Perturba-me

dizer adeus nas circuntâncias


Jogada no chão do meu quarto, olhando para o teto enquanto o liquido espesso e quente escorria pelo meu braço, me pegava perguntando o porquê disso?! Qual o sentido da vida se fosse para viver dessa maneira?! Uma maneira doentia e nojenta, mas que diante de tanta dor estava substituindo e aliviando meu sofrimento interno. Aquele sangue que escorria era, não a metade, mas uma gota da dor que sentia diante da perda. E tudo que eu mais queria, era poder cavar o maior buraco que o mundo já viu entrar dentro dele, e tapar todas as possibilidades de fugir. Então, fechando os olhos por alguns segundos, eu poderia enfim ver novamente a despedida incompleta, a saudade destruidora, uma vida mal vivida. Deitada no chão frio, mais uma vez eu feria meu corpo. Deixando cicatrizes que marcariam minha vida para sempre pelo simples motivo de ser fraca.

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Orgulho? Meu pai não sentiria orgulho algum(...). Sempre me pergunto se quando eu morresse, iria para o inferno.

◘◘◘◘

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Voltando à consciência com brutalidade, ergui meu corpo de onde estava deitada, arfando ao abrir os olhos. Nesse movimento, senti minhas retinas queimarem, minha coluna berrava e minha cabeça latejava. Com uma pontada, senti que meu corpo ainda tremia levemente.

Não conseguia pensar coerentemente. Todos os meus temores haviam despertado e controlavam meus sentidos de tamanha forma. Mas, mesmo com toda minha fraqueza, consegui virar meu rosto para o lado e encontrar o homem que povoava em total minha mente.

Levantei meu corpo com no mínimo violência, sentindo minha visão completamente embaçada. Subitamente saltei da cama, mas fui impedida pelos braços fortes. A mesma imensidão negra que por tantos momentos reacendeu dentro de mim a faísca da vida, agora drenava qualquer resquício de sentimento ruim em meu peito. Aqueles olhos eram incapazes de revelar o que tanto almejei.

Inalcançável, inacessível, impassível.

Ao vê-lo suspirar aliviado em me ver acordada, -como se estivesse alheio a todos os problemas e ódio que eu sentia-, encarei-o com dureza, sem pestanejar.

—Tira a mão de mim! —Gritei.

Bellamy cortou contato visual, deixando sua mão em meu corpo escorregar, em meio a um cansado suspiro. Parecendo ter um enorme peso nas costas, levantou-se, passando a caminhar a passos lentos, deixando um grande espaço livre entre nós. Enfim, olhei ao redor, visualizando o quarto em que me encontrava.

—Onde estou? —Perguntei desesperada, tentando manter minha voz firme.

—Meu apartamento. —Ele respondeu rapidamente, ainda de costas para mim. —Fiz um curativo em sua testa.

Assim que ele terminou a frase não hesitei em colocar a mão em minha testa e sentir a protuberância do galo ardente. Sangue seco grudou em meus dedos. Imediatamente fui consumida por um calafrio inconsciente. Permanecer naquele quarto tornou-se atormentador, fazendo com que eu levantasse da cama com receio.

—Você quis isso... —Engasguei sem saber por onde começar. Eram tantas coisas que giravam em minha cabeça, tantas coisas entaladas em minha garganta, que eu não sabia o que despejar primeiro. Eu me sentia tão furiosa e indignada, mas ao mesmo tempo, vulnerável.

Bellamy passava as mãos pelo cabelo, quase como se estivesse em uma batalha interna. Até que finalmente, começou:

—Por que está fugindo de mim?

Ao ouvir sua pergunta, virei para ele; que me encarava com certa apreensão, -com a cara mais cinicamente surpresa que tinha-. Ele já sabia! É claro que ele já sabia! Então por que continuava com aquele jogo?

Todavia, se ele queria que fosse dessa maneira, quem era eu para retrucar. Dessa forma, foi com chamas saindo de meus olhos que me aproximei a passos ameaçadores dele, minha voz aumentando gradativamente a cada sílaba dita:

—Talvez Greta explique o porquê estou fugindo! Ela não é sua melhor amiga? Tenho certeza que te contou tudo, não é? Pelo menos sobre minha morte, disso você ficou sabendo há muito tempo!

Eu sabia que estava tomada por uma ira irracional. Deveria estar aterrorizada e agitada. Deveria estar fazendo todo o possível para fugir. A parte mais irracional de minha mente ainda não queria acreditar que ele me mataria, e, por mais que eu tentasse, não conseguia abafar esse pedacinho ilógico de confiança.

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Podia ver minha própria raiva, dor e confusão estampadas em suas íris. No entanto, naquele momento, eu não me encontrava nem um pouco empática. Eu não podia me deixar comover por suas palavras ou desculpas.

—Greta não é minha amiga! —Ele soltou num tom bruto.

Senti minhas pernas tremerem com sua intensidade, mas não desviei. Eu não fraquejaria, não naquele momento. E não seriam seus olhos que me fariam desistir.

Ficamos assim por vários segundos, desafiando-nos silenciosamente, sem dizer nada. Foi quando senti minha paciência escoar completamente.

—Você prometeu que nunca mentiria pra mim! Eu fui uma tola porque acreditei!

Ouvi uma voz dentro da minha cabeça. “Não menti”.

—Para! —Exclamei com uma explosão de lucidez. —Sai da minha mente!!!

“Esse maldito invadiu nossa cabeça!”

Eu me sentia anestesiada, meus dedos formigavam e a dor do meu pretexto acidente tornava a compreensão difícil. Uma lágrima traiçoeira criou caminho pela minha bochecha. Então num súbito lembrei-me da vez que estávamos no parque Dhelpic.

—Você esta fazendo aquilo de novo, não é? Confundindo minha cabeça.

—Sua mente sempre foi fácil de ser usada. É tão frágil...

—A Montanha-Russa! Você tentou me matar naquela noite, não foi? —Fechei os olhos, dividida sobre sua resposta.

Após isso, veio o silêncio. Nenhum dos dois ousou dizer uma única palavra, ou até mesmo respirar. Eu, nem mesmo de longe, havia tirado todo o peso que estava em meu coração com aquela pergunta. Reabrindo os olhos, olhei na direção dele, que permanecia observando minha expressão. Eu me encontrava apenas... Perdida. Queria incitá-lo a me esclarecer.

—Ponho palavras e imagens lá dentro, mas é você quem decide se acredita ou não. As imagens se sobrepõem à realidade, e você precisa decidir o que é real. Nenhum anjo invadiria sua privacidade, embora pudesse.

“Porque os outros anjos eram bons, e Bellamy não é! Assim como ela...” A voz, facilmente distinguível da minha consciência constatou novamente, causando uma pontada em meu peito.

—Coloquei na cabeça do professor Kane a ideia de mudar a disposição dos lugares no ultimo bimestre, pois precisava sentar do seu lado. Fiz você acreditar que tinha despencado da montanha-russa porque queria mata-la, mas não consegui ir adiante. Quase fiz isso, só que parei. Em vez disso, resolvi assustá-la. Então fiz com que você pensasse que seu celular estava sem bateria. Quando entrei em sua casa naquela noite, peguei a faca na cozinha com um objetivo... Tentei mata-la outra vez, mas, você me fez mudar de ideia.

As palavras reveladoras de Lexa não surtiram o mesmo efeito que ouvir da boca dele a verdade sobre suas intenções. Doeu ouvi-lo, respirei fundo e fechei minhas mãos em punhos. Então, tentando frear meu cérebro de realizar mais perguntas que eu obviamente não tinha as respostas, comecei a forçar mais uma vez minha memória já retalhada, tentando me lembrar das palavras ameaçadoras que iluminaram a pequena esfera no momento em que o vi pela primeira vez.

—Sempre fui o objeto do seu desejo, não importava o modo como finalizaria... Matando ou salvando. De qualquer forma, eu faria parte.

—Descartei a possibilidade de retornar como o anjo que fui. Gosto do mundo humano! —A voz dele se suavizou. —Com toda certeza a opção de salvá-la nunca esteve em minha lista, por mais que eu tenha fingido para Greta que voltaria. Mas, de algum jeito inexplicável eu sempre soube que ela não acreditava tanto assim em mim. Acho que ela provou o quanto discorda da minha escolha, no momento em que fingiu ser sua amiga. —Os olhos dele pareciam dois discos redondos. E eu ouvia o timbre distinto da magoa em seu tom de voz. —Meu único erro foi não ter percebido que era ela durante todo esse tempo... Ou ter enrolado pra acabar com algo tão simples.

—Você vai me matar. —Afirmei o que estava nítido em toda a sua colocação.

—É tentador. —O rosto dele nada dizia, mas os olhos ficaram mais frios.

—Então faça. —Soltei desafiadora, com um gosto amargo na boca.

—Se quisesse sua morte já teria feito isso.

A esse ponto, eu já me segurava para não chorar novamente. Mas que droga! Eu não era daquele jeito, não costumava chorar tanto, e ainda mais com tanta frequência. Só que era quase impossível me segurar. A dor se intensificara ainda mais. O que apenas piorava com o olhar de Bellamy sobre mim, fazendo com que eu quisesse me estapear duramente até o sofrimento ser aliviado.

—Perdi tudo que é importante para mim. —Ele continuou brando. —Cai na terra sabendo que não poderia voltar depois, mas não me importei porque tinha certeza que meu desejo por Victoria era além. Quando me dei conta, já estava preso sem minhas asas, infectado pelo pecado. Então passei a me odiar, e adorar a mortalidade.

—Você se arrepende de ter caído porque essa Victoria não pôde viver para sempre igual a ti? —Abaixei a cabeça envergonhada. Foi um erro ter perguntado... No entanto, eu já estava fodida. Monumentalmente fodida! Ciúmes disfarçados de curiosidade era o que me bastava.

—Eu escolhi esse caminho...

—Abismo?

—Não quero mais ser salvo, por ninguém.

Solto um riso nasalado e sinto o gosto amargo da dor em minha boca.

—Eu sentia falta delas, e quando Greta desceu e veio até mim com aquela proposta, não pude acreditar! —Bellamy me encarou. Suas orbitas estavam mais negras do que eu jamais vira. —Tive várias mulheres... Aquela da lanchonete em Portland foi uma das muitas. Não poder sentir me deixa transtornado, mas eu continuava desejando cada uma. Minha vida, se é que eu posso chamar de vida... Era repleta de momentos fúteis e inúteis, até o dia que eu vi uma garota saindo da escola. Ela parecia emburrada, e eu me diverti com isso. Observei ela entrar no carro e seguir até uma casa anormal, e continuei observando incansavelmente por muitos e muitos dias. Eu acabei tendo a experiência de vê-la perder o pai, de vê-la sofrer por momentos extremamente difíceis, talvez mais difíceis e dolorosos do que meus próprios momentos sombrios! Portanto, quando Greta citou o nome dessa mesma garota, algo em mim acendeu. Mas assim que pude chegar perto, e me matricular na mesma sala que ela, eu então vi.

Bellamy passou o polegar em minha marca de nascença. O toque era enganadoramente suave, o que tornava tudo ainda mais doloroso de suportar. Queria poder gritar o quanto me sentia quebrada por tudo, mas cada vez que eu abria a boca, nada saia.

—A única vez que visualizei aquela marca no pulso de alguém, foi quando obriguei o jovem duque de Langeais ajoelhar-se diante de mim. E então a marca estava lá novamente, exposta na garota que eu jurei salvar. Algo me ocorreu simultaneamente, algo óbvio, claro, límpido... A garota era da família do meu inimigo, o meu segundo maior erro: Chauncey. O bastardo, que eu até hoje tento matar, tinha filhos, e netos, e bisnetos, e tataranetos... Ele possui uma única descendente ainda viva, que estava ao meu alcance. Pronta para servir de sacrifício.

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“Chauncey está vivo? Como?”

—Não posso mata-lo porque nunca o encontrei, porém, seria mais fácil matar a descendente, conseguiria o mesmo feito, e tornar-me o que sempre quis. Foi por essa razão que entrei em sua vida.

—Lexa disse a verdade. —Sussurrei, enquanto meu coração palpitava.

—Tive todas as chances para concluir algo tão simples, algo que qualquer outro anjo caído faria sem mediar. E aqui estou eu, próximo o suficiente da garota, como sempre observando-a estagnado, admirando completamente incapaz de agir e machuca-la..

Seus olhos arregalaram ao dizer isso. Sua respiração saia entrecortada e suas mãos suavam em meus braços, segurando-me como se eu pudesse desaparecer a qualquer momento. Nunca havia o visto assim, o Blake não somente estava com duvidas, ele estava com medo.

Fiz uma pausa, depois de toda aquela informação. Tomando fôlego, precisava fazer aquilo, ou eu mesma desmoronaria. Tamanha era a tristeza contida em minha alma. Era quase cruel que aquilo estivesse acontecendo de novo, e que eu ainda fosse obrigada a piorar minha situação deplorável, mas sabia que eu não aguentaria ficar calada, ou minha miséria me consumiria.

Quando dou por mim, sinto lágrimas percorrendo o caminho de minhas bochechas e sumindo sob a gola da blusa.

—Além do vazio... Além do sofrimento que senti todas as vezes que uma lembrança retornava e se infiltrava a força em mim, além do luto que vesti como armadura... —Enxuguei outra lágrima que ousou escapulir. —Tive as piores sensações, meu sexto sentido indicava que o universo não estava equilibrado pra mim, e eu acreditei que era louca.

Minha visão embaçou-se... Não podia ser ele que vestira a máscara. Eu queria acreditar que era outra pessoa. Mas como podia? Bellamy havia dito com todas as letras, nada mais precisava ser revelado. Analisei sua expressão dura e intimidadora, a mágoa fez com que não conseguisse controlar o choro.

Foi quando explodi.

Joguei-me contra seu peito, mas ele não só balançou ligeiramente e não se moveu. Eu me contorci e comecei a bater nele com as mãos cerradas. Bati incessantemente enquanto soluçava aos prantos.

—Pensei que a culpa era minha! —Não conseguia parar de soca-lo. —Culpei minha mente, acreditei que todos os surtos e alucinações vinham da minha insanidade!!! Fiquei internada, tomei remédios desejando evitar que mais sangue escorresse de mim... E você deixou!! Você sabia!!

Golpeei seu peito até meus pulsos começaram a doer. Dessa forma, deixei-me apenas ceder à sobrecarga, caindo displicentemente sobre o chão, meus sentimentos voltando a se confundir, dessa vez a mágoa se sobressaindo.

Bellamy desceu, segurando-me, e deixando minha cabeça ancorar-se em seu colo. As lágrimas desabavam, e eu não conseguia cessa-las. As palavras dele pesaram terrivelmente meu coração. Peso este que pareceu se alastrar por todo meu corpo, fazendo com que todos os meus membros parecessem pesar toneladas.

—Mate-me, por favor. —Falei abalada. —Estou cansada.

—Não vou mata-la. —Nunca pensei que o ouviria dizer isso. Entretanto, aquela era a primeira vez que uma frase soou tão verdadeira.

—O que você sente por mim? —Levantei minha cabeça, secando as lágrimas, com meus olhos inchados.

Precisava fazer aquela pergunta. Precisava saber de uma vez por todas se cada anseio do meu coração seria reciproco.

—Eu... —A hesitação em sua fala tornou-se previsível. Bellamy não conseguia me encarar. —Jamais vou conseguir retribuir os mesmos sentimentos. Não posso te fazer feliz. —Sua voz foi um muxoxo.

—Tive pavor de você quando soube sobre seus segredos. Eu queria tanto descobrir, e agora... Dói. Pode parecer estupido, mas achei que conseguiria muda-lo. Que superaríamos o fato de você ser incomum, que seus amigos, sua irmã... Achei que faria parte de tudo isso.

—Greta me traiu, e agora você sabe a maldita verdade! Não preciso mais fingir, aliás, não sei porque ainda fingia. Eu sou tudo o que você adjetivou no dia que nos vimos pela primeira vez, talvez pior... Achei engraçado enganá-la, envolve-la, mas tem um momento que cansa brincar com alguém. Eu ganhei um brinquedo de presente quando lhe vi, só que o momento de acabar é esse! A única coisa que posso fazer por você é deixa-la respirando.

O Blake soltou aquilo com a maior crueldade que eu o vi demonstrar, a mesma crueldade que eu tratara Lexa, -mesmo tendo sido uma atitude indesejável, vinda de uma vontade maior, ou seria interior?-.

Houve dias que duvidei da minha razão. Houve dias que desconfiei de minha paixão. Houve dias que temi ama-lo. Houve dias que ri ao seu lado. Os olhos conflitantes do Blake seria o nosso definitivo fim. A nossa ultima página de superação.

—Se vou continuar respirando, quero que seja ao lado de quem me faz bem. —Disse, depois de soltar o ar que eu não tinha notado estar segurando.

—Acho que ambos sabíamos que seria assim. —Ele respondeu, parecendo estar fazendo um grande esforço para se conter.

Ficamos assim por alguns instantes. Bellamy olhava diretamente em meus olhos, parecendo transmitir uma intensidade que eu mesma correspondia, sustentando seu olhar. Porém, no final, ele apenas abaixou sua mão, enquanto soltava a minha. Estava ali, o Blake cansara de mim. Restava apenas o silencio em sua plena forma, esmagador e agonizante.

E é essa a parte que eu deveria chorar e ir correndo para o colo de minha mãe. Sabia que não faria isso; nunca tinha feito, por que agora? A tristeza me consumia e me deteriorava, mas era passageira. Porque as coisas passam; tanto boas quanto ruins. Aquilo passaria algum dia. Sempre passava.

Queria apagar os meus problemas e resolver a minha vida. Precisava fazer aquilo, mesmo tendo certeza que mais uma vez sairia machucada. Tinha que resolver situações pendentes, esquecer pessoas e seguir em frente. Começar do zero. Começar de novo. Então, sem prolongar a dor que sentia, levantei, dando as costas, e distanciando do que eu acreditei ser meu futuro.