Perdida em Crepúsculo: além do sonho.

De uma natureza diferente.


Jacob PDV

"Pensei que você tinha crescido,
Que você continuaria,
Mas agora que fui embora
O outro teria sido melhor?
Você costumava ser igual a mim
E tudo o que aconteceu, foi tudo à toa?
Você é forte quando está com ele?
Esse que colocou você acima de nós.
Penso em nosso amor,
Vou deixá-lo passar,
Ele parece fogo, mas não durará.
O que é que está por vir?
Estou sem vontade de ir...
Você perdeu, ninguém ganhou."

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My Twin - Katatonia

~*~

Fazia uma semana desde que Aneliese e eu havíamos nos falado pela última vez. Não era como se estivesse contando os dias, mas... A quem eu queria enganar? Eu contava. Cada minuto, cada hora. Eu sentia falta dela, eu era mesmo um imbecil.

As coisas haviam acontecido daquele jeito estranho, inesperado, quando você realmente é pego desprevenido, por mais que desconfiasse que ultimamente ela andava diferente, de um dia para o outro simplesmente não nos encontrarmos mais fora bastante brusco. Mas eu sabia desde o princípio que este momento chegaria, não era alheio ao que se passava ao meu redor, na realidade era mais o contrário, de certa forma eu me tornara obcecado pelo que acontecia a ela, somente agora podia enxergar meus sentimentos com clareza, havia estado fora de mim, mas procurava atenuar minha culpa justificando a mim mesmo que era assim que se agia quando verdadeiramente se gostava de alguém.

E Liese havia sido a única garota capaz de despertar aquelas emoções em mim.

Não havia dúvidas: eu sentia falta dela.

O fato de estar ocupado com uma de minhas rondas habituais tinha seus prós e contras; quando estava em movimento, seguindo algum rastro ou pista eu podia me concentrar no trabalho, contudo quando tirava alguns momentos de pausa, meu cérebro era infalível em me fazer lembrar justamente daquilo que tentava esquecer.

Eu não havia conversado com ninguém sobre o assunto, não achava algo fácil de se pôr em uma conversa, mas estava em desvantagem por fazer parte da alcateia, quando querendo ou não acabávamos por compartilhar os pensamentos uns dos outros, então era óbvio que todos já sabiam o que havia acontecido. Apesar de tudo, eu mesmo só fui me dar conta de que se tratava de um ‘término’ quando ouvi a palavra ser repetida nas mentes dos outros. Dali em diante, todo o esforço que dispensei em procurar esquecer parecia automaticamente ter o efeito inverso e a cada dia que se passou Aneliese esteve presente, apesar de sua ausência física.

Às vezes me perguntava porque não acabava de uma vez com isso e ia vê-la, pois me sentia covarde e imaturo me mantendo distante, mas não era como se fosse um tópico assim tão fácil de resolver.

Naquele dia em que nos encontramos na praia, eu estava exausto. Havia passado quase um dia inteiro ocupado com a ronda, pois Sam havia sentido a presença de sanguessugas forasteiros nos arredores da cidade, sabíamos que não se tratavam dos Cullen, pois seu cheiro havia se tornado familiar...

Então o que aconteceu com Liese acabou por ser consequência de minha falta de sono e também de minha intolerância. Eu havia chegado ao limite e ironicamente escolhera a pior hora para fazê-lo, pois daquele momento em diante não tivera mais como deixar o serviço de lado, todos nós trabalhávamos em dobro, dispensando atenção dupla a quaisquer possíveis ameaças. Não havia dúvidas de que Sam estivera certo, pois as evidências se tornaram mais visíveis depois do momento inicial, nós tínhamos um alvo, mas ele era rápido e eficaz em fugir.

Se ao menos soubéssemos o que esta criatura estava procurando, até o momento a única certeza que tínhamos era de que se tratava de uma fêmea. Estivera brincando conosco, surgindo de forma aleatória, sem parecer criar um padrão. Efetivamente era difícil acertar a hora em que ela iria retornar, todavia do início da semana para cá suas aparições se tornaram mais esporádicas e apenas umas duas vezes mais ela esteve presente. Ainda assim nossa vigilância era constante, não podíamos arriscar sequer uma só vida, já seria perda demais.

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Então por causa do tempo escasso, eu me mantinha distante, mas nem mesmo eu conseguia fingir que se tratava apenas de falta de tempo.

Devia ser por volta das duas horas da tarde e eu fazia o percurso que compreendia a periferia, a divisa era o local de maior atenção, pois era distante do centro e era onde o território de Forks terminava, consequentemente o perímetro que tínhamos por obrigação proteger, sempre que um sanguessuga atravessava esta linha, o perigo se tornava iminente. Hoje, todavia, não havia sequer sinal de movimento, afora os animais da floresta.

Como estivera correndo de forma ininterrupta pelas últimas horas achei melhor descansar, Sam costumava ser rígido quanto a isto, para ele era inconsequência nos exaurirmos, pois deste modo o inimigo teria clara vantagem em um confronto.

Encontrei um espaço grande o suficiente para me deitar e esticar as pernas e não perdi tempo, imediatamente meu corpo agradeceu pelo descanso.

Uma baforada saiu da bocarra, naquilo que devia ser um suspiro quando as primeiras imagens de Aneliese tornaram a inundar minha mente, já era esperado que isto acontecesse, eu não estava surpreso, era o primeiro por ansiar ver seu rosto, ainda que fosse desta maneira.

Incontáveis vezes eu pensara em ir visita-la, mas não fora. Não fora, pois além da dificuldade que encontrava em ficar longe da alcateia, por mais que desejasse, por mais que quisesse muito encontra-la, meu orgulho não permitia. Liese viera me ver apenas para dizer que tinha mudado de opinião, que tinha pensado melhor e enfim se dado conta de que não havia esquecido aquele maldito sanguessuga! Eu sabia quais seriam as palavras que sairiam de sua boca se por acaso tivéssemos chegado a continuar aquela conversa, no fim consegui encontrar um pouco de dignidade por ao menos não ter lhe dado chance de se expressar.

Covarde.

Um grunhido baixo se formou em meu peito quando desaprovei minha própria linha de raciocínio e minha consciência que insistia em me reprovar, em resposta ao movimento alto e inesperado um esquilo saiu de seu esconderijo no tronco oco de uma árvore e disparou até em cima, se enfiando em outro buraco, desta vez tão mínimo que cheguei a pensar que ele sequer fosse caber.

Então eu era covarde...

Covarde e inconsequente. Você quebrou sua promessa, você também a machucou.

Desta vez o urro foi tão audível que espantou um grupo de pássaros que povoava as copas dos pinheiros mais próximos. Meu mau-humor já era esperado, mas também infundado, estava sendo infantil em bater de frente com meu próprio subconsciente, ainda mais quando tinha de reconhecer que ele não errara em me censurar.

Eu não podia ver Aneliese, não somente por falta de tempo, ou por ciúmes, mesmo por orgulho ferido. Eu não podia vê-la, pois havia perdido este direito.

Pronto, eu havia novamente tido o mesmo diálogo interno e chegado à mesma resposta, era sempre assim, no fim eu percebia que não tinha saída, senão continuar devaneando sobre a presença daquela garota.

A voz inconveniente de Leah ecoou em meus pensamentos, me recordando uma conversa que havíamos tido há alguns dias, seria algo que eu evitaria com prazer, mas não tinha mais escolha, pois ela agora integrava nosso bando. Leah tinha se tornado muito diferente desde a morte do pai, ela sempre fora retraída, mas seu comportamento ficou rebelde, quase depressivo. Na época, Sue havia chegado a desconfiar que ela cogitasse tirar a própria vida, mas a angústia acabou por significar uma coisa diferente, e poucos dias depois Leah se transformou em um de nós; sua mãe passou a ocupar o lugar que antes era de Harry no conselho da aldeia, o que a ajudou a encontrar apoio para lidar com a nova realidade que sua filha encarava, quando Seth também passou pela transformação, Sue já estava preparada para enfrentar as consequências.

Ao fim, Seth apesar da pouca idade, se mostrava incrivelmente mais fácil de lidar que sua irmã. Leah passara do luto para a carência, o fato era que ela e Sam haviam tido uma história, tinham sido namorados há algum tempo, mas ele a trocara por Emily no primeiro momento em que a vira. Sam havia sofrido aquilo que nós lobos conhecemos como imprinting, uma ligação tão forte e profunda que transpassava quaisquer laços entre os humanos.

Então à Leah sobrara o papel de irritar aos demais com seus pensamentos melancólicos e repetitivos e ela parecia gostar especialmente de me provocar.

“Liese também lhe trocou por outro? Sei bem como é isso. Não adianta Jacob, nisto nós dois somos iguais, eles têm uma ligação que não conhecemos ou entendemos, nós não somos nada, nós sempre iremos ser a segunda opção.”

Eu havia procurado enterrar seus dizeres, mas era difícil, pois no fundo concordava com o que dizia, jamais compreendera o que havia feito Aneliese se envolver justamente com um vampiro, quando havia me dado conta de que criatura ele era, os dois já estavam em um relacionamento, nunca fui capaz de interpretar como tudo se desenrolara. Mas havia algo ali. Algo forte o suficiente para ao fim ter separado ela de mim.

Costumava ser um rapaz de poucas emoções, costumava sentir raiva ou alegria, mas tudo ao seu tempo, agora, entretanto, havia um misto de reações, eu estava saturado de me sentir tão confuso. Eu também sentia ódio, muito ódio por aquele maldito sanguessuga ter retornado, Liese e eu já estávamos juntos, seria uma questão de tempo até que conseguisse fazê-la superar seu antigo relacionamento. E eu faria isto, ainda que tivesse de ir vê-la todos os dias para fazê-la se lembrar de que comigo as coisas seriam diferentes, comigo tudo seria natural.

Era estúpido por sequer ter sonhado com um futuro ao lado dela, talvez devesse ter sido mais claro quanto ao que sentia, eu não me imaginava com mais ninguém, Aneliese para mim era única, eu me sentia bem em pensar em nós dois juntos até o fim de nossas vidas. Mas eu tinha interpretado mal seus sentimentos, havia visto mais do que existia na realidade, eu desejara que existisse mais...

Se ao menos tivesse tido mais tempo!

Mesmo os poucos minutos que passara repousando haviam feito toda a diferença quando enfim me reergui e retomei meu percurso, eu aprendera a ser forte, aprendera a atingir meus limites e superá-los, quando humano podia me ocupar em dar desculpas, mas na forma de lobo tinha sempre de me entregar completamente, minha energia e velocidade eram incomparáveis, mas além delas eu precisava me esforçar, meu inimigo podia ser letal, então nada mais era brincadeira.

Sem poder adiar recomecei a correr, logo cobrindo metros e mais metros de distância.

Ao que parecia, eu era o único que não conseguia lidar bem com a separação, Sam e os demais não haviam escondido seu alívio quando perceberam que eu não mais namorava Aneliese, nunca fora segredo que para eles ela representava perigo, seu preconceito os havia feito julgar sem sequer conhece-la e as impressões iniciais haviam se mantido. Somente Embry - que antes de tudo era meu amigo - conseguia se mostrar razoável e Seth parecia concordar com qualquer coisa que eu dissesse, além do que ele jamais demonstrara qualquer pensamento de aversão a ela.

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Um fim de tarde em um sábado era sempre um fim de tarde em um sábado. Apesar da notável diferença entre minha vida de antes e a de agora, a monotonia conseguia ser a mesma, em outra ocasião provavelmente estaria na velha garagem revirando algumas peças, consertando qualquer coisa que encontrasse pelo caminho, disposto a fugir do tédio. Neste instante, porém, eu corria pela floresta com um único objetivo em mente, o único que eu sabia que seria capaz de me livrar do marasmo.

No novo esquema de defesa, o alfa fazia uso do número favorável de integrantes de nosso grupo nos posicionando em pontos estratégicos, cada um era responsável por cobrir uma área e nos mantínhamos tão longe uns dos outros que sequer podíamos compartilhar nossos pensamentos. Foi dessa brecha que fiz uso para cruzar a floresta em direção à casa de Aneliese.

Mais cedo sequer esperaria por uma atitude assim, mas estava exausto de apenas imaginar como ela estaria, quando tinha certeza apenas de que meus esforços em mantê-la segura seriam suficientes. Tinha por obrigação proteger todas as vidas ao redor, mas a dela sem dúvidas era uma das que mais prezava.

Não escolhera este momento por acaso, o dia se mostrara relativamente quieto, sem quaisquer acontecimentos, eu podia tirar alguns minutos de pausa, minha sanidade também pedia por isto.

Como já escurecia, imaginei que ela fosse estar em casa, me lembrava de que nestes dias seu turno de trabalho terminava mais cedo; na velocidade em que seguia, consegui alcançar o distrito em curto prazo, contudo quando me aproximei o suficiente para poder ver sua casa, tive de diminuir o passo. Semicerrei os olhos um instante enquanto perscrutava o terreno ao redor, um dos vizinhos de Liese lavava o carro e isto me obrigou a parar onde estava e encontrar um lugar em que pudesse permanecer e esperar.

Cerca de quarenta minutos seguiram enquanto o homem se ocupava encerando o veículo, o fim de tarde se arrastou desconfortavelmente, de onde estava não podia ver Liese, mas podia ouvir seus movimentos dentro da casa, contudo ela mal se manifestava, imaginei que estivesse estudando, explicaria a quietude.

Ao menos não captara o menor resquício do cheiro de sanguessugas, ao que parecia, o tal Edward não era presente na vida dela, eu me recordava bem de que no dia do baile estivera lá com outra garota. Pelo menos ele usava o cérebro, eu fora verdadeiro em minha ameaça caso ele tornasse a se aproximar dela e ao final o resultado fora favorável.

Quando enfim a noite caiu sobre a cidade, o local ficou deserto e encontrei o momento que viera esperando para me aproximar, não podia arriscar me descuidar, nós tínhamos por dever nos manter ocultos, ainda mais quando há poucos dias havíamos sido vistos...

Fora Paul. Sempre era Paul com seu comportamento desregrado. Naquela última vez em que sentimos a presença do inimigo iniciamos uma perseguição e na pressa ele não mediu seus passos e foi parar na rodovia, consequentemente no exato momento em que uma garota e sua mãe passavam por ali de carro. Sem dúvidas, elas haviam levado o susto de suas vidas, mas ao final apesar dos temores não se ouviu nenhum boato preocupante, ainda assim tínhamos recebido ordens de tomar ainda mais cuidado, principalmente quando estávamos próximos à presença de humanos.

O habitual espaço que ocupava em frente à janela do quarto permanecia igual, era uma clareira mínima, mas suficiente para que eu pudesse ficar à vontade. Prestei devida atenção aos movimentos dentro da pequena residência e notei que a única ocupante da casa estava no banho, pretendendo lhe dar a devida privacidade desviei o olhar e me concentrei em observar ao redor, distraído com os ruídos que vinham das casas vizinhas.

Para um final de semana sem chuva, o local estava curiosamente vazio, as pessoas deviam ocupar melhor suas vidas, procurar não permanecer escondidas por detrás daquelas paredes. Sabia o que eu estaria fazendo agora se pudesse, se tivesse liberdade, meu pensamento foi parar em minha motocicleta guardada dentro da garagem em minha casa e só o que pude fazer foi ansiar pilotá-la.

Mas os humanos viam as coisas por um panorama diferente, eles mais se preocupavam do que divertiam.

Bem, talvez não seja exagero da parte deles.

Afinal, eu mais do que ninguém sabia dos perigos que este mundo oferecia. Além do mais, nesta mesma semana havia acontecido um desaparecimento, o paradeiro do garoto permanecia desconhecido, mas a alcateia sabia perfeitamente de quem desconfiar. Teríamos sido os únicos a encontrar associação entre os fatos? O menino sumiu no exato dia em que aquela sanguessuga estivera em nosso território. Não esperava que os hipócritas Cullen sequer se preocupassem com o evento, mas talvez Liese?

Ela era esperta e conhecia este universo mórbido. Talvez tivesse se dado conta das evidências, eu apostava que sim, mas isto não fazia diferença, fazia? A quem ela recorreria?

Soltei um baixo grunhido em desaprovação. Devia ter vindo vê-la antes, não agira bem me mantendo distante, só agora notava que ela talvez tivesse precisado de mim. Podia ter me redimido vindo oferecer minha ajuda e proteção, mas Liese devia saber que mesmo com nossa falta de contato, eu estaria cuidando dela. Claro que estaria!

Porém eu também tivera minhas dúvidas desde o começo, também aguardara que ela tivesse aparecido para me procurar...

Não acontecera.

Fora competente em fazê-la se sentir indesejada, em fazê-la pensar que não seria mais bem-vinda em La Push, o que mais poderia esperar?

Passados alguns minutos me senti mais confortável em tornar a procurar pela silhueta de Liese, de onde estava conseguia ver o alto de seus cabelos, devia estar sentada em sua cama. O prazo não era favorável, eu já havia permanecido mais do que era aconselhável, em breve alguém daria por minha falta, se é que já não haviam, seria uma questão de tempo até adivinharem onde me procurar.

O plano inicial era somente vir checar se tudo estava bem, mas agora que a via ali, tão perto, ficava difícil dominar o desejo de poder lhe falar. Enquanto ponderava ouvi o barulho de um carro subindo a rua e por reflexo me encolhi, esperei até que o veículo passasse, mas para minha surpresa ele parou em frente à casa. Vagarosamente me distanciei algumas passadas, pois o farol lançava sua luz próxima ao meu esconderijo, a porta da Van foi aberta e risadas ecoaram, observei quando um garoto saiu do veículo, apesar dos vidros escuros pude constatar que haviam apenas homens lá dentro.

O que estava acontecendo?

A melodia da campainha ecoou, fazendo Aneliese se erguer de um pulo e descer os degraus, mesmo me encontrando consideráveis metros longe da porta pude ouvir com exatidão o que conversavam. Ela estivera esperando por eles, mas eu a conhecia o suficiente para captar desconforto em sua voz.

— Se você já estiver pronta, nós temos de ir, o caminho é longo até Tacoma – falou o desconhecido.

— Sim, eu sei, vou apenas pegar minha bolsa.

No quarto, se ocupou com algo em cima da escrivaninha, em seguida apagou a luz e partiu para o térreo, indo até a cozinha. Um momento depois ela estava de volta à entrada, trancando a porta. Acompanhou o garoto até o carro, mal o adentraram e ele já estava em movimento.

Num surto, retornei à minha forma humana e sem sequer me preocupar em recolocar a roupa, driblei os galhos ao redor e corri pelo pequeno quintal, num instante escalei uma árvore próxima à parede e estava do lado de dentro. Tinha optado pelo quarto de Liese, cuja janela ela jamais trancava, mas meu destino era a cozinha e sem perder tempo marchei para lá, no cômodo prestei atenção e logo identifiquei um bilhete na geladeira que havia sido escrito com sua letra.

“Charlie, me desculpe, mas tive de ir à apresentação, simplesmente não achei justo abandonar os meninos. Sei que você irá se enfurecer ao ler esta nota, mas eu prometo estar de volta antes da meia-noite. Me coloque de castigo pelo próximo milênio, eu irei aceitar. Liese.”

Não entendi porque, mas tive vontade de destruir o papel, me sentia exasperado como se ele fosse destinado a mim, agora entendia tudo, aqueles eram os tais garotos que faziam parte da banda em que ela havia ingressado. Então Aneliese agora fazia as coisas pelas costas do xerife? Não parecia nada prudente, pobre Charlie teria uma desagradável surpresa quando retornasse.

Tinha chegado a pensar que teria de segui-la, mas ao descobrir seu destino percebi que seria em vão, ela sabia bem o que fazia e teria de arcar com as consequências sozinha, não quis me envolver, pois claramente ela não fazia questão de minha presença, eu entendia agora que Liese não encontrara problemas em seguir com sua vida. Me sentia um completo idiota parado aqui, me ocupando com uma pessoa que sequer estava presente, novamente estávamos distantes um do outro.

Ao recobrar a calma e também o juízo retornei o pedaço de papel em seu devido lugar e tratei de refazer meu caminho para longe.