Gota a gota [HIATUS]

Encontro com a sábia


Os olhos de Fugaku deslizaram pelo robe pérola que escondia a camisola da mesma cor, porém revelava o colo pálido que se iluminava na penumbra do corredor. Os fios negros espalhados pelos ombros escorregavam em um caminho que se findava nas pontas que adornavam os seios feito ouro abraçando uma pedra preciosa.

Não houve um momento em que Mikoto se deixou desconcertar pelo olhar do marido. Seu semblante e emoções permaneceram esculpidos em diamante, inabaláveis e frios, anunciando o tom da conversa que estava por vir.

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— Se vamos viver em hostilidade, ao menos devemos deixar as coisas claras. — Ela iniciou deixando-o desconcertado com a voz afiada. A postura tranquila abrigava uma pitada do orgulho típico dos que carregavam o sobrenome Uchiha. — Há cerca de meio ano, seu pai foi a minha casa... Fiquei surpresa em encontrá-lo naquele dia, você sabe, nossas famílias nunca foram próximas, logo não existia um motivo inocente para ele estar lá. — Mikoto inconscientemente relaxou o tom com o mergulho nas lembranças. — Minha avó nos deixou sozinhos para preparar um chá, que demorou exatamente o tempo de nossa conversa. Quando ela saiu da sala, eu percebi a importância da situação embora não tivesse ideia do que se tratava.

— Nesse momento ele lhe falou sobre o casamento. — Fugaku se adiantou com sua curiosidade.

— Não, ele me fez perguntas. “Como você vê o nosso clã? O que deseja para o futuro dele? O que o mantém unido?...” — Interrompeu-se um segundo, voltando do passado. — Um líder não joga esse tipo de questionamentos ao vento. Então, algum tempo depois, minha avó falou sobre a intenção por trás daquela visita.

— Ele fez pelas minhas costas... — O sussurro carregava a mágoa que desabrochava.

— Nada foi combinado, ficou apenas numa promessa. Eu acredito que ele conversaria com você antes de tomar uma decisão definitiva. — A afirmativa abrandou o coração de Fugaku por um micro instante. — Desconheço a razão de ter sido escolhida, é um mistério que somente as pessoas próximas ao antigo capitão podem se arriscar a descobrir. Talvez conseguissem se tirassem o véu dos olhos — alfinetou, e sem deixar espaço para uma sílaba do marido, continuou: — Julgar corretamente o caráter de alguém é uma habilidade importante para um líder, assim como manter sua sinceridade nos limites da prudência. Uma frase é capaz de criar um inimigo e pedir desculpas não é suficiente para dissolver o conflito.

Fugaku permaneceu imóvel como quem espera pelo golpe final, e ele veio em seguida.

— Não tenho interesse no que é seu e não me envaidece a posição de sua esposa. Também não me importo com o que pensa sobre mim e não admito ouvir absurdos. Viver em harmonia não depende somente do meu esforço.

Mikoto levou a força de suas palavras consigo até desmoronar no futon e agarrar o travesseiro. Não desejara ser tão dura, contudo não podia se mostrar fragilizada. Era o seu brio que estava em jogo e deixá-lo ser ferido não era uma opção. Ela se entristeceu com a possibilidade da relação piorar, no entanto a realidade logo lhe tocou a testa: já estava no fundo do poço, o máximo que poderia acontecer seria cavar mais um pouco. Suspirou pesadamente fitando o assoalho envernizado brilhar com o luar, sentindo vontade de lamentar sua escolha. O “sim” de outrora se tornava cada vez mais pesado, fazendo-a questionar se valia à pena. Talvez sua avó tivesse razão e se apegar àquele casamento era se acorrentar a infelicidade.

O sono demorou a vir para Fugaku, diferente das reflexões que se acomodaram em sua mente soprando a imagem do rosto de Mikoto, inflexível e indiferente, o oposto do semblante afável que sempre lhe recebia não importava a hora. Era estranho lembrar que eles possuíam uma convivência agradável anos antes daquele tempestuoso matrimônio. Por que não podiam continuar se dando bem? A resposta fora dada, faltava a ele percebê-la.

No dia seguinte, Fugaku não saiu cedo como de costume. Adentrou a cozinha por volta das sete fingindo a tranquilidade que não lhe acompanhava, pegou o bule e se serviu do resto de chá, cuspindo-o vigorosamente na pia assim que o líquido tocou sua língua.

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— Esqueceu o açúcar. — Mikoto sussurrou bebericando seu chá.

Ele a ignorou irritado partindo para a geladeira, não queria se arriscar a ingerir qualquer outra coisa que ela tivesse preparado. “Quem toma aquela porcaria sem açúcar?”, resmungou correndo os dedos pelas prateleiras, descobrindo que os ovos haviam acabado e ouvindo um “eu gosto assim”, pronunciado com uma calma que soava feito provocação.

— Sairei em missão amanhã. — A frase o obrigou a encará-la.

— Faz pouco tempo desde a última. Por que aceitou outra?

— Porque é isto que um ninja faz: realiza missões.

Fugaku entreabriu os lábios involuntariamente, a réplica escorreu por eles e se misturou ao ar formando um grande nada. Rebater era tão inútil quanto tentar tomar seu café da manhã.

Ele tomou as ruas de Konoha sem se despedir, dirigindo-se a velha pensão que frequentava. O lugar era dirigido por um casal de idade avançada que se movia devagar com seus passos arrastados, possuía alguns pares de mesas de cedro envelhecidas e um balcão de mogno opaco que separava o singelo salão da parte interior. A decoração ficava a cargo de um jarro de flores amarelas posicionado sobre a madeira escura e um quadro pendurado ao lado da porta com o desenho de uma montanha. Era o tipo de local para se refugiar do resto do mundo. Tinha um ar que fazia duvidar se o tempo corria ali, abraçava os solitários e acalentava os tristes. Por isso Fugaku não abandonava a rotina de visitá-lo ao menos uma vez por dia e naquele em especial, permitiu-se aproveitar mais do clima ameno. Comeu devagar dividindo a atenção entre o ato e a contemplação do movimento no lado de fora. Todas aquelas pessoas precisavam que seu trabalho fosse bem executado para seguirem suas vidas com tranquilidade. Era sua responsabilidade manter a ordem e a paz em Konoha e estava desempenhando seu papel com excelência, os relatórios apontavam isso. Contudo não conseguia o mesmo resultado em casa. Mais fácil era comandar um exército do que preservar a harmonia de um relacionamento.

Ele encontrou o sossego dos pensamentos em uma ronda pela vila. Esbarrou com seus subordinados, recebendo deles as informações sobre a segurança em diversos pontos, impediu um roubo a uma mercearia na região do clã Inuzuka e quase matou de susto um pivete que tentou furtar a bolsa de uma grávida.

O meio da tarde chegou com a impressão de que nada restava para fazer, levando o jovem líder à sede da força policial. Ele optou pelo trajeto que passava por um conjunto de estabelecimentos comerciais carente de um maior número de clientes, precisava abastecer a dispensa embora duvidasse que comeria em casa enquanto Mikoto estivesse em missão. Entretanto mal roçou os dedos em um tomate, ouviu seu nome.

— Emi-san...

— Estava esperando que os céus me mandassem uma ajuda e você apareceu — pronunciou com a voz arranhada da idade e um cansaço aparente. — Deixe-me aproveitar um pouco de sua juventude. Estas mãos velhas não aguentam muito peso.

Fugaku acatou sem questionar seguindo a idosa pelas ruas, carregando as sacolas que a pertenciam. O andar vagaroso fez o percurso dobrar de tempo, mas ele não se inquietou com o fato. Caminhou no ritmo dela até chegarem ao destino.

— Obrigada. — Ela disse assim que Fugaku pôs as compras sobre a pia. Pegou uma embalagem contendo ervas secas e levou ao fogo uma chaleira com água. — Ficará pronto logo, logo.

— Agradeço a gentileza, mas tenho que ir.

— Quando eu lhe dei permissão para ir, criança? — Encarou-o com o olhar enigmático. — Você poder ser o líder dos Uchiha, mas para mim continua sendo o garoto que vi correr atrás do pai pelas ruelas de Konoha.

Fugaku permaneceu a contragosto, havia esquecido a última vez que alguém usara aquele tom com ele, no entanto não negava a curiosidade que possuía quanto ao assunto que Emi tocaria.

— Eu poderia julgá-lo pela forma que trata minha neta, porém este não seria um julgamento justo. — Empurrou a xícara sobre a mesa na direção do rapaz. — Por ele, eu diria que é um homem terrível, no entanto você mais me parece um jovem tolo tentando equilibrar o peso do mundo na palma das mãos. Não conseguirá, é fato. Porém, o admiro por isto. — A frase arranhou de espanto a expressão de Fugaku agradando a anciã Uchiha. — Se eu lhe perguntasse qual o motivo de seu empenho para com o clã, o que diria?... Nada! Nem mesmo você sabe, mas em nenhum momento dá menos que o seu máximo por essas pessoas. Não por poder, não por orgulho... Apenas faz, como o rio que segue até o mar. Sob essa ótica, não posso negar que tenho simpatia por você.

— A senhora não começou essa conversa para expressar sua simpatia por mim — disse cruzando os braços.

— Evidente que não. — Sorveu o líquido de uma vez sendo observada pelo olhar impaciente de Fugaku. — Os homens de seu pai são seus homens agora. Alguns são fiéis feito cães, outros precisam de uma razão para dedicar sua fidelidade. Irão compará-los tantas vezes quanto for possível até que sua marca se sobreponha a dele. Enquanto isto não acontecer, sua imagem continuará frágil... Há mais olhos sobre você do que os anos que carrego em minhas costas. — Ela o encarou fixamente. — Construa sua reputação com sabedoria e cautela.

Ele assentiu devagar ainda estranhando o diálogo e tentando arrancar daquelas íris de pedra algo além do que fora dito, contudo teve a intenção frustrada pela mudança na solidez das pérolas negras junto ao tom suave que pediu:

— Diga a Mikoto para não se esforçar tanto, é desnecessário.

Fugaku retornou ao trabalho com a cabeça cheia das palavras de Emi, contudo não foram os conselhos que prenderam sua atenção e lá pelas dezessete horas o assunto roia seus pensamentos de tal forma que ele se viu obrigado a voltar para casa.

Mikoto quase se assustou ao perceber a presença do marido e temeu que algo ruim tivesse acontecido, no entanto continuou seus afazeres como se não o notasse observando seus atos.

— Você realiza missões por causa da sua avó.

— Do que está falando? — Tentou disfarçar a surpresa evidente na forma que interrompeu de súbito a limpeza da mesa.

— Você não comprou coisa alguma para si mesma desde que nos casamos e sempre me avisa sobre os gastos com os alimentos e objetos necessários para a casa, então se não gasta o seu próprio dinheiro para poupar o meu, ou o contrário, o único motivo de aceitar uma missão num intervalo tão curto é garantir o sustento dela.

— Tem certeza que não tenho outro motivo? — Mikoto jogou.

— Ficar longe de mim... — murmurou depois de minutos.

— Sim... Mas o que disse primeiro também é verdade. Não posso deixar que falte algo a ela.

Fugaku sentiu um leve desgosto misturado ao consolo de saber que a esposa possuía outra motivação além de se distanciar dele.

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— Não precisa... — iniciou logo sendo interrompido.

— Você não tem o direito de sugerir isso depois do que disse — rebateu, calando-o. — Por que começou a falar sobre minha avó de repente?

— Eu a encontrei próximo ao mercado, e ela me pediu ajuda para carregar as sacolas.

Fugaku se surpreendeu com a risada espontânea de Mikoto, que levou a mão à boca tentando conter o riso que não saía de seus lábios. O som agradável e o semblante relaxado dela fizeram-no esquecer do desconforto inicial que sentira.

— Não acredito que caiu nisso! Minha avó consegue levantar um boi sem o menor esforço — falou ainda sorrindo.

— Como eu ia saber?! — respondeu cruzando os braços e virando o rosto minimamente irritado, entretanto o pedido lhe forçou a mudar de postura. — Não deve se esforçar tanto... — A frase desconcertou a jovem, que procurou compreendê-la nos olhos dele. — Emi me pediu que lhe dissesse isso.

— Ela sempre vai dizer que me esforço demais, e eu sempre vou tentar retribuir tudo o que ela fez por mim... — sussurrou.

Fugaku fitou por longos segundos a meditação na qual Mikoto se recolheu, notando a emoção que a abraçou com força e externava o amor e zelo que sentia pela idosa. A imagem se fixou em sua memória feito um retrato num painel de lembranças, cálida e suave como a brisa da primavera.