DeBrassio

Capítulo 12 - Antes - Parte 1


Não dá para ir à escola hoje. Gwen não pode saber que estou em casa, tenho que fazer com que a porta pareça trancada até que passe o horário de ir. Eu posso chamar um chaveiro pelo celular e pagar com cartão de crédito. Confiro mais uma vez na minha mochila e sim, aqui está ele. Para emergências, ela disse. Ela não pode brava. Não mesmo, você não ficará brava. Não tem esse direito. Levou nossa comida e deixou um homem no porão. Morto. Tenho certeza de que ele está morto. Levanto e espio pelo vidro da porta, de jeito nenhum Gwen pode abrir essa porta. Ela não entenderia, eu ainda não entendi.

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Subi as escadas do porão quando tive certeza de que ele não correria atrás de mim. O que seria de mim caso ele conseguisse. Eu fritei um cara por quase dez minutos até ter coragem desligar. A chave de energia, eu pensei, desligue a chave de energia. Foi um pouco difícil encontrar porque perdi tempo procurando no lugar errado. Entretanto, não faz muita diferença agora. A morte me devorou silenciosamente enquanto eu deslizava pela escada do porão. Com a lanterna do celular em uma mão clareando o caminho e a panela na outra, eu me esgueirei até cadáver do homem que queria me matar. Talvez eu seja uma pessoa de sorte, penso ao ver Gwen trancar a porta da frente e entrar no carro de Seth. Ela coloca Abraham, no assento de segurança que o obrigará ficar quieto o caminho todo. É um dia bom, eu poderia ir pra escola. Mas tenho que deixar que Gwen entregue o nosso trabalho de literatura sozinha. É uma pena, seu olhar preocupado encara a casa e tenho a breve sensação de que possa me ver. Então eles vão, e é preciso esperar quase dois minutos para ter certeza de que não me virão atravessar a rua.

Eu não tenho relógio, mas conto devagar até cento e vinte; é mais para me acalmar, Seth não demoraria tanto a virar a esquina. Não deixar que o desespero domine é necessário, acho que vou precisar.
Está um pouco frio do lado de fora, mas consigo ser rápida. Destranco a porta com a chave que fica escondida numa rachadura do assoalho. Em outra ocasião eu riria de como alguém do exercito pode ser tão desleixados com a segurança, mas não dá; e em outra situação eu não precisaria invadir a casa dos Whalen. Mas não é invasão, só que eu não seria ouvida desse jeito. Ignorando toda a moral que eu deveria ter, subo as escadas correndo. Alexandra não está aqui para dizer que não é seguro correr nas escadas, o que é bom. Tenho certeza de que ela não iria gostar de me ver matando aula para entrar na sua casa escondida. Talvez eu esteja invadindo de verdade, e talvez haja câmeras para registrar esse momento. Afasto esse pensamento porque é o que eu tenho que fazer, já que me encontro parada no meio do corredor olhando para o nada. A mãe da Gwen não vai ficar muito feliz quando descobri o que eu fiz; vai chamar a polícia e eu vou ser presa, tendo que explicar o sumiço da minha mãe e Shawn prestará queixa contra mim por tê-lo acertado na panela. E tudo isso eu não saberia explicar e ninguém vai acreditar em mim quando eu disser que eu só acordei de manhã e tudo já estava de cabeça para baixo. Eu não terei um álibi como um passeio numa praia de sal na companhia de alguém — até porque qualquer um que faça um passeio antes da sete da manhã pode ser considerado suspeito. Não vão acreditar que eu sou a única vítima aqui.

Abro a porta no fim do corredor e entro no quarto escuro. Tem cheiro de coisa guardada há muito tempo, suor e de Old Spice. Um lugar que eu não entro há quase cinco anos, eu poderia chutar. Ouço sua respiração e sei que está dormindo e que se não houver nenhuma interferência continuará na inércia até às nove. Fecho a porta atrás de mim, tomando certo cuidado para não bater de vez. Tateando o lençol de algodão me aproximo devagar da cabeceira. Sua respiração é tranquila e parece não se importar em chegar à aula depois do horário. E eu tenho que usar para me ajudar de alguma forma. Me ajoelho aos pés da cama e ligo o abajur ao lado; a luz avermelhada expõe um rosto sossegado, os cílios escuros bem fechados sobre a pele cor de oliva ainda não foram afetados pela minha presença. Eu poderia deitar ali do lado e dormir também.

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— Ricky, acorda! — Sussurro deslizando os dedos pelos seus cabelos escorregadios, mas não consigo acorda-lo. O medo tenta me arrastar para debaixo da cama, mas o chamo mais uma vez; ele acorda e deixo escapar um suspiro aliviado.
Ricky não parece zangado, ele se senta apoiando as costas na cabeceira. Ele sorri, mas não fala nada. O desgraçado sabe o motivo, e não está entendendo que tudo isso é sério. Eu também não posso começar a chorar agora. Não dá tempo agora, logo vão conseguir sentir o cheiro do lado de fora. Mantenho-me distante, ainda ajoelhada no tapete que faz meu nariz coçar.

— Eu sabia que voc...

— Tem um morto na minha casa, Ricky — interrompo-o — e você não pode chamar a polícia porque não vão acreditar em mim. Mas eu não tive culpa. Ele... Ele tinha uma arma e agora tá todo queimado no chão do porão.

É assim que a represa se rompe, deixando que enxurrada de choro destrua o que há pelo caminho; afogando-me nas minhas próprias águas salgadas. Ricky me pega pelos ombros e me faz sentar ao seu lado na sua cama desarrumada. Não consigo respirar nem enxergar nada.
— Eu não tive culpa, Ricky, ele ia atirar em...
— Tudo bem, Erin. Tá tudo bem — sua voz rouca quer me abraçar, e eu não posso me afastar