Ezequiel, mas aparentemente a chamada caíra.

— ALÔ QUEM FALA?

— Fia, não grite não!

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— OI? — Fingiu ela rindo com a lingua pra fora. — TÔ OUVINDO NÃO!

— Alô? — O cliente tentava continuar a ligação.

— SENHOR, SENHOR!

— Oi fia eu estou ouvindo.

— SE É UM BOSTA! RÁ RÁ RÁ — Amanda encerrou a chamada enquanto forçava uma risada. Naquele momento ela olhou para o tabuleiro de damas. — PERA AÊ. — Ela pegou a peça recém condecorada e começou a fazer um movimento que seu superior não tinha percebido. — EU GANHEI CACETA!

Amanda puxou Ezequiel pelo braço e deu-lhe um beijo que o sufocou.

— SUA COISA GOSTOSA! — Gritou ela em direção ao rapaz que se perguntava como acabara de perder uma partida ganha de xadrez.