Faca cega

Epílogo — cicatriz


Hawke puxou os lençóis mais para baixo, examinando a cintura do elfo sob a luz da manhã. Ele percorreu uma grossa cicatriz com o indicador, sentido a textura diferente.

— E essa aqui? — indagou, entoando a pergunta com curiosidade quase infantil.

— Lança. Tal-Vashot em Seheron. Boa mira. — Fenris bocejou e esfregou os olhos, ainda meio grogue de sono — Por que está me inspecionando, mesmo?

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Hawke o empurrou de leve, virando o corpo para cima, e deslizou a mão pelo abdome dele. O lyrium faiscou, mas Fenris já se acostumara com seu toque o suficiente para mal esboçar reação.

— Varric mostrou alguns capítulos das Crônicas do Campeão pra mim. Aparentemente, o grande Hawke precisa ser descrito com umas cicatrizes sinistras de batalha. Estou estudando possibilidades. — O mago indicou uma particularmente grande que varava a lateral do tórax, interrompida somente pelas linhas de lyrium ao longo das costelas de Fenris — E essa aqui?

— Wyvern. Tinha pouco veneno sobrando, mas suficiente para causar alucinações por horas. Arranquei o coração do maldito, depois. — Contorceu o rosto levemente, provavelmente lembrando da dor. Hawke assoviou, impressionado.

— Talvez Varric deva considerar um livro sobre você. Mais fácil que adaptar meus cortes de barbear para algo épico — brincou, enquanto seus dedos avançavam mais acima. Chegaram a uma marca irregular no ombro do elfo — Esta...

— Estava escondido com um bando de contrabandistas de lyrium em uma mina orlesiana. Longa história. — Fenris fechou os olhos; simplesmente lembrar do episódio parecia dava-lhe dor de cabeça — Nunca deva favores a um anão da Carta. Enfim, chevaliers sitiaram a mina e os contrabandistas colapsaram a entrada. Para fugir com a preciosa mercadoria, tiveram a ideia brilhante de explodir uma passagem para a Estradas Profundas.

Hawke franziu o cenho. Tinha uma estimativa nada otimista da direção que aquele roteiro tomaria.

— Alguns hurlocks brotaram do buraco que os magos abriram. Os bichos malditos têm espadas tão malfeitas que parecem serrotes, mas fazem um estrago na sua carne. — O queixo de Hawke caiu. Um ferimento causado por Darkspawn... era pura sorte Fenris estar no seu quarto em vez de morto numa vala qualquer.

— E simplesmente deixou o corte cicatrizar? Calçolas flamejantes de Andraste! Você poderia ter pego a Mácula, seu louco! — Agarrou o ombro do elfo, como se pudesse mandar um feitiço curativo ao passado — Nenhum desses magos entre os contrabandistas tinha competência pra lidar com uma espadada?

Fenris fulminou-o com um olhar desgostoso e Hawke revirou os olhos em resposta. Se ele viesse com a velha história de todos-os-magos-são-ladrões-de-pirulito...

— Uma apóstata se ofereceu para me “curar”. Mas eu vi a forma como me olhava desde a primeira vista. Só há uma coisa com que... contrabandistas de lyrium se importam — disse, no tom de quem cospe no chão. Hawke não pôde deixar de notar a pausa antes de “contrabandista”; era certo que a palavra intendida tinha menos sílabas e começava com “M” — Se ela usasse magia em mim, seria para me nocautear e extrair o...

— Mais ou menos assim? — O Campeão estalou os dedos e feixes de luz jorraram pelo ar, serpenteando sobre o elfo. As marcas de lyrium reluziram intensamente enquanto ele arqueava as costas com o estímulo repentino, seus nervos sobrecarregados. Hawke riu, apesar do ódio que os olhos verdes lhe dirigiam.

Aquele truque nunca ficaria velho.

— Já pensou na possibilidade de a moça só estar admirando sua beleza? Era o que eu fazia, e você também achava que era só ganância — Debruçou-se sobre o elfo, apreciando a sensação morna das marcas em alto relevo contra a própria pele. Hawke envolveu a forma esguia do amante com os braços e apertou-a, enquanto mordiscava a cicatriz do ombro simplesmente porque podia — De qualquer forma, prometo que nunca vou permitir que dê outra burrada dessas. Vou curar até unhas encravadas, você querendo ou não. Seu corpo será um templo!

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Kevesh — Fenris grunhiu, sem fôlego. Com o efeito do feitiço desvanecendo, ele conseguiu mover o braço e meter a mão na cara do mago, empurrando sua cabeça para trás — Pretende quebrar minhas costelas para ilustrar isso?

Hawke afrouxou seu aperto; não por causa dos protestos, que aprendera a ouvir como música ambiente ao longo dos anos, mas porque sua atenção fora desviada à mão pressionada contra seu rosto.

— E essas aqui, hm? — Puxou o pulso élfico um pouco para trás e analisou as cicatrizes na palma — Deixe-me adivinhar... combate desarmado com uma dragoa.

Fenris pôde sentir dor fantasma arder. A mente foi puxada ao passado, mergulhando numa época de mágoa e solidão, quando Danarius estava vivo e Hawke era um estranho. Vinho de Antiva no fundo da língua e sussurros ao longe.

— Foi quando... — Faltaram-lhe palavras; a frase permaneceu incompleta. Hawke franziu o cenho. O elfo desviara os olhos, distanciando-se algumas milhas com o pequeno gesto.

Xingou-se mentalmente, então. Que tipo de imbecil interroga um exescravo sobre cada cicatriz no corpo?

— Desculpa — murmurou sem jeito e apertou a mão de Fenris com a sua. — Eu não devia ter...

Antes que pudesse esboçar alguma reação, o Campeão viu-se jogado de costas contra a cama, Fenris se projetando sobre si. O elfo fixara seus braços ao colchão e o encarava intensamente.

— Foi quando eu fiz o juramento mais estúpido da minha vida — sussurrou, aproximando-se do rosto de Hawke. — E você me ajuda a quebrá-lo todos os dias. Obrigado por isso.

— De nada...? — Mesmo gostando do caminho que aquilo parecia seguir, estava um tanto confuso — Sinta-se livre para expli- uh.

A boca dele contra a sua não era nada esclarecedora, mas a curiosidade certamente poderia esperar um pouco. Libertando os braços, levou as mãos às costas de Fenris e dedilhou as marcas de lyrium, que faiscaram com sua magia.

Fenris sorriu enquanto um mago tocava-o com seus dedos podres.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.