Sonhando Acordada

Capítulo 3 - Noite Estrelada


Os dias voaram depois daquela noite em que Isa dormiu lá em casa. As provas passaram - tomara que eu tenha me dado bem meu Deus - e chegara o dia da véspera de Natal. Meus planos eram passar com os meus tios, se meu tio em particular tivesse colaborado. Já estava tudo pronto para a ceia, a sala estava toda enfeitada de pisca-pisca, árvore de Natal, tinha até guirlandas penduradas na porta. Dava para ver o esforço dela para aquilo dar certo. Ela tinha se arrumado toda, - eu simplesmente não entendo essas pessoas que se arrumam toda no Natal para ficar na sala da própria casa - até eu me arrumei um pouco colocando um vestido de renda branco, e passei um pouco de maquiagem, em respeito a minha tia pelo esforço. Só faltava o meu tio chegar.
Eram 23:11 da noite. Ás 23:36 ele irrompeu pela porta segurando uma garrafa de whisky. Bêbado. Tipo, muito bêbado. Bêbado de cambalear e tudo. Olhei para minha tia. O pavor em seus olhos era aparente, logo dando lugar as lágrimas. Eu odiava ver a minha tia chorar, depois de tanto amor que ela me deu desde que cheguei ali, me dando tudo de que eu precisava, - até demais - era impossível não amá-la. Ela é uma segunda mãe para mim, e por mais que eu amasse o meu tio, ficou difícil não sentir repulsa por ele naquele momento. Ele estragara o Natal que minha tia lutara tanto para dar certo. Não aguentei:
- Você não tem vergonha? Sua família te esperando para celebrar o Natal e o senhor ao invés de mostrar um pouco de respeito não só pela data, mas pela sua mulher também, você enche a cara?
Minha tia empalideceu. Ele olhou para nós duas pela primeira vez desde que chegou ali, alternando o olhar entre as duas. Então se concentrou em mim, e deu uma gargalhada.
- Eu? Enchi a cara? - disse olhando para a garrafa em sua mão e balançando. Deu um gole. Mais um. - Você não sabe nada da vida, menina tola.
Menina tola? Senti a fúria crescendo dentro de mim e quando me vi por mim, já estava gritando:
- Tola? Eu? Olha para você! Não consegue ficar apenas uma noite sequer sóbrio. E eu que sou a tola por aqui? Você deveria se sentir grato por...
- NÃO ME DIZ O QUE FAZER. EU MORO AQUI. SOU O DONO DESSA MERDA DESSA CASA. VOCÊS DUAS QUE DEVERIAM TER RESPEITO POR MIM, EU FAÇO O QUE EU QUISER, PORRA!
- Para, Christopher! Por favor, p-para! - implorou minha tia. Ai que ódio! Eu queria dizer poucas e boas para aquele cara, mas não queria fazer minha tia se sentir mal, argh.
- Desculpa tia, mas a noite para mim acabou por hoje. - E irrompi pela porta. Saí na rua com o choro entalado na garganta. Eu não ia chorar, não mesmo. Hoje não. Continuei andando até encontrar um banquinho vazio em uma pracinha perto de casa. Sentei e olhei para o céu. Era noite de lua cheia, essa noite em especial a lua parecia mais próxima do que nunca. A noite estava linda, o céu estava estrelado, assim como o dia que olhei as estrelas com meus pais...

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Há 11 anos atrás...
- Papai! Papai! - chamei por ele, da varanda de nossa casa.
- Oi, minha princesa? - respondeu ele saindo pela porta da frente.
- Para que servem as estrelas? - perguntei para ele, apontando para o céu, maravilhada. Ele veio para perto de mim, me pegou no colo e olhando para o céu rindo, respondeu:
- Eu não sei ao certo, dessa vez você me pegou. - disse olhando para mim. Vendo a decepção no meu rosto, olhou para o céu mais uma vez - a minha mãe, sua avó, dizia que... Quando alguém que nós amamos parte desse mundo, ela vira uma estrela e fica brilhando lá no céu. Dizia que mesmo não estando mais aqui, podíamos confiar nas estrelas, que essa pessoa especial estaria lá em cima nos observando, cuidando de nós.
- Uaaaaau! - respondi, olhando fascinada para as estrelas, cada uma mais brilhante do que a outra.
- O que vocês estão aprontando? - disse minha mãe na porta. Ela era linda, loira, dos olhos acinzentados, dona de um sorriso lindo.
- Mamãe! - corri para os braços dela. - Papai me contou que quando uma pessoa vai embora, ela vira uma estrela! Isso quer dizer que a vovó e o vovô estão láááá em cima nos protegendo, não é?
- É... É sim, minha linda. - respondeu ela com um olhar triste fitando o céu.
- Ei, Mel? Também fiquei sabendo de outra coisa. - olhei para o papai, curiosa.
- O que, papai?
— Quando a primeira estrela brilhar no céu, você pode fazer um desejo, e aquela estrela o realizará para você. - E mais uma vez naquela noite, olhei para o céu encantada com seus segredos..


- Moça? - disse uma voz, me tirando dos meus pensamentos. - Ei, moça?
Olhei para o dono da voz.
- Sim...?
- Está perdida? Já é tarde, não é seguro para uma jovem ficar na rua sozinha a essa hora. - o desconhecido me encarou, com seus olhos castanhos. Ele estava sujo, sua roupa em farrapos. Era um sem-teto, já o vi andando pelo bairro. - Hãr-ram... - Pigarreou. - Moça?
Eu estava encarando ele sem dizer nada, percebi. - Precisa de alguma coisa?
- Obrigada, não precisa, moro aqui por perto mesmo. - O homem assentiu e foi embora. Então se virou de novo e disse:
- Feliz natal, moça! - abriu um sorriso e foi embora.
- Feliz natal... – respondi, baixinho.
Olhei para o céu uma última vez, fitei duas estrelas brilhantes, uma perto da outra...
- Feliz natal, mãe, pai. - e deixei uma única lágrima solitária escorrer pelo meu rosto.
Depois de alguns minutos, peguei meu celular e digitei uma mensagem para Isa.
“Isa, posso ir para sua casa? Aconteceu uma coisa, as coisas estão meio tensas lá em casa, não quero voltar lá hoje.”
Apertei enviar. A resposta veio em 1 minuto.
“Onde você está? Estou indo te buscar.”
Sorri diante da tela. Uma das coisas que eu mais amava nela, não fazia perguntas até que achasse necessário.