Desajustadas

Semiabandonado


Thalia Grace podia matar o fabricante de seu IPod, e o motivo? O volume máximo não era alto o suficiente. Ela já havia colocado no máximo, uma musica com um solo de guitarra que por si só já era alto, e mesmo assim conseguia ouvir os berros de Hera, de Zeus e dos objetos sendo quebrados ao redor da briga.

Suspirou irritada e se revirou na cama, enfiado a cara no travesseiro e puxando a coberta até cobrir totalmente sua cabeça, tentou aumentar o volume nos fones, cantarolar, mas nada conseguia disfarçar o som irritante da briga.

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Ele já estavam discutindo a pelo menos 20 minutos e quebrando objetos há uns 5, Thalia imaginava que quando saísse do quarto pela manhã não haveria mais moveis pela casa, e sim, pela manhã, já que eram, no mínimo, 4 da manhã.

Para ser sincera, Thalia nem sabia o motivo da briga e das gritarias, ela estava dormindo e do nada Hera começou a berrar, mas pelos cálculos e pela experiência da menina com seu pai, possivelmente Zeus chegou de madruga, bêbado ou com marca de batom. Isso não era algo raro, seu pai podia ser um gomem sério e respeitável, mas quando se tratava de mulheres perdia totalmente a postura, era um mulherengo nojento, na humilde opinião de Thalia.

Irritada e soltando um leve bocejo, Thalia levantou-se da cama e tirou os fones, sentindo ainda mais a briga, revirou os olhos e seguiu ao banheiro, lavou o rosto e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo, ato extremamente raro já que Thalia vivia com os cabelos soltos. Voltou para o quarto escovando os dentes e pegou uma calça jeans preta, uma blusa preta também, com uma estampa de relâmpago, pegou sua jaqueta favorita e calçou as botas, enquanto enxaguava a boca.

Pegou seu maço de cigarros, seu IPod e um canivete que escondia em seu quarto (proteção nunca é demais) e foi até a janela de seu quarto, que ficava no segundo andar. A abriu e sentiu o delicioso e levemente frio ar da noite lhe balançar os cabelos e causar um leve arrepiou, soltou um pequeno sorriso e sentou-se sobre a borda da janela, colocando as pernas do lado de fora.

Alargou o sorriso e pulo, segurando-se em um galho de árvore logo em sua frente. Firmou as mãos e sentou-se sobre o galho, riu um pouco, adorava a adrenalina e a sensação de liberdade que tinha quando fugia desse jeito. Desceu com cuidado para não escorregar e cair, não por medo de que Hera ou Zeus escutassem (a briga e os berros encobririam qualquer barulho), mas por medo de se machucar.

Ao chegar a base da árvore viu um balaço antigo ali e sorriu nostálgica, ela lembrava do dia que ele foi construído, sua mãe, ela e seu irmão mais novo, que agora estudava em um internato de Roma, Jason, construíram juntos, durante as férias de verão. Esse balanço talvez fosse a única lembrança familiar boa que Thalia tivesse.

Acariciou as cordas já desgastadas e lembrou-se das vezes que sentou ali e chorou, era uma espécie de refugio, sempre que estava triste sentava-se ali e tentava lembrar-se das coisas boas que já passaram, era uma terapia para si.

Balançou a cabeça e saiu, deixando o balanço sozinho para trás, não era hora de ficar pensando no passado, esses momentos bons nunca voltariam, era hora de aceitar.

Apertou mais a jaqueta ao seu corpo enquanto andava pelas ruas extremamente iluminadas, maldito bairro de ricos que não aceitam que a noite seja escuro. Caminhou por minutos, sem se ater a caminho, apenas andava e fumava, em seu fone a melodia suave de Simple Plan lhe trazia melancolia.

Olhava em volta e percebia que havia várias pessoas na rua, o que era estranho para uma madrugada de quarta-feira, deu de ombros. Haviam crianças brincando, o que era meio estranho mas Thalia não se importava, haviam mulheres, homens, cada um perdidos em seus próprios pensamentos e em suas próprias razões, lidando com seus demônios das formas que podia.

Uns fumavam, como Thalia, outros bebiam, como sua mãe, alguns se cortavam, não comia, tomavam remédios, se afundam em tarefas que lhe ocupassem a mente, já outros se matavam, cada um lida com seus demônios a sua maneira.

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Passou por uma pracinha que lhe era familiar, brincará ali várias vezes quando criança, sorriu meio nostálgica enquanto se aproximava do balanço ali, já desgastado, velho e enferrujado. Nada seguro, pensou Thalia, e sorriu, sentando-se nele, sentindo o ranger lhe avisando que aquilo não era uma boa ideia, nem se importou.

Tirou seus fones e guardou o IPod, ouvir os sons da madrugada, o vento e as corujas, era mais interessante do que sua música. Pegou outro cigarro e o acendeu, tragando lentamente, aproveitando as boas sensações. Encostou a cabeça da corrente lateral do balanço e começou a cantarolar, bem baixinho, quase inaudível, a letra que tanto lhe trazia memórias.

'Cause we lost it all

Nothing lasts forever

I'm sorry

I can't be perfect

Now it's just too late

And we can't go back

I'm sorry

I can't be perfect

—Punk? –Ouviu a tão familiar voz de Luke lhe chamar ao fundo. Parou imediatamente de cantarolar e sentiu os músculos retrirem, estava imaginando coisas? Era 4 horas da madrugada de uma quarta feira, ela estava em um parquinho semiabandonado em um bairro isolado, o que Luke poderia estar fazendo ali?

Manteve-se em silêncio e não ouviu outro chamado, soltou a respiração que nem percebeu que tinha prendido e puxou mais uma vez o cigarro, desde quando imaginava coisas assim? A loucura de Hera era contagiosa?

Levou as mãos aos lábios e tirou o cigarro e antes que pudesse pô-lo de volta sentiu uma mão em seu ombro, e sem nem mesmo se virar, sua única reação possível foi soltar um pequeno berro.

—Punk, calma sou eu. –Luke disse, desesperado ao perceber que havia assustado Thalia.

—Meus deuses... –Thalia murmurou levando a mão ao peito, sentindo seu coração pulsando a uma velocidade absurda. –Você quase me matou, seu babaca.

—Não exagera. –Luke revirou os olhos, voltando ao seu bom humor habitual, e soltando uma gargalhada do drama da garota.

—Não estou exagerando, olha. –Thalia rebateu e pegou a mão de Luke levando-a ao seu peito esquerdo, para que ele sentisse seu coração, mas não foi exatamente isso que ele sentiu.

—Ah... sim... está bem rápido... é... desculpa. –Luke tirou a mão rapidamente e gaguejou a resposta, enquanto desviava o olhar e virava o rosto, que estava em um tom escarlate, ah, não façam essas caras, ele havia praticamente encostado nos seios de uma garota que conhecia a umas duas semanas no máximo.

—O que foi? –Thalia perguntou sem entender a reação dele, ainda estava meio retardada pelo sono.

—Hum, nada. –Respondeu e voltou ao encarar Thalia, desta vez com o rosto já em tom normal.

—O que está fazendo aqui? –Thalia perguntou para ele.

—Uou, quem tem o direito de fazer essa pergunta aqui sou eu. –Luke respondeu de prontidão, causando um arquear de sobrancelhas em Thalia.

—Por que? –Thalia cruzou os braços

—Porque são 4 horas da madrugada e você está num parquinho no balanço e está...-Luke começou e olhou o cigarro na mão de Thalia. –Fumando, que feio, Thalia, você não pode ficar fumando de madrugada em parquinhos abandonados por aí, seu pai não te ensinou isso não, menina?

—O que? –Thalia soltou uma risada e tragou o cigarro apenas para irritar Luke.

—Eu vou jogar esse câncer em bastão no chão. –Advertiu o garoto.

—Nem pensa nisso. –Thalia rebateu no mesmo tom. E nem adianta desviar do assunto, o que você está fazendo aqui?

—Eu moro aqui perto. –Luke deu de ombros e sentou-se no balanço ao lado do de Thalia. –Esse troço vai cair. –Se desesperou mas não levantou-se.

—Mora nada. –Thalia cortou.

—E você sabe onde eu moro por acaso? –Rebateu, dando de ombros.

—Não, mas com certeza não é aqui. –Thalia disse, olhando discretamente as casas em volta.

—E o que te faz pensar isso? –Luke interessou-se.

—Seu pai é dono de uma das maiores empresas do mundo, não moraria em um bairro tão humilde assim. –Thalia respondeu e apenas não tragou o cigarro pois sabia que a ameaça do garoto era real.

—Não gostamos de luxo. –Matinha o tom despreocupado e o sorriso sacana.

—Mas gostam de segurança. –Thalia sorriu. –Será que dá pra você parar de inventar desculpinhas e dizer logo o motivo de você estar aqui?

—Meu irmão mais novo saiu pra uma festa aqui perto e eu não confio muito nele, queria garantir a segurança dele. –Luke disse, sendo sincero.

—Sério isso? –Thalia não evitou o sorriso, Luke ficava fofo desse jeito preocupado.

—Sim. –Luke falou sério e logo sorriu. –E você o que está fazendo aqui, princesa Punk?

—Princesa? Meu querido, eu sou a rainha Punk. –Thalia disse empinando o nariz e fazendo uma pose, e logo riu, fazendo Luke gargalhar.

—Oh, desculpe, milady. –Reverenciou-se exageradamente, causando mais risos em Thalia. –Mas serio, o que você está fazendo aqui?

Thalia soltou um suspiro e apagou o cigarro, ato que surpreendeu Luke, ajeitou-se melhor no balanço e mirou o garoto.

—É um assunto meio complicado...

—Eu tenho todo o tempo do mundo. –Disse com um leve sorriso.

—O meu pai, ele não é, exatamente, o tipo fácil de lidar e a Hera também tem um gênio forte. –Falava com eufemismo, não queria dizer na lata que vivia um inferno de brigas e discussões.

—Ele estavam brigando? –Luke logo entendeu o que Thalia queria dizer.

—Sim. –Disse em um tom cortante, como se estivesse dando um fim a conversa, Luke entendeu isso e manteve-se em silencio.

O som agradável do silêncio não incomodava Thalia, não estava completamente silencioso como ela gostaria, ao fundo uma leve musica podia ser ouvida, provavelmente da festa que o irmão de Luke foi.

—Eu amo esse parque. –Luke quebrou o silencio.

—Eu também. –Thalia disse, “mas provavelmente meus motivos são diferentes do seus.”

—Ele me lembra a mim. –Luke disse, sem nem perguntar os motivos de Thalia, o tom baixo de Luke era como uma confidencia e Thalia se sentiu especial, era como se ele a estivesse entregando um segredo.

—Como assim? –Thalia não evitou perguntar.

—Olha em volta. –Luke disse e Thalia o fez. –Ele estava semiabandonado, exatamente como eu.

—Eu não te acho semiabandonado. –Thalia respondeu, de imediato.

—Esse é o problema, ninguém nunca acha. –Luke parecia triste e isso afetou a Thalia. –É como se eu estivesse sozinho.

—Eu estou aqui. –Thalia falou, quase sem pensar e isso fez Luke sorrir.

—Eu sei, é por isso que não estou completamente abandonado.

Thalia não sabia o que responder e Luke não continuou a conversa, os dois ficaram apenas ali, sentados, sentindo a brisa fria, a musica ao fundo e as respirações um do outro preenchendo o vazio.