O vento batendo contra o pescoço de Thalia, balançando seu cabelo, era confortável. Ela gostava de dias como aquele, quando o tempo estava frio. Sentia-se muito desconfortável no calor, por sua temperatura corporal alta, mesmo quando estava em sua forma humana.

Observava a rua do alto de uma árvore. Gostava de escalá-las e deitar-se em galhos largos, fazendo-os de sua cama. Além de ser mais seguro durante a noite, a altura lhe presenteava com uma leve brisa e ótima visão.

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Assistiu enquanto carros passavam, ou mães humanas com seus pequenos filhos barulhentos, um pouco sonolenta. Era fim de tarde e já havia caçado naquele dia, o que a deixava com o resto do dia livre para fazer o que quiser, e observar uma espécie tão curiosa quanto os humanos sempre fora sua maior diversão.

Sua paz foi tirada quando um garoto foi barrado por um cachorro raivoso. De onde estava, Thalia podia ouvir o rosnado do cachorro maravilhosamente bem, e sentia o cheiro do medo do humano. Por alguma razão, esse sentimento a angustiava. Já havia sentido o cheiro de medo antes, mas nunca sentiu que precisava protegê-los antes, não como naquela hora.

Pulou do galho que estava, se transformando durante a queda. Sabia que seu corpo de lobo era mais resistente, além de conseguir chegar até o local mais rápido. E sabia também que estava desobedecendo a sua mãe ao deixar que a vissem nessa forma, mas precisava proteger o humano, por alguma razão, ela sabia disso também.

O garoto sentiu mais medo ainda quando a viu, mas não ousou se movimentar. Thalia se colocou entre ele e o cachorro, rosnando o mais alto que podia para o animal. Por alguns segundos, se encararam, até que ele se virou, correndo para longe dali.

Olhou para o humano. Ele tinha os olhos arregalados e exalava tanto medo que ela teve vontade de rir. Se virou, entrando na outra parte da floresta correndo, e quando já estava longe se transformou em humana novamente, gargalhando alto ao se lembrar da expressão dele.

Aquilo definitivamente fora divertido.

~^~

Nico ainda respirava pesado quando voltou a andar. Quase fora atacado por um cachorro, então um lobo gigante apareceu de repente e o salvou. O tal lobo ainda olhou para si antes de ir embora. Seus olhos eram tão azuis que ele se impressionou, e o pelo de um cinza tão claro que quase parecia branco.

Era surreal e nem mesmo ele acreditava em si mesmo. Mas sabia que não era imaginação, sabia que o lobo era real, por mais louco que parecesse.

Para chegar à casa de Jason, ele precisaria pegar uma trilha no meio da floresta, mas isso o apavorava. Não sabia se no próximo encontro com o animal ele seria tão amigável. Só tinha uma solução: ligar para o amigo e pedir para que ele viesse lhe encontrar. Até mesmo porque ele às vezes pegava o caminho errado e ia parar em qualquer outro lugar que não seu destino.

— O que aconteceu? – O loiro perguntou quando chegou, alguns minutos depois. – Você parecia inquieto no telefone.

— Algo muito estranho! – Respondeu, seguindo o amigo pela trilha, e começou a contar o acontecido para o loiro. Por fim, riu. – Você deve estar me achando louco, não é?

— Não, não se preocupe! – Jason olhava para o lado, onde a mata se fechava. O loiro sabia quem havia salvado Nico, e sabia que ela estava por perto. – Há muitos lobos pela região, mas eles não costumam sair assim da floresta. Sabem que é perigoso.

— Eu ainda acho muito estranho! – O moreno comentou.

— Pode continuar sem mim? – O loiro perguntou. – Minha prima está vindo para cá, e eu preciso acompanha-la.

— Pensei que todos os membros da sua família morassem com você! – Comentou.

— Há uma parte deles que é mais afastada. – Jason sorriu e incentivou o amigo a continuar. Quando o moreno já estava longe, ele entrou na floresta, andando um pouco até encontrar Thalia. Ela estava em cima de um galho baixo, sentada em sua forma humana. – Você enlouqueceu? Sabe que não pode se mostrar assim para humanos, Thalia!

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— Eu sei, foi idiotice. – Ela suspirou. – Mas ele estava com tanto medo! E o cachorro ia realmente atacar! Eu não pensei direito!

— Poderia ter ido com sua forma humana! – Retrucou. – Você o salvaria do mesmo jeito, mas sem se expor! A sua sorte é que Nico é meu amigo, e daqui a pouco ele esquece isso!

— Se eu tivesse ido como humana não teria chego a tempo! – Pulou até onde o garoto estava. – Vamos logo, você disse que estava indo me buscar, não disse? Ele vai desconfiar se você demorar muito!

Jason resmungou algo, mas concordou com ela. Começaram a andar em silencio pela trilha.

— Jay, eu nunca senti isso antes. – Comentou. – Eu não sei o que deu em mim, eu só precisava salvá-lo!

Jason a olhou, procurando algum sinal de mentira. Sabia o quão boa a prima era em inventar desculpas, mas percebera, por seus olhos, que era verdade. Ela não estava tentando se desculpar, estava tentando entender, assim como ele.

— Eu já tinha visto outros humanos em perigo, ou sentindo o cheiro do medo deles. – Continuou. – Mas foi diferente! Me incomodava profundamente aquele medo, e não fazer nada parecia tão errado!

— Eu não vou contar para Lupa, está bem? – Perguntou. – Mas acho que deveríamos conversar com minha mãe sobre isso. Ela poderia te ajudar a entender, não?

— Não acha que ela contaria para a minha mãe? – A garota perguntou preocupada. – Se Lupa ficar sabendo disso, é capaz de ela me acorrentar em uma árvore!

Jason riu, pensando que era a verdade. A loba era conhecida por ser extremamente cuidadosa e protetora com seus filhotes, inclusive Thalia, que mesmo não tendo seu sangue era considerada sua filha, e era a mais problemática dos cinco.

— Se pedirmos com jeitinho ela não fala nada! – Sorriu para acalmar a prima.

Jason abriu a porta de vidro da grande casa onde sua alcateia morava. Os lobisomens costumavam viver em um grupo grande, onde, seguindo o raciocínio dos humanos, seria uma família grande com pais, tios, avôs, irmãos e primos, além viverem por muito tempo, quando não por uma vida inteira, no mesmo lugar, muitas vezes, como aquele caso, convivendo com os lobos.

Thalia não morava com eles, mas ia lá de vez em quando, principalmente em dias frios em que ela não podia assumir sua forma de lobo, e já era até mesmo considerada da família. Por isso, quando entrou e sentiu um cheiro diferente, se surpreendeu.

Era algo adocicado, como uma flor, mas tinha um toque cítrico, além de ser forte o suficiente para tampar o cheiro de todos os lobisomens que viviam na casa. Ela o achou incrivelmente bom, como um fim de tarde com sua alcateia.

— Ah, vocês chegaram! – Percy, outro lobisomen e verdadeiro primo de Jason, andou até a separação da sala e da cozinha. – Estávamos ficando preocupados, já!

Nico veio logo atrás dele e o cheiro se intensificou. Thalia o encarou por alguns segundos, pensando no quão bom o cheiro de um humano poderia ser. Quando o salvou, estava concentrada demais em seu medo para reparar no cheiro que ele exalava.

O garoto a encarou de volta, examinando-a. Nico viu seus olhos, grandes e azuis, e achou-os muito parecidos com os olhos do lobo de alguns minutos. Estranhou pois, nunca em sua vida inteira, havia visto um azul tão intenso em um olho, e encontrara dois iguais no mesmo dia.

— Ah, Lia, esse aqui é um amigo nosso, Nico! – Jason sorriu, fingindo que Thalia não sabia quem era. – Nico, essa é minha prima, Thalia.

Ele a encarou por alguns segundos a mais. Havia algo extremamente selvagem na garota, como se ela fosse algum tipo de animal, e isso o encantava. Por fim, abriu um grande sorriso.

— Muito prazer!

~^~

— Você sentiu que precisava protegê-lo? – Hera perguntou. Jason e Thalia contaram à ela o que havia acontecido, aproveitando que Nico estava distraído com Percy, falavam sobre o próximo jogo de basquete que teria na escola deles e de como estavam animados, pois eram do time e parecia que o adversário era forte (Thalia teve de perguntar baixinho para Jason o que era basquete). – Como foi?

— Eu não sei explicar direito. – Thalia buscou em sua mente o que havia acontecido, como tinha se sentido. – Ele estava lá, do outro lado da rua, e eu senti seu medo. Era como se fosse meu próprio medo e isso me deixou em alerta. Eu sabia que o cachorro ia atacar, por isso corri até lá. Se eu estivesse nessa forma não teria sido rápida o suficiente.

Hera suspirou, pensando um pouco, antes de começar a falar:

— Eu ouvi falar que há muito tempo existia uma espécie diferente de lobisomens. – Olhou para a sobrinha postiça. – Eram chamados de Custodes, Os Guardiões, em Latim. Eles nasciam para proteger os ligados a eles, como os ligados por sangue. Eram quem cuidava e liderava todas as alcateias de lobisomens do mundo, e podiam se conectar com vidas passadas e futuras.

— O que aconteceu com eles? – Jason perguntou curioso.

— Foram exterminados por uma alcateia de lobos negros. – Explicou. Ambos sabiam que os chamados lobos negros não eram necessariamente aqueles que tinham seus pelos de cor escura, mas sim os que tinham olhos escuros ou vermelhos, o que significava que não eram puros. – Mas eles eram muito misteriosos, alguns sábios dizem que suas gerações continuam até hoje.

— Acha que isso pode ser verdade? – O loiro perguntou novamente. – Que Thalia pode ser uma custode?

— É provável que sim. – Respondeu. – Lupa te encontrou na floresta, não sabemos de onde você realmente é. Mas se isso for verdade, não deixe que ninguém além de nós saiba, porque se chegar aos ouvidos dos superiores eles virão atrás de você, seja para mata-la ou te sequestrar para usar seus poderes!

— Isso é loucura, eu não posso ser de uma espécie extinta! – Acabou falando alto demais e chamando a atenção de Nico e Percy, mas o lobisomen percebeu que havia alguma coisa errada e continuou entretendo o humano. – Além disso, você falou que eles só protegem os ligados por sangue, e Nico nem ao menos é um lobisomen!

— Custodes tem ligação com outras vidas, Thalia! – Hera sussurrava alto. – Vocês dois podem estar ligados pelo passado. Além disso, eles eram realmente poderosos, não poderiam ser extintos assim de uma hora para a outra!

— Eu preciso pensar sobre isso! – A garota respirava pesado. – Vou lá fora pegar um pouco de ar!

E saiu da casa, andando até uma árvore que havia em frente ao lugar, com visão para a estrada não muito movimentada. Se certificou que nenhum carro passava, ou que Nico não estava olhando pelas grandes janelas de vidro, e se transformou em lobo, se afastando alguns centímetros para pegar impulso e pular até o galho mais baixo.

Transformou-se novamente em humana, sabia que seria muito estranho um lobo em cima de uma árvore na frente de uma casa, e deitou-se preguiçosa, sua cabeça negando-se a acreditar que era uma custode.

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Alguns minutos se passaram com o vento batendo em seu rosto quando ela sentiu o mesmo cheiro maravilhoso que sentira quando entrara na casa, seguido do som de passos. Sabia que Nico estava se aproximando, mas fingiu que não tinha percebido sua presença até que ele entrou em seu campo de visão.

— Jason me falou que você está com um problema de família. – Sentou-se na base da árvore, sem olhar para ela. – Dizem que compartilhar ajuda.

Thalia ficou em silêncio por algum tempo, sem saber direito o que falar. Estava mais confusa do que nunca, e fingir que seu lado “sobrenatural” não existia com certeza não iria ajudar em nada. Nico suspirou antes de voltar a falar:

— Tudo bem, então falar sobre isso não ajuda. – Suspirou. – Vamos mudar de assunto, então. Esse tempo está gostoso, não está? Eu gosto do outono, e você?

Thalia abaixou sua cabeça para observá-lo. Ele olhava para frente, para a estrada, mas parecia atento a todo movimento que ela fazia. Apoiou sua cabeça novamente no tronco da árvore.

— Eu acho que não sou o que pensava. – Começou a falar sobre seu “problema de família”. Nico olhou para cima, surpreso. – Todos esses anos eu sempre soube que era diferente, mas eu achava que é só porque não sou realmente dessa família.

— O que quer dizer com isso? – Perguntou curioso. Thalia fechou os olhos antes de responder:

— Bem, eu nunca conheci meus pais. – Suspirou. – De qualquer forma, não é por essa razão que sou diferente.

— Não ser igual os outros quer dizer que você é especial. – Thalia olhou novamente para baixo, para o garoto que também a olhava e tinha um pequeno sorriso no rosto. – Quer dizer que você não nasceu para ser apenas o que eles são, nasceu para ser algo maior.

Thalia abriu um pequeno sorriso pelas palavras que ele dizia. Mesmo que, muito provavelmente, ele não estivesse realmente entendendo o que estava acontecendo, o que ele falou teve mais impacto do que qualquer outra pessoa falaria.

— Eu gosto do outono também. – Respondeu, fazendo-o rir.