Uma Semideusa Inadequada
Amigos
Imaginei que o quarto de Juliet fosse ser todo cor-de-rosa, com montes de maquiagens e fotografias dela e de suas amigas. Mas não. Paredes brancas, cama arrumadinha, cômoda e uma prateleira repleta de livros disciplinares.
— Meu pai morreu quando eu tinha quatorze. – contou-nos. – Deixou a casa no meu nome, mas eu quase não venho aqui...
Deu pra perceber. A casa estava suja. Muito suja.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Trent, você pode ficar no quarto dele e Tracy, você fica no meu.
Ninguém disse nada. Juliet nos mostrou onde era o banheiro e eu fui primeiro, enquanto ela ia para o quarto ajeitar as coisas. Tomei um banho quente e vesti meu pijama. Depois, peguei as roupas sujas e as lavei a mão, pondo-as para secar na área de trabalho. Eram as últimas peças que eu tinha trazido pra missão, e eu não queria vestir roupa suja.
— Tracy?
Olhei por sob o ombro, vendo Trent, mas voltei minha atenção a colocar os pregadores em minha camiseta do American Horror Story. – Pode falar.
Ele hesitou.
— Eu fiz alguma coisa que te chateou?
Franzi o cenho e peguei a calça jeans, voltando até o varal. – Não estou chateada. Só não aprovo alguma das suas atitudes, como por exemplo, o modo como você trata a Juliet.
— Bem, alguém tinha que dar uma bronca nela...
— Você quase fez a garota chorar!
Ele franziu as sobrancelhas, incrédulo.
— Que chore! É bem mais preferível a deixar que ela ponha minha vida em risco outra vez!
Fiquei calada, apenas observando-o de modo calculista.
— Você sabe que eu estou certo – continuou falando enquanto pegava uma cesta de pregadores e a trazia até mim. – Alguém tem que fazer o que você, mesmo com toda essa pose de durona, não tem coragem.
— E que seria...?
— Dar uma lição de moral na Juliet.
Não respondi. Apenas peguei dois pregadores de sua cesta e os usei na minha camisa do American Horror Story.
— Ela parece um daqueles semideuses que nunca saíram do Acampamento. – disse Trent. – E aí quando sai só faz uma cagada atrás de outra.
Permaneci calada, pregando agora minhas meias no varal.
—Tracy? – ele falou, acenando com uma mão na minha frente. – Está me ouvindo?
— Tô.
— Então por que não responde?
Dou de ombros, de cara amarrada.
— Não quero falar mal da Juliet.
Trent suspira.
— Não estou falando mal dela, estou apenas falando a verdade, mas ok... mudando de assunto, nós precisamos mesmo conversar sobre a deusa da Discórdia.
Estreitei os olhos, curiosa.
— Ela enganou a gente. – opinei. – H. não roubou os pomos, tenho certeza.
— Também penso assim. – confessou Trent. – Mas por que ela mentiria?
Nos entreolhamos, desconfiados. Que motivo haveria de ter Éris para nos enganar? Algo ela queria, e não era só a discórdia.
— Você precisa me contar o que ela te pediu – disse Trent. – Só assim poderemos chegar a uma conclusão do que ela queria.
Desviei os olhos e preguei um sutiã no varal.
— Tracy... – ele insistiu. – Seja lá o que for, eu não vou te julgar.
Respirei fundo, contendo a vontade de revirar os olhos.
— Não foi nada. Ela só me pediu para contar uma coisa a minha mãe, e se eu fizesse, ela me contaria quem roubou os pomos.
— E que coisa é essa que você tinha que contar?
Sinto um metal quente contra a minha pele e olho para baixo, notando a aureola em torno do meu pingente de sol.
— Isso é normal? – perguntou Trent, franzindo as sobrancelhas.
— Não sei. – escondi o pingente dentro da blusa. – Eu vou ver a Juliet. Boa noite.
Ele não respondeu. Ou não teve tempo de responder, por que saí bem apressada de lá, me encaminhando para o quarto de Juliet. Ela estava sentada na cama de cima do beliche, cobrindo o rosto com as mãos e soluçando baixinho.
— Não... faça perguntas.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Encolhi os ombros. – Tudo bem.
Ela soluçou outra vez e eu avancei em direção a cama debaixo do beliche. Passou-se algum tempo agonizante de silêncio e soluços até que ela voltasse a falar.
— Na verdade, eu quero que você fale. – fungou. – Fale do Apolo.
— O que você quer saber?
— Qualquer coisa. Apenas fale.
E eu falei. Contei a ela desde que conheci Apolo, de todas as nossas aventuras e desventuras. A que ela mais gostou foi a do dia dos namorados.
Apolo tentou me dar uma vaca premiada (péssima ideia) e eu fiz uma flecha com um coração azul na ponta. Se ele abrisse, encontraria um soneto de Camões.
Eu tinha me esforçado bastante naquele presente, reunindo duas coisas que ele ama: flechas e poesias. Mas a flecha o lembrou de Eros (não que fosse igual à flecha do Cupido, mas era assim que a faziam para usar nas peças de teatro) e os olhos dele se encheram de lágrimas. Eu fiquei sem saber o que falar, antão apenas o abracei, só que aí Apolo começou a chorar e eu fiquei acariciando seu cabelo numa tentativa desajeitada de consolação.
Juliet achou tudo isso super-romântico e riu na parte da vaca premiada. Bem, eu disse a ela, nós somos péssimos em dar presentes um ao outro.
— Mas e esse colar aí?
O colar... Tirei-o de dentro da camisa e o analisei, deslizando o dedo pelos contornos do Sol.
— É... – concordei. – Sem falar daquela vez em que ele me levou no show da minha banda favorita... Às vezes ele acerta nos presentes. Às vezes.
— Tracy, você não tem ideia do quanto é sortuda.
Franzi as sobrancelhas. – Essa é nova! Geralmente eu só ouço que vou morrer e tal...
Juliet suspirou.
— Os outros acham que você é burra por namorar um deus grego, mas não... Você só está amando. Eles acham que você é louca e talvez estejam certos. O amor pode tornar qualquer um louco.
Eu não entendi merda nenhuma, e não fiz questão de perguntar. Senti que ela estava inspirada e eu não estava nem um pouco á fim de ouvi-la falando sobre o amor, por isso fechei os olhos e tentei dormir. Foi aí que veio o sonho.
Primeiro apareceu uma mão pálida e feminina segurando uma maçã dourada, depois a imagem mudou e me vi com Apolo, naquele final de semana em que fiquei bêbada na Colômbia e fiz um strip-tease pra ele, só que sem a parte do strip-tease. No sonho, antes que eu começasse a dançar, Apolo começou a sufocar e caiu no chão, tendo convulsões, e eu estava tão bêbada que não conseguia ajudá-lo.
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