Happy Xmas

Feliz Natal


A manhã iniciou fria, como de costume no inverno. A segunda pele, dois blusões de lã, um moletom e um cachecol faziam-me pensar se não era mais fácil sair rolando a andar. O clima gelado aqui era de se esperar, mas Nova Iorque hoje estava abusiva. Qualquer pessoa suficientemente inteligente sabia que não era possível passar o inverno aqui sem ter, pelo menos, meia dúzia de blusões de lã em seu guarda-roupa. O problema disso era tentar passar o Natal se sentindo elegante com três quilos a mais de tecido.

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A bênção de se ter um café quentinho de manhã cedo era inestimável, mas, como eu não era um cara de sorte, essa dádiva não pertencia a mim e sim ao vizinho; o cheiro do líquido invadiu o meu apartamento assim que abri a porta para pegar o jornal. Mas, ao observar o local, estava igual como da última vez que o vi... sem o meu noticiário. Coloquei o tapete de bem-vindo no lugar, concluindo que, por conta do Natal, os empregados ganharam o luxo de não trabalharem hoje para passá-lo com suas famílias.

— Feliz Natal, Peeta. — A porta da casa de onde vinha o delicioso cheiro de café foi aberta, e a doce senhora que residia ali apareceu. Naquele instante, desejei fortemente possuir algum parentesco com Mags senão ser apenas seu vizinho. A progenitora da família Odair só não tinha um delicioso café passado pela manhã, como também fazia biscoitos de gengibre e cookies decorados de chocolate para sua família no Natal.

— Bom dia, Mags. Feliz Natal. — Fechei meu roupão azul, tentando melhorar a cara de sono.

— Oh, querido, se preparando para viajar até a sua família? Você sabe, é melhor ir cedo, o trânsito de Nova Iorque fica terrível no Natal.

— Esse ano não, Mags. — Sorri para ela, mas tive certeza que a minha atuação não poderia nem concorrer a um concurso de atores amadores pela cara que ela fez. Não era esse ano, eram todos desde que eu me mudei para cá, há cerca de seis anos.

— Muitas brigas?

— É... eu só...

— Comemore com a sua família, Peeta. Um dia você não os terá mais e será tarde para querer trocar presentes e fazer uma ceia de Natal com aqueles que você ama.

Senti o gosto amargo em minha boca e engoli seco. Não era essa a questão. Contive minha resposta, com certeza seria um choque ouvi-la por uma mulher beirando seus 75 anos.

— Bem, isso é problema seu, não meu. Já que não vai passar com sua família de sangue, por que não aqui?

— Melhor não, eu não quero incomodar. — Parabenizei a mim mesmo por ter colocado o meu melhor par de pantufas hoje cedo. O clima no corredor estava perigosamente gelado.

— Ora, não diga isso. Um rapaz educado como você nunca será um incomodo. Temos comida mais do que o suficiente, tenha certeza que não é por isso. Arrume outra desculpa. Só aceito se disser que vai passar seu Natal na companhia de alguém que você goste.

Sorri. Já estava prestes a dar outra resposta, mas Mags me interrompeu.

— Aliás, meus sobrinhos passarão o Natal aqui. Acho que você nunca os viu, mas com certeza deve ter ouvido eu falar deles. Eles têm a sua idade, sabe? Aposto que se dariam muito bem contigo.

— Ah, Mags, passe seu Natal com sua família. Tenho certeza de que irão achar estranho ter um homem que nunca se quer ouviram falar junto a sua noite de Natal. Fica pra próxima, quem sabe.

— Peeta Mellark! Não estou mais pedindo, estou mandando! — Mags falou com aquela voz de mãe que adverte quando você faz uma coisa muito errada e não assume. — Se não vier passar o Natal em nossa casa, tenha certeza de que iremos na sua. Esteja pronto às 21h e não se atrase. Estarei te esperando, ouviu?

E fechou a porta, sem esperar minha resposta. Em poucos minutos, eu havia acabado de ser adotado por uma senhora que faz deliciosos cookies e café para passar o Natal. Não sei se agradecia às forças superiores ou se inventava qualquer desculpa para poder passar o meu Natal tomando meu whisky em frente à lareira e à árvore decorativa montada — mais para que as pessoas não pensassem que eu era um cara sem espírito natalino.

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Entrei em meu apartamento, soltando um muxoxo de prazer por ele estar quente e confortável. Cheguei à janela da sala e degustei da vista que tinha do 12º andar do prédio.

As pessoas eram felizes no Natal. O espírito natalino era capaz de operar milagres, trazendo sorrisos tanto para os mais velhos quanto para os mais jovens. Negros, brancos, amarelos, pobres, ricos, feios, bonitos. Ele era uma data para todos. Cada um comemorava como podia, de seu jeito.

E por que eu não podia fazer o mesmo?

Sem pensar muito direito — porque, se eu fizesse, acabaria desistindo da ideia — vesti as roupas pesadas de inverno que eu tanto odiava e dei um jeito em minha aparência. Iria, pela primeira vez em anos, gastar meu dinheiro com presentes de Natal.

Rapidamente, tranquei meu apartamento e bati na porta da casa ao lado — até ela estava decorada com botinhas natalinas! —, esperando para ser atendido.

— Peeta, se você veio dizer que não poderá passar o Natal aqui, poupe seu tempo. — Ela deve ter me visto pelo olho mágico da porta para ter certeza de que era eu. — Já disse, vai passar a noite aqui e ponto. — Mesmo que eu pudesse ouvir claramente a sua voz, o volume da televisão, que transmitia um dos filmes da maratona de Natal, era extremamente alto.

Sorri para ela, vendo-a me acompanhar quando percebeu o que eu estava prestes a dizer.

— Ao contrário, Mags. Vim aqui perguntar se precisa de algo para a ceia, às 21h estarei em sua casa, não se preocupe.

— Ah, meu querido! Traga você mesmo e a sua boa companhia! Eu irei amar! — Ela me abraçou. — Sabia que você iria mudar de ideia.

— E eu tinha outra opção?

— Não, mas tenho certeza que foi essa que o seu coração escolheu.

~~

Eram 20h da noite do dia 25 de dezembro. Há alguns anos, eu estaria confortavelmente bem vestido e preparado para passar minha noite de Natal comendo porcarias e olhando a felicidade das pessoas em redes sociais. O Natal nova-iorquino era o mais famoso nos Estados Unidos. As pessoas gastavam horrores nessa época e os hotéis geravam um lucro absurdo. Para mim, era apenas mais um feriado comum, faria minhas orações como um bom católico e agradeceria por poder passar mais um Natal vivo, mesmo que eu não o comemorasse.

Mas hoje seria diferente.

Passei um gel em meus cabelos loiros bagunçados, tentando pôr eles em ordem. Em horas como essa, eu admirava profundamente as mulheres e seu jeito feminino para se arrumarem tão bem. Para mim, era uma tarefa difícil somente organizar o cabelo.

Vesti um jeans claro e procurei, mesmo sendo Natal, evitar usar moletons vermelhos ou verdes, como famílias tradicionais fazem para ceia. Poderia estar até comemorando o meu primeiro Natal em anos, mas isso ainda estava longe de acontecer comigo.

Vesti uma polo branca e um cardigã roxo escuro, quase no tom de vinho. Para completar, meu inseparável relógio dourado de pulso, presente de meu avô.

~~

Com dificuldade, toquei a campainha do 212B, fazendo uma força descomunal para carregar os presentes que eu comprei. Mags abriu a porta, sorrindo, com massa de cookies em seu avental. Quantas fornadas ela fazia para o Natal?

— Entre, querido. — Ela afastou a porta para que eu passasse. — Não repare a bagun... Oh meu Deus! Peeta Mellark, o que são esses presentes?!

Ri baixo de seu espanto.

— Pode até não parecer, Mags, mas eu sei comemorar o Natal — disse, apertando mais os embrulhos que segurava. — Então, não vai me dizer onde fica a árvore? — Sorri, levantando uma sobrancelha.

Ela acenou em desaprovação, mas vi que tentava conter um sorriso.

— Bem ali, pode organizar como quiser. A árvore tem tantos presentes que eu não sei se haverá mais espaço para os seus. — Ela indicou, com a colher que segurava na mão cheia de farinha, uma árvore grande com vários enfeites natalinos. — Agora, se me permite, tenho que terminar de confeitar os cookies antes que Hubert chegue com as crianças.

— À vontade, Mags. Você tem minha permissão. — Pisquei, sorrindo divertido. Ela apenas riu e fez uma cara de “Você não tem jeito”.

Naquele momento, olhando a árvore que, com certeza, gerava alguma espécie de poluição luminosa, senti falta de Natais em família. Todos os presentes estavam etiquetados, com o nome do ganhador. Fotos dos filhos de Mags e Hubert eram as mais notáveis no pinheirinho, mas também haviam outras que eu julgava serem de seus sobrinhos. Com certeza as duas irmãs da família Odair tiveram seus filhos quase que no mesmo tempo, a supor pelas fotografias e os anos em que elas foram tiradas.

Deixei que os presentes rodeassem a árvore, enchendo-a ainda mais. Dei uma espiada nas stockings que estavam penduradas em cima da lareira, com os nomes dos integrantes da família.

Mags. Hubert. Gale. Madge. Max. Finnick. Katniss. Peeta.

Meu nome.

Mags esperava que eu comemorasse o Natal com eles há quanto tempo?

— Desculpe se não gostou, querido. — A senhora tocou meu ombro. — Eu realmente queria que você passasse conosco este ano.

— Na verdade, Mags — comecei —, faz um bom tempo que eu não sei o que é ter uma família. Obrigado por isso. — Ela realmente queria isso, então deixei de me preocupar e finalmente dissipei a dúvida de se tinha tomado a decisão certa em passar o Natal com a família Odair.

Ela iria responder alguma coisa, mas fomos interrompidos do nosso momento sentimental — graças a Deus — pelo barulho de desconhecidos que abriram a porta do apartamento.

— Mãe! Chegamos!

— Vovó?

— Ah, minhas crianças, quanto tempo! — Ligeiramente, fui solto de seu abraço e ela correu em direção às vozes. Eu, um pouco mais atrás e calmamente, lhe acompanhei.

Já conhecia Gale, Madge e o pequeno Max. Todos os anos, o filho de Mags, Gale, vinha passar o Natal com sua família junto a seus pais. Quando cheguei lá, fui surpreendido ao não receber o olhar de surpresa, mas sim como se fosse realmente normal ter um desconhecido passando o Natal junto a sua família.

— Peeta! Olá! — Gale venho a meu encontro. — Que bom que aceitou passar o Natal conosco, minha mãe queria muito isso.

— Gale! — cumprimentei. — Sou eu que devo agradecer.

— Olá, Peeta, tudo bem? — Madge acenou e sorriu, me cumprimentando de longe enquanto segurava seu filho que havia acabado de machucar o dedo. Sorri para ela, retornando o cumprimento.

— Onde estão Katniss e Finnick? E Hubert? — Mags perguntou.

— Lá em baixo. Estão ajudando a “embalar” o que você pediu para comprar — Gale disse, indo para o lado de sua esposa.

Para notar o constrangimento de estar deslocado ali, comecei a ajudar Mags a enfeitar os biscoitos, enquanto ela conversava coisas banais com seu filho e nora, ora mimando o neto também.

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Não demorou muito tempo para os sobrinhos de Mags chegarem acompanhados de seu marido. O primeiro a cruzar a porta foi quem eu julguei ser Finnick, um homem alto e relativamente forte, loiro com olhos esmeraldas e a pele bronzeada. Ele estava acompanhado de Hubert, que, mesmo tendo a mesma idade que Mags, ainda era muito elegante com seus cabelos grisalhos e a barba rala, aprofundadas por seus olhos incrivelmente azuis.

Mas, no entanto, o que me surpreendeu foi a mulher que atravessou por último o batente da porta.

Dona dos pares de olhos cinzentos iguais aos de Gale, porém em uma tonalidade ainda mais bonita, ela deixou o seu perfume invadir o ambiente. Esqueça cheiro de café, de chocolate, de bolo assando no forno ou de comida quentinha no inverno. Aquele perfume era a coisa mais deliciosa que eu já senti na vida.

Seus cabelos castanhos adornavam seu rosto somente de um lado. No outro, uma trança lateral era feita até a parte de trás de sua cabeleira. Em sua face, pouca maquiagem havia em suas maçãs do rosto, e, nos lábios, um batom vermelho que valorizava sua boca.

Eu não era capaz de descrever como ela estava linda em seu vestido vermelho que comprimia até seus joelhos. Vestia um blazer preto por cima, para se proteger do frio. Seu sorriso ao ver Mags brilhava mais do que seus brincos de pedra.

Quem era aquela mulher?

— Mags! Que saudade! — Ela abraçou a doce senhora com força. — Acho que vou chorar. — Sorriu fraco, soltando-se de Mags.

— Ah, querida, pare com isso. Vai borrar sua maquiagem. — Ela passou os dedos na face da morena, analisando-a com carinho. — Você está tão linda... Parece sua mãe.

— Deixa disso. A senhora está maravilhosa!

— E a mim? Você não cumprimenta mais, Mags Odair?

— Finnick! Venha cá, meu garoto. — Meus braços doíam só se pensar quantos abraços em pessoas relativamente mais altas Mags teve que dar hoje.

— Katniss, Finnick, tenho alguém para apresentar a vocês.

Agora, ambos notaram a minha presença no ambiente.

— Finnick, este é Peeta Mellark. Peeta, este é Finnick Odair. — Cheguei perto para cumprimentá-lo com um aperto de mão, mas fui surpreendido por um abraço. — Peeta, esta é Katniss Everdeen. 23 anos, solteira, terá um excelente futuro e perfeita para casar. Katniss, este é Peeta Mellark, como eu já disse. 26 anos, solteiro, um belo professor de educação física e perfeito para cônjuge. — Fui capaz de sentir meu rosto avermelhar com a forma que Mags nos apresentou, vi que Katniss também estava na mesma situação.

Novamente, aproximei-me dela, mas, diferente de Finnick, vi que ela estava tímida para me cumprimentar. Decidi seguir a linha do abraço para não constranger ainda mais.

— Peeta! Tudo bom? — Hubert me cumprimentou assim que me afastei de Katniss. Quando fiz o mesmo com ele, Mags chamou a atenção de todos.

— A ceia está quase pronta, vou só dar um jeito em mim e já volto.

Todos seguiram para a sala, e vi Hubert seguir Mags para o quarto deles com uma caixa na mão. Ao que tudo indica, Mags ganharia seu presente um pouco antes dos demais.

Segurei a respiração ao sentir o perfume dela se aproximar. Katniss sentaria ao meu lado, já que os lugares estavam todos ocupados.

A morena fez exatamente o que eu previ. Procurei sorrir para ela, relaxando os músculos. Ela retribuiu, e, automaticamente, o clima estranho se dissipou.

— Katniss Everdeen? Onde foi parar o Odair? — perguntei estupidamente. Onde foi parar o seu senso, Peeta?

— Ah, eu quis permanecer com o sobrenome do meu pai — falou simplesmente, sua voz parecia muito mais cantada por anjos do que uma qualquer. — Honrar a família dele.

— E os Odair não?

— Também. Só não me apresento como.

Apenas acenei e desviei meu olhar de Katniss.

— Com licença, hum, se me permite... — Voltei meu foco a ela, aguardando sua pergunta. — Por que não está passando o Natal com sua família? Quer dizer... você é vizinho de Mags, e... Se não quiser responder, tudo bem. É um costume meu, desculpa. Esquece.

Ri da maneira que ela se enrolou para perguntar. Falou tão rapidamente que tive que semicerrar os olhos para compreender, como se isso ajudasse. Katniss parecia ser do tipo curiosa, que examina tudo o que vê e às vezes não consegue se controlar. Pergunto-me há quanto tempo ela deve ter ficado soldando essa dúvida em sua cabeça.

— Tudo bem, Katniss. — Sorri para ela e me perguntei se não era desapropriado chamá-la pelo primeiro nome. — Digamos que... minha família não me considera membro deles há muito tempo.

Vi seu rosto se fixar em mim. Provavelmente a deixei mais curiosa do que antes.

— Longa história. Talvez, para outra hora. Agora, parece que vamos cear. — Me levantei, esperando que ela acompanhasse o meu gesto. Sorri de lado e seguimos à sala de jantar, onde Mags e Hubert arrumavam a mesa.

~~

— Um feliz Natal a todos! É uma alegria estar aqui com vocês — Mags disse, levantando suas taças no final da refeição, propondo os brindes.

— Vovó, quando Papai Noel vai trazer os presentes?

— Daqui a pouco, meu querido.

Max possuía uma energia que eu, com toda certeza, acreditava que era capaz de sustentar a cidade de Nova York caso faltasse luz. O pequeno, em seus 5 anos de idade, esfregou os cabelos loiros que puxou pela mãe, tentando tirar o gel que havia neles. Após ser advertido para não fazer isso, seguiu correndo para perto da árvore de Natal.

O jantar havia sido calmo, mesmo que alguns — talvez muitos — olhares que direcionei à Katniss foram flagrados por ela. Mas, ela não poderia reclamar enquanto fazia o mesmo comigo.

Rapidamente, comecei a levar os pratos para a cozinha, mas fui impedido por Hubert.

— Deixe isso para depois, vamos à entrega de presentes. Max vai ganhar um ataque se não abrirmos logo.

Assenti, dei uma arrumada em minha roupa e acompanhei a família para a sala onde aconteceria a entrega de presentes.

~~

— E esse presente aqui... — começou Hubert, que desceu as escadas segurando a mesma caixa que eu vi antes de irmos comer a ceia. — É para você, Peeta.

— Hubert! Não precisava! — Levantei, sorrindo, mas mesmo assim contrariado.

— Deixe disso, rapaz. Esse presente não tem devolução.

Quando Hubert largou a caixa no chão e a abriu, eu poderia jurar que nunca esperaria um presente assim. Minha expressão era, no mínimo, engraçada, já que todos que presenciavam a cena começaram a rir.

Ali, em minha frente, havia uma bolinha de pelos fofinha e desengonçada.

Um cachorro, para constatar.

— Daqui para frente, não passará mais nenhuma data sozinho, rapaz. — Hubert sorriu para mim, orgulhoso de si mesmo. — Esse cachorro é seu. Por favor, ponha um nome bonito nele.

O que eu poderia fazer em um momento desses?

Sorri para o animal, que me olhava curioso. Agachei a sua altura, e senti minha boca travar em um nome quando chamei-o para vir em meu colo.

— Ei, amigão. Deixaram você tanto tempo dentro de uma caixa, hein? — Afaguei sua cabeça, seus dentinhos de filhote mordendo meus dedos da outa mão. Ele era marrom-claro, com uma e outra mancha preta. Suas orelhas eram caídas, no estilo labrador; e seu rabo não era muito comprido por ainda ser filhote. Olhei para Hubert, uma dúvida tão óbvia que, antes mesmo de eu perguntar, ele já havia respondido.

— Não é de raça. Achei ele no canil, a mãe deu cria há dois meses e morreu, infelizmente. Ele é o único da ninhada que sobrou por ser cego de um olho.

Observei a criatura que tinha em minhas mãos. Se eu tinha planos de não ficar com ele, todos se dissiparam no exato momento em que Hubert terminou de falar. Eu não fui ao canil escolher um cão, mas, se o tivesse feito, tenho certeza que escolheria esse mesmo.

— Obrigado, Hubert, de verdade. — Ele apenas acenou.

Olhei para a família que se encontrava perdida em seus próprios presentes que haviam ganhado. Gale e Madge divertiam o pequeno Max, que foi presenteado com milhares e milhares de brinquedos, além de roupas. Mags e Hubert pareciam em sua própria bolha, mostrando um ao outro seus presentes. Finnick e Katniss pareciam fazer o mesmo.

E eu... eu tinha uma pequena bola em meus braços.

— Ei, garoto, qual nome você gostaria de ganhar? — Sorri quando ele começou a morder meu rosto.

— Peeta! Que amor! Posso pegar? — Katniss se aproximou de mim.

— Claro. — Passei o cachorro para seus braços, torcendo para que ela não notasse meu coração agitado por sua presença.

— É um menino, não é? — Ela fez carinho com o nariz no cachorro. — Já pensou em um nome?

Eu ainda não havia chegado à conclusão de um. Mas, naquele instante, a ideia foi súbita.

— Ringo.

— Ringo? — Ela arqueou uma sobrancelha.

— Sim.

— O baterista dos Beatles? Não acredito! — Ela colocou o cachorro para cima, na altura dos olhos.

— Esse mesmo. — Sorri verdadeiramente por ela reconhecer o nome. — Ringo é o meu beatle favorito.

Ela voltou a segurar o cachorro em seus braços e me encarou.

— Eu amo Beatles. Mas, Deus, quem é que tem Ringo Starr como seu beatle favorito? — Ela me entregou o cachorro, mas ainda fazendo carinho em sua cabeça. — Eu adoro cães, mas Cato é alérgico a eles.

— Cato? — perguntei, mas me arrependi no minuto seguinte. — Desculpe, é hábito.

Ela sorriu, compreendendo a situação.

— Cato divide o apartamento comigo em Syracuse. Sabe como é, vida adulta tem seus problemas e dinheiro é um deles.

Engoli a frustação que nasceu em minha boca. Era óbvio que ela dividia um apartamento com alguém, que, provavelmente, possuía algum tipo de lance amoroso. Eu havia me esquecido de que ela era uma pessoa e fazia coisas como todo mundo faz. Saída às sextas. Algumas transas casuais. Casos de uma semana. Namorados. Eu não possuía qualquer direito sobre sua vida; ela era uma mulher adulta e podia fazer o que bem entendesse.

— E você? — ela perguntou depois de um tempo.

— Eu o quê? — rebati, confuso. — Ah, desculpe. — Eu era muito idiota. — Bom, agora eu divido ele com Ringo. Infelizmente, ele não me ajudará a pagar as contas. — Sorri.

Ela riu. Sua risada era um tanto engraçada; aquele tipo que você não sabe se ri da piada ou da maneira que a pessoa ri.

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— Ah, eu espero poder morar sozinha assim que terminar a faculdade e conseguir um emprego. Por enquanto, para alguém que se sustenta trabalhando em uma simples lanchonete, estou bem.

— Mas é claro que está. — Ela arqueou uma sobrancelha. — Quer dizer, isso foi um elogio.

— Vou considerar como um, então. — Ela sorriu. Finnick se levantou e seguiu em nossa direção, com as mãos no bolso.

— Vamos, Katniss? — perguntou suavemente. A morena acenou, e fez um gesto para que ele esperasse.

— Mas então, Peeta... Eu e Finnick vamos dar uma volta por Nova Iorque, aproveitar que não é tão frequente virmos aqui. Que tal ir junto? — perguntou, enquanto girava os calcanhares e me encarava.

— Acho que não... Até porque o Ringo ficaria sozinho e a Mags vai precisar de ajuda para arrumar toda essa bagunça. — Sorri.

— Tudo bem, então. Estamos indo. Se mudar de ideia, nos encontre no Capitol Bar, acho que você sabe onde fica.

Acenei positivamente com a cabeça e acompanhei Katniss com o olhar até ela sair do apartamento, acompanhada de Finnick.

Deixei Ringo no chão e me dirigi à cozinha, mas, antes que eu chegasse ao cômodo, fui barrado por Mags, tipicamente vestida em roupas havaianas.

O que a bebida é capaz de fazer com as pessoas?

— Pode ir parando. — Ela apontou o dedo indicador em meu peito. — Você está de castigo. — E riu, mas voltou a ficar séria.

— O quê? Por quê?

— Você é, literalmente, o homem mais idiota do mundo. — Chegou mais perto de mim. Por um momento, achei que fosse me abraçar e desejar-me Feliz Natal, como fez nas outras vezes; porém, fiquei totalmente sem reação ao sentir uma ardência na minha orelha direita. Um puxão, como a minha mãe fazia quando eu era pequeno. — Está na hora de parar com suas desculpas esfarrapadas, caralho. Você é um homem livre, Peeta, porte-se como um.

Em um movimento duvidoso para uma senhora da idade dela, Mags me jogou no sofá, puxando uma cadeira atrás de si e me encarando, séria.

Antes que eu abrisse minha boca, Mags ameaçou me agredir, mandando eu ficar quieto.

Para dizer o mínimo, aquilo me incomodava, e muito. Eu não era um garotinho que merecia ser advertido pela mãe e ficar um mês sem seu Playstation, trancado no quarto, estudando. Eu era um homem independente e, sinceramente, toda aquela situação já estava me irritando.

Por que ela não fez o mesmo em outros Natais? Por que justo agora?

Apenas eu sabia o que era melhor para mim. Por mais que eu respeitasse e admirasse Mags por sempre estar presente em minha vida, seja ouvindo eu reclamar de alunos que não se esforçam, do diretor ignorante e narcisista daquela escola, dos colegas de trabalho, dos meus problemas em geral, eu não era seu filho e, mesmo que isso significasse imaturidade de minha parte, Mags não mandava em mim.

Mas eu sentei, quieto. O que eu poderia fazer? Agir como um adolescente?

— Vocês, jovens, têm uma mania extremamente irritante de acharem o que é melhor para o outro. Principalmente você, Peeta. Se não tem uma mãe ou qualquer outra pessoa que te “diga a real”, pois bem, eu não me importo nem um pouco de fazê-lo.

Fechei meus olhos e respirei fundo. Eu não possuía paciência para ouvir sermões como se eu fosse um “menino mau”.

— Estou cansada de todo ano ser a mesma coisa. Eu me importo com você, acho que sabe disso. Mas, sabe qual foi a minha promessa a mim mesma? Que esse ano seria diferente. Sabe por quê? Porque alguma coisa, bem lá no fundo, me incomodava muito. Eu tentei ser uma avó melhor, aprendi a tricotar e fazer aquelas pecinhas ridículas que a maioria dos netos odeiam. Passei a “suprir” mais o meu marido, se é que me entende. Visitei mais meus filhos; dei maior importância aos meus sobrinhos, até chamei eles para passarem o Natal aqui. Dei um jeito em mim mesma. — Ela respirou fundo e fechou os olhos. Naquele momento, eu comecei a me preocupar com a saúde da senhora afetada bela bebida em minha frente. — Mas aí... eu vi. Era você quem me preocupava. Não que as outras coisas não fossem boas; claro que foram. Mas você, Peeta, eu adotei para mim desde que veio pedir um pouco de azeite para fazer o arroz um dia depois de se mudar para cá. Eu sei da sua história, menino, e o admiro muito por isso. Porém, você tem que parar de achar que tudo está fadado ao fracasso. Existem outros finais para a mesma história, outras opções. Quebre esse coração quantas vezes for preciso. Rache a cara, se atira. Quando você ver, será tarde demais. Eu precisava que você encontrasse a si mesmo esse ano, só assim eu estaria feliz. Se quer passar o resto da sua vida tomando whisky no Natal, tudo bem. Mas faça isso depois que eu morrer. — Bateu o copo com a bebida no balcão que estava ao seu lado e se levantou, me deixando sozinho na sala.

Peguei Ringo no colo e fui para o meu apartamento.

Esse era o fim do meu Natal naquele ano.

Pelo menos eu esperava que fosse.

~~

Levantei preguiçosamente de minha cama ao ouvir sons no lado de fora de meu apartamento. Ao que tudo indicava, havia uma pessoa furiosamente batendo na porta de casa.

Ringo grunhiu quando eu levantei da cama, levemente empurrando ele de cima de meus pés.

Tão pequeno e tão abusado.

Quando eu já estava relativamente acordado e indo em direção à porta — que não parava de receber batidas —, lembrei que não havia olhado o horário no criado mudo de meu quarto. Desajeitadamente, inclinei meu corpo na direção do micro-ondas, procurando o relógio digital nele, enquanto estava prestes a girar a chave da fechadura, um hábito que adquiri em manhãs que eu estava atrasado para ir ao trabalho.

Três e meia da manhã.

Quem era a criatura que atrapalhava o sono de um pobre professor na manhã seguinte a de Natal?

Antes mesmo que eu pudesse espiar pelo olho mágico, ouvi sua voz impossível de não se reconhecer.

— Peeta? — Uma gargalhada. — Está em casa, querido? — Mais uma. Vi a maçaneta ser mexida pelo lado de fora, a pessoa estava querendo entrar.

Abri a porta rapidamente, milhares de perguntas soldando minha mente ainda sonolenta.

— Katniss? — perguntei espantado. — O que faz aqui? Você viu que horas são?

— Ah, finalmente! — Ela se atirou em meus braços. — Por que demorou tanto? — Como seu rosto estava muito próximo ao meu, pude sentir o cheiro de álcool em sua boca.

— Você está bêbada? — Arrastei-a para dentro de meu apartamento.

— Ah, não sei. O taxista disse que sim. Mas você sabe, hoje em dia, eles gostam de inventar histórias. — Ela riu.

Suspirei pesadamente. Por que diabos Katniss estava em minha casa? E ainda por cima bêbada?

— Espere, hum... Fique ai, eu já volto. — Ajeitei-a no sofá enquanto ela ria, provavelmente, da minha cara de confuso.

Retirei-me da sala e entrei apressadamente no banheiro. A água gelada era um remédio natural o qual eu recorria toda a vez que estava tenso, como se ela me acordasse e me indicasse a solução para algum problema.

Mas era difícil achar uma quando “Katniss bêbada em sua casa” fosse o infortuno.

— Certo, vamos cuidar de uma bêbada. Feliz Natal atrasado, Peeta — resmunguei para mim mesmo.

~~

— Katniss, colabore. — Bufei irritado. — Vamos tentar de novo, ok? Entre aqui no box. — Sai e depois entrei, indicando o lugar. — E permaneça de baixo da água, tudo bem?

— Não. — Permaneceu sentada em cima do vaso sanitário, me encarando séria.

Estávamos na mesma situação há pelo menos vinte minutos. Eu precisava que ela tomasse um banho gelado, pelo o que eu me lembre que deveria de ser feito com um bêbado. Só que, neste caso, o bêbado em questão era Katniss Everdeen, livre, independente, sexy e teimosa.

— Já chega! Eu vou te levar à força!

— Tudo bem — respondeu, como se estivesse me dando autorização. Levantei, segurando-a fortemente em meus braços. Senti meu coração bombear fortemente por eu estar perto dela, em um ritmo um tanto duvidoso para ser normal. A minha sorte era que Katniss estava bêbada, porque, provavelmente, com a pouca distância — nenhuma, na verdade — entre nós, ela poderia ouvir ele batendo.

Não era possível eu estar sentindo uma coisa tão rapidamente por essa mulher.

Encostei meus pés no piso gelado. Esse banho não seria fácil em um inverno como o de Nova Iorque. Por sorte, estávamos no banheiro de meu quarto e o aquecedor estava ligado.

Liguei o chuveiro e continuei abraçando Katniss, uma força maior que mim mesmo pedia para que eu não quebrasse esse momento. Para minha surpresa, ela passou os braços ao redor de mim e deitou a cabeça em meu peito. Suspirei forte, ela teria a desculpa de estar bêbada, mas e eu? O que diria?

— Katniss... — comecei, a distância era perigosa. — Acho melhor...

— Sch.! Você não tem que achar nada. — Ela virou a cabeça para cima, me olhando. — Eu quero você desde o primeiro momento que te vi.

Eu gelei tanto quanto a água que caia sobre nossos corpos e grudava nossas roupas, tornando-as três vezes mais pesadas.

— E você também me quer... — Um sorriso malicioso em sua face. — Eu posso ouvir seu coração batendo mais forte — sussurrou.

Caralho.

— Chega de “banho”. — Desliguei o chuveiro.

— Ah, não! — Ela me segurou mais forte. — Fica só mais um pouquinho, vai? — Fez uma cara manhosa.

— Não. Vem, vamos nos secar e trocar essa roupa molhada.

Por incrível que pareça, Katniss fez o que eu pedi. Enquanto em secava seus cabelos com uma toalha, ela fazia desenhos imagináveis em sua coxa esquerda, ora encarando Ringo que, de vez em quando, abria os olhos, deitado em uma poltrona de cobertas no canto do quarto. O cheiro que saia de seus cabelos era altamente viciante, como tudo nela. Meu autocontrole deveria ser muito bem desenvolvido; Katniss estava vestindo minha camisa laranja, e, juro por Deus, não poderia estar mais bonita.

— Pronto — disse quando parei de secar seus cabelos com a toalha. Katniss me olhou, suas íris cinzas, como se o céu estivesse armando uma tempestade, me encaravam curiosas.

— Você não vai transar comigo? Quer dizer, é isso que me disseram que era pra fazer quando eu ficasse bêbada. — Sua fala ainda estava enrolada.

Eu não era capaz de acreditar! Ela ainda estava bêbada!

— Eu não estou bêbado para fazer isso.

— Então vamos ficar — disse simplesmente.

Eu ri.

— Estamos bem assim. Agora, você não vai voltar para o apartamento de Mags?

Ela fez um muxoxo.

— Não.

Suspirei, fechando os olhos.

— Onde está Finnick? — Cruzei os braços.

— Ele disse à Mags que eu e ele dormiríamos fora. Minhas suspeitas são de que ele foi para cama com alguma mulher. — Ela me olhou, seu rosto parecia mais lindo ainda somente à iluminação da luz do abajur, laranja.

— E deixou você sozinha, ainda por cima bêbada? — Eu estava começando a me irritar.

— Não. Ele me trouxe de volta para casa, mas eu voltei.

Meu queixo caiu.

— Por que fez isso?

— Estamos em Nova Iorque. — E ela riu. Foi então que eu me lembrei, Katniss ainda estava bêbada, mesmo que não tanto como antes, e acordaria com uma dor de cabeça terrível. — Tem ideia de quantos gatos têm em boates por aqui? — Gargalhou.

A imagem de um homem encostando em Katniss, por menor que fosse seu toque, me fazia enxergar vermelho. Eu precisava me acalmar. Estava desesperadamente atraído por ela, aquilo era demais para mim.

Levantei de minha cama e caminhei para a cozinha, procurando algum remédio para que diminuísse sua ressaca, além de algumas garrafas de água para hidratar.

Quando voltei ao quarto, esperava que ela estivesse dormindo em minha cama ou qualquer coisa que não fosse estar me esperando sentada.

E com a minha garrafa de whisky na mão e um copo.

Whisky.

— Katniss... o quê? — Parei no batente da porta.

— Vem cá, quero fazer um jogo com você. — Ela deu duas batidinhas no colchão.

— Eu não vou beber — falei, sério. — Onde você achou isso?

— Estava em cima da sua escrivaninha. — Apontou para o móvel com a ponta da garrafa. — E não precisa beber se não quiser. É um jogo.

— Guarde isso aí e tome o que eu te trouxe. Vamos, eu não estou brincando. — Fiz uma cara séria. Eu não era acostumado a lidar com bêbados, mas, quando eu fazia, a minha curta paciência era testada, e quase sempre eu perdia o controle.

— Hum... não. Você fica sexy quando está bravo, sabia? — Piscou maliciosa para mim.

— Katniss, não me tente — disse sério.

— Ah, vamos, vai ser divertido. — Ela deu um sorrisinho malicioso e eu vi, naquele instante, que era uma batalha perdida para mim.

— Se eu jogar, você promete ir para o apartamento de Mags depois?

— Prometo.

Aproximei-me dela, deixando o comprimido e uma garrafa de água em sua frente.

— Tome primeiro. É para ressaca.

— Eu não preciso. — Riu.

— Katniss...

— Está bem, professor — disse frisando o apelido. Ela pegou o comprimido e o tomou logo, junto com alguns goles de água. — Satisfeito? — Me encarou.

— Muito. — Sentei ao seu lado na cama. — Então... como funciona esse jogo? — perguntei de mau gosto, me sentando ao seu lado na cama.

— Você pode fazer qualquer pergunta sobre mim, mas, para cada uma, deve beber um copo. O mesmo vale para mim.

— Está brincando, não é? — Por mais que eu quisesse saber sobre Katniss, eu não poderia fazer aquilo. Não com ela bêbada e, ainda por cima, eu arriscar ficar no mesmo estado. — Você já está bêbada, não pode beber mais.

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— Ah..., mas eu não tenho muitas, prometo. — Fez um beicinho. — Além do mais, você prometeu.

Respirei fundo.

— Certo. Você começa.

— Espertinho você, né? — Gargalhou. — Bem... — Tomou um copo de whisky, como propôs. — Você tem namorada?

Por um momento, eu achei que era a decisão errada estar jogando esse tipo de jogo com Katniss por ela estar bêbada, mas, depois, eu tive certeza. Eu não saberia dizer se era por causa horário, porém, se eu estivesse sensato, isso não aconteceria. Talvez fossem os efeitos de uma madrugada mal dormida e um Natal confuso.

— Não. Por que o interesse?

— Sch. — Pôs o dedo em minha boca. — Beba para saber. — Empurrou o copo para mim.

No momento, outra coisa era mais interessante para mim.

— Cato... — iniciei, tomando um copo com o líquido. Coloquei minha boca exatamente no lugar onde ela havia posto a sua; o gosto de seu batom no vidro. Porém, a pergunta que eu iria fazer ardia em mim tanto quanto a bebida descendo pela minha garganta. — O que ele é seu? — terminei.

— Colega de apartamento — disse sorrindo debochadamente.

— Mais algo além disso?

— Um copo por bebida. — Riu.

— Não é justo. É uma pergunta ligada à outra.

— Só respondo se você beber.

Resmunguei e peguei mais um copo.

— Só meu colega. Nunca tive nada a mais com ele, mesmo que eu quisesse. Ele é gay. — Gargalhou. Fiquei instantaneamente aliviado. Sem compromissos. — Mas isso não quer dizer que eu não tenho alguém.

Tranquei o maxilar.

— Pelo visto nosso jogo vai longe — respondi, deixando o assunto no ar.

— Minha vez. — Puxou o copo para si e o encheu. — O que aconteceu com sua família?

Ela não lembraria de nada daqui a algumas horas, quando acordasse com uma terrível ressaca, então, qualquer coisa que eu respondesse, era inválida. Mesmo assim, decidi ser sincero.

— Eles são ricos, Katniss, muito ricos. Donos de uma empresa de engenharia civil, ambiciosos e possuem uma ganância por bens materiais que eu nunca vou entender. Quando contei a eles que cursaria licenciatura em educação física, ambos ficaram horrorizados. Disseram que eu não poderia fazer isso; que eu poderia cursar medicina ou então algo “à altura da família Mellark”. Mas a minha decisão estava tomada. Fui expulso de casa no mesmo dia e, bem, eles nunca mais me procuraram. A sorte deles é que meu irmão cursou engenharia e vai herdar a empresa. — Quando terminei, me surpreendi ao ver Katniss me encarando séria. O quão difícil era isso para um bêbado?

— Mas, e você? ...

— Não há pessoas ou sentimentalismo quando o tema é dinheiro. Somos apenas peças em um sistema monetário. Simples.

Ela assentiu.

— Prossiga. — Indicou o copo para mim.

— Você tem namorado ou qualquer outro caso? — perguntei tão rápido como bebi.

Ela gargalhou, atraindo a atenção de Ringo, que até então não havia dado sinais de vida em sua cama provisoriamente montada.

— Você é impossível, Mellark — disse, secando uma lágrima. — Nem pra disfarçar, né? — Olhou sugestivamente.

Fiquei sem jeito. Eu estava desesperado para saber mais sobre ela — principalmente sua vida amorosa — e nem percebi que soava como um adolescente que não sabia controlar seus hormônios.

— Não. Eu sou livre de homens. — Continuou rindo, como se isso fosse a coisa mais engraçada do mundo.

Talvez fosse para ela.

— Hum... o que eu vou perguntar agora? — Ela pegou o copo, mas não pôs bebida dentro. — Já fiz as perguntas que já me interessavam. Algo me diz que teremos tempo para fazermos outras. — Me encarou, malícia em seus olhos.

— Eu tenho mais uma. — Peguei o copo, enchi com a bebida e tomei. Mas, antes que eu fosse perguntar, Katniss pegou o copo e o whisky, largou-os no chão e me olhou, o cinza de seus olhos agora já enegrecidos.

— Chega de perguntas, Mellark. Você é muito chato. — E riu. — Vamos jogar outro jogo. — Se aproximou de mim, pondo as mãos em meu peito.

— Katniss... — Fechei os olhos e respirei fundo. — Pare. — Abri minhas vistas, soltei o ar que segurava e toquei seus braços, levemente a empurrando. Eu podia ver meu quarto girar por conta da bebida.

Eu era fraco em relação ao álcool, e, com três copos de whisky e mais os da ceia de Natal, somando ao fato de eu estar levemente embriagado pela madrugada, eu deveria agira rápido e impor limites antes que as coisas ficassem fora de controle.

— Agora não, Peeta. — Por que diabos toda vez que ela se referia a mim deveria de ser perigosamente sedutora? — Vamos curtir o Natal. — Ela começou a abrir os botões de minha camisa, mordendo os lábios.

Nessa altura, eu já estava possuído, viciado, dependente de Katniss Everdeen. Eu não poderia fazer outra coisa senão atender a todos os seus pedidos e vontades. Por conta disso, quando ela grudou seus lábios nos meus e pediu para que eu a fizesse minha, eu me entreguei verdadeiramente para ela.

Eu estava fodido.

~~

Seis meses depois...

Mags Odair faleceu no dia 10 de junho de 2016 por conta de uma parada cardíaca.

E eu estava ali, parado, olhando o caixão ser submerso na terra. No momento, eu estava pouco me fodendo para a sociedade e o que o meu pai diria se visse o seu filho chorando.

“Homem de verdade não chora, Peeta. Não te criei pra isso. ”

Eu parecia o mais arrasado ali. Nem mesmo Hubert, que a ama tanto, estava páreo ao meu rosto totalmente inchado e vermelho, somado às olheiras por não ter dormido desde o dia onde me avisaram que a doce senhora do 212B havia sido levada ao hospital na madrugada por conta de uma parada cardíaca e então, falecido.

Para falar a verdade, eu não dormia há muito tempo. Desde quando um par de olhos cinzentos passou pelo batente de minha casa e resolveu trazer o furacão que suas vistas tanto remetiam consigo.

Mags era como uma mãe para mim; uma mãe que, por mais dramático que seja, eu nunca tive. Foram os puxões de orelha, o abraço quentinho que solucionava meus problemas, os almoços e receitas especiais que eu aprendi com ela, e, no meio de tantas tormentas, era sempre Mags quem estava lá para me salvar.

E por isso, quando minhas lágrimas ainda caiam, eu deixei que elas levassem embora a saudade; mas, infelizmente, isso não aconteceu. Um pedaço de mim parecia ter sido arrancado e enterrado junto à Mags. Talvez fosse somente o vírus da tristeza em meu corpo, mas um formigamento era sentido em meu peito.

Eu não a veria mais. Nem o seu sorriso. Nem as suas mãos delicadas. E muito menos sentiria o seu perfume em minhas roupas depois daquele abraço materno.

Eu me sentia vazio.

E de repente, este ano estava sendo mais terrível que o outro.

Mas eu senti aquela voz. Não queria levantar minha cabeça. Para mim, era muito mais seguro fitar o caixão, agora já enterrado, do que ter um encontro com os cinza-tempestade. Katniss Everdeen desapareceu desde aquela manhã que eu acordara sozinho no meu apartamento; e, quando a ouvi novamente, uma sensação de alívio por ela estar bem preencheu todo o meu corpo. Uma espécie de morfina diante da dor que eu sentia.

Nenhuma criatura divina era capaz de saber o quanto essa mulher me deixou perturbado. Eu não havia pego seu número e não a encontrei em nenhuma rede social. Eu poderia até ter pedido alguma forma de contato para Mags, mas me abasteci esses seis meses apenas com respostas curtas e nada satisfatórias quando eu perguntava de Katniss — ou melhor, sobre seus “sobrinhos” — para Mags. O fato é que eu fiquei seis malditos meses procurando horas e horas por Katniss Everdeen no Google, Facebook, Twitter, Instagram — que eu criei somente para isso — e, sinceramente, até no Tinder e outros sites de relacionamento. Pesquisei até por Finnick, a fim de encontrar ela em seus amigos, mas nada. Ao que tudo me fazia acreditar, Katniss Everdeen não passou de uma miragem para mim.

— Peeta, oi. — Ah, não. — Eu iria perguntar com você está, mas... — Hubert espremeu os lábios, seu nariz já ficando vermelho, dando indicio de lágrimas.

Puxei o ar com força.

— Ela está em um lugar melhor agora — concluí, levantando o meu olhar já nublado para o homem parado em minha frente.

Embora ele não pudesse ver meus olhos vermelhos, por conta dos óculos escuros que eu usava, Hubert sabia que eu me encontrava em um estado deplorável, e ficar mencionando o assunto não era nada sensato para nós dois.

— Sim... — Ele respirou fundo. — Ela... Mags... ela deixou isso para você — disse fazendo força para não chorar. Hubert me entregou um envelope, nada de selo, somente um papel dentro de um invólucro.

Olhei para ele interrogativo, depois de ter analisado sua delicada letra no papel.

“Para meu querido Peeta”.

— Eu não sei o que tem aí dentro. Achei essa carta no meio das roupas dela hoje cedo. Acho que o assunto é destinado só a você. — Ele me encarou mais profundamente, e, mesmo que seus olhos fossem consumados pela tristeza, havia uma parte que escondia alguma coisa.

— Certo — respondi. Meu olhar ainda era interrogatório; Hubert queria me dizer algo.

— Peeta, já falou com Katniss e Finnick? — Ele pôs as mãos no bolso.

— Não. Eu já estou indo para casa. Acho que não aguento mais ficar aqui. — Tirei meus óculos, olhando o campo verde e cheio de flores do cemitério. — Além do mais, preciso dar comida para Ringo, desde ontem ao meio-dia o pobrezinho não se alimenta.

— Eu não te dei um cachorro para ficar dando desculpas. — Hubert me olhou bravo. Eu apenas suspirei, ele era uma espécie de Mags na versão masculina. Não era à toa que eles se davam tão bem.

— Eu tenho mesmo que ir. — Só que, dado momento em que eu soltei a frase, Katniss cruzou o meu campo de visão.

Incrível como essa mulher era bonita mesmo estando de luto. Seu vestido preto era mais longo do que o que ela usava na noite de Natal. Seus cabelos negros, caídos nos ombros, tinham o brilho que seu olhar não era capaz de ter. Mesmo triste, um rastro de felicidade passou sobre seus olhos assim que ela me viu.

Eu estava parado no lugar, assim como ela. Hubert, quando viu quem eu encarava, saiu educadamente, fazendo um pequeno aceno e um “Até mais, Peeta”.

Pensei em ir cumprimentá-la, meu corpo trabalhando para encontrar alguma saudação realmente boa e que não fosse patética. Porém, decidi que aquele não era o momento. Aquele não era o lugar. Aquela não era a minha vez.

Mexi meus lábios, um silencioso “Olá, Katniss” sendo gesticulado por eles. Ela curvou a boca em um sorriso sem mostrar os dentes, olhando para baixo.

Saí daquele lugar, entrando em meu carro e ligando o ar-condicionado.

Uma vez inverno; outra, verão. Quando essa mulher iria parar de aparecer e deixar meu coração batendo em um ritmo relativamente rápido?

~~

“Querido Peeta,

Antes de tudo, queria lhe informar que Hubert e quase todo mundo já esperava por isso. Eles sabiam que seria este o meu último Natal. Só não contaram a você porque... eu não permiti. Não queria que você fizesse tudo o que eu desejava só porque estou com o pé na cova, como eu bem sei que faria. Não. Os desejos devem vir espontaneamente. Meu pobre coração já estava exausto, acho que você deve ter ouvido eu comentar a quantidade de remédios que eu tomava. É frio pensar dessa maneira, mas a minha morte já estava marcada. Eu não aguentava mais. Larguei todos os medicamentos, tudo. Eu queria viver, e queria que vocês vivessem comigo.

Por conta disso, quando desisti de encontrar a cura para um milagre, há exatos cinco meses atrás, eu decidi fazer tudo o que não tive tempo quando mais jovem. Sabe, o Natal em família veio disso. Era com certeza o meu último, e eu queria que fosse especial.

No fundo, é decepcionante o quanto as pessoas deixam as coisas para última hora. Ah, eu me arrependo amargamente de não ter reunido todos antes. De não ter dado mais atenção ao meu marido; de não ter dado mais atenção a você, querido Peeta. Como eu me arrependo...

Pedi a Hubert que entregasse essa carta assim que ele achasse melhor. No dia do meu enterro, uma semana depois, um mês, tanto faz. Sendo que ele entregasse, já estava bom. Acho que o fará o mais próximo possível. Não lhe digo que ele concordou com as minhas atitudes, mas, em minha vida sou em quem manda.

Sinto os anjos massagearem meus ombros enquanto escrevo; deve ser algum sinal. Eu vi em você um filho desde que pedira um pouco de azeite em minha casa. Você sabe, em coração de mãe, sempre cabe mais um.

Mas, meu Deus, como eu odeio a sua vida. Você poderia sair por aí, sim? Ter algumas namoradas, alguns casos, tenho a breve impressão de já ter dito isso a você. Você acha que só porque a sua família não quer nada com você quer dizer que tenha que viver sozinho? Acorda, garoto. Pensei que fosse bem melhor do que isso. E não adianta resmungar. No fundo eu sei que a gente não manda no coração e não é dever seu arrumar alguém. Só que... você poderia se soltar um pouco, né, professor?

Ah, Peeta, como eu queria voltar a ser jovem. Não precisar depender desses remédios que me deixam tonta e mais morta do que viva. Queria poder curtir a minha vida, sabe? Sem precisar trocar fralda de criança ou depois ver seu filho se formando na faculdade e chorar até não poder mais por pensar que os meus bebês estavam crescidos. Queria poder ter o gostinho de voltar mais tarde para casa, bêbada, e cometer loucuras. Queria ter sentado na grama e ser mordida por formigas enquanto assistia ao pôr-do-sol. Deus que me perdoe, mas teve vezes que eu queria estar de ressaca por causa de uma superfesta do que sentada no banco da igreja, assistindo a Missa.

Casei com Hubert muito cedo. Mas, mesmo que eu não tenha curtido mais um pouco o meu tempo de solteira, aproveitei minha vida. Amo Hubert com todo o meu falho coração, e tenho certeza que ele me ama também. Gale foi fruto do nosso amor; e meu netinho, então, fruto do fruto. Claro, para mim, um casamento um pouco mais tarde seria melhor... Eu poderia ter me divertido mais, com certeza.

O que eu quero dizer, Peeta, já está nas entrelinhas. Eu vi o jeito que você olhou para Katniss, e, por favor, não negue; sei que rolou alguma coisa com vocês também. Todos os dias eu ouço a frase “Como está aquele seu vizinho?” ou então “Como estão os seus sobrinhos?”. Sabe, cansa. Achei que minhas respostas curtas fariam vocês terem desejo de se encontrarem. Mas... me enganei. Resolvi que não faria mais nada. Não agiria de cupido novamente, como fiz naquela noite ao mandar Katniss para a sua casa. Ficou surpreso? Foi tentador perguntar a você o que aconteceu com os dois naquela madrugada. Mas, posso imaginar, já que jurei ter visto Katniss sair aqui de casa com uma camisa que não pertencia a ela. O que quer que você sinta por ela, é recíproco, pode ter certeza.

Não demore, Peeta, o amor corre das mãos assim como sabão. Me desculpe por não ter reunido todo mundo antes no Natal, foi um erro que eu cometi escolhendo deixar as coisas para última hora. Eu deveria ter feito tudo antes, e não depois. Não cometa o mesmo, por favor.

O discurso inteiro, você já sabe. Tenho breves flashes de ter contado a você alguma coisa parecida na noite de Natal. Sabe como é, velhos como eu não deveriam ficar bêbados. Se já não temos filtro como antes, imagina quando estamos sob efeitos de uns drinques a mais.

E eu devo ter mentido para você se realmente falei que poderia passar o Natal tomando whisky — acho que disse isso somente depois que eu morresse. Você não pode, nem que eu esteja morta, ouviu?

Mais uma coisa. Como eu sei que você, Peeta Mellark, não pedirá o número de Katniss para mim, e muito menos ela fará o mesmo, eu queria, sinceramente, que vocês não se encontrassem só no dia do meu enterro. É estranho dizer isso, mas é verdade.

Pelo visto, esse desejo meu também não será realizado; então, Peeta, agarre essa mulher. Prenda ela, roube ela, sequestre ela. Se não o fizer por você, faça por mim, e que se dane essa coisa de ser espontâneo. É uma ordem minha.

Eu te amo, Peeta. Como uma mãe ama um filho.

Cuide bem dos meus sobrinhos-netos, considerando que serão seus filhos.

Aproveite,

Margaret Odair, 16 de maio de 2016.

— Ringo? — Limpei as lágrimas que insistiam em cair no meu rosto. — O que você quer para o almoço? Patê de carne de cordeiro ou picadinho à moda? — Ele me olhou, balançando o rabo. — Hoje, eu não vou fazer comida, tenho coisas mais importantes.

O cão apenas grunhiu, preparei a sua refeição e peguei as chaves do carro.

Os deuses que abençoem Mags Odair e toda a sua genialidade.

~~

— Hubert? — chamei, assim que bati na porta e ela foi atendida.

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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Hum... não. Mas posso chamar ele se você quiser — Katniss disse, abrindo a porta. Seu rosto ainda estava inchado e vermelho, dando-me um aperto no coração por vê-la naquele estado. Eu era capaz de fazer de tudo para que um sorriso presenteasse sua face.

— Não precisa. Era com você mesmo que eu queria falar. — Notei sua sobrancelha direita sendo erguida, mas, antes que ela fosse fazer qualquer coisa, eu continuei falando. — Você quer... sei lá, tomar um café?

— Não, acho que não estou em clima — ela falou e eu um frio se espalhou por minhas células. Eu era um idiota. — Pode falar aqui mesmo.

— Mas, e Hubert? — perguntei.

— Ele não está em casa, sou a única aqui. Todos ainda estão lá no... — Ela engoliu seco. — Você sabe.

Puxei o ar com força.

— Sim — confirmei.

— Entre, por favor. — Ela abriu mais a porta e foi para o lado, indicando passagem.

Assim que coloquei meu pé no chão do cômodo, senti um choque subir os meus pés e seguir até a minha cabeça. Era a primeira vez que eu entrava ali, sentia o cheiro de Mags, e não via ela vir correndo me abraçar.

Suguei o oxigênio com força, desejando que o perfume de Mags entrasse em mim e nunca mais saísse.

No entanto, senti outro cheiro ser misturado no lugar.

Katniss. Katniss por toda parte.

A raça feminina ainda seria responsável por me deixar louco.

— E então, Peeta... — ela começou — O que veio fazer aqui? — Direta como sempre. O meu desejo por ela só aumentava quando agia assim; como se uma força insuportável dentro de si mesma gritasse para que ela agisse logo, sem preliminares.

— Vou ser direito — comecei, mas logo fui interrompido.

— Ótimo, eu odeio quando as pessoas enrolam. — Sufoquei uma risada. Isso era tão Katniss que chegava a ser assustador.

— Bem, eu... — hesitei — Você... não se lembra da madrugada que bateu na porta de meu apartamento? — disse, me sentindo patético.

Eu estava sentado na cadeira da cozinha, apoiando meus braços na mesa e estralando minhas mãos por puro nervosismo. Katniss mantinha-se escorada no balcão da cozinha, de braços cruzados.

Ela arregalou levemente os olhos.

— Você está enrolando... — disse, suspirando.

— Apenas me responda — retruquei, passando a mão em meus cabelos. A minha tensão chegava a ser palpável; ela era expelida por cada um de meus poros, e Katniss percebeu isso, ficando imediatamente no mesmo estado.

— Eu tenho alguns flashes. Sei o que rolou, não sou burra. Mas não tenho a nítida memória da noite por inteiro — ela jogou, sem travar em nenhuma das palavras. — Aliás, obrigada por ter me ajudado. Mas, continue. — Acenei positivamente.

— Acontece, Katniss, que desde aquele dia eu não consigo parar de pensar em você. Como se você fosse nicotina, como se fosse uma feiticeira, como se fosse qualquer coisa altamente viciante e dependente. É terrível, como se eu estive hipnotizado por você. Todas as horas do meu dia são destinadas a um único pensamento desde aquela madrugada. Eu não sei se você sente o mesmo, não sei nem o que eu sinto. Mas, algo lá no fundo me diz que não é normal, que não é apenas uma atração momentânea ou alguma paixão de dias. Algo, ou melhor, alguém me disse que a gente tem que quebrar a cara de vez em quando. E, sabe, por alguma razão eu sinto que está na hora de eu pôr meu coração em jogo, mesmo que ele saia partido. — Puxei o ar com força. — Katniss Everdeen, eu estou apaixonado por você. — Finalmente encarei verdadeiramente seus olhos. Maldita fosse Katniss e sua capacidade de camuflar seus sentimentos através deles. Notei que ela se aproximava de mim cautelosamente.

E então, Katniss selou nossos lábios. Ela não gostava de preliminares. Ela não queria enrolações. O texto altamente romântico que eu disse a ela não passou de desperdício de tempo; eu poderia muito bem ter vindo aqui, dito a última frase que saíra de minha declaração, e logo ter provado o sabor de seus lábios.

Mas, quem iria me garantir que ela aceitaria?

— Peeta... — Ela se aproximou. — Eu disse que você enrola demais.

~~

Um ano depois...

— O Central Park é lindo. — Ela olhava as árvores com a boca aberta. — Ainda mais no verão.

Estávamos deitados na grama verde do Central Park. As crianças brincavam ao nosso redor; famílias soltavam seus cães; idosos faziam caminhadas de mãos dadas; namorados sentavam sob a sombra de alguma árvore; o verão nascendo calmo como a primavera e aconchegante como o inverno.

Eu não poderia estar mais feliz; e Katniss era a razão por toda a felicidade que emanava de meu ser.

Não vou dizer que foi fácil convencê-la a ficar morando comigo durante as férias de verão. Demorou alguns dias, muitas horas e bastante paciência e insistência por minha parte, mas eu consegui. O que Katniss tinha de impulsiva, tinha de teimosa. Mas, enquanto eu era abençoado por ter uma paciência digna de professor, estávamos bem.

Katniss se mostrou muito mais interessante do que eu imaginara. Ela odiava cheiro e o sabor de iogurte; eu, comia todo dia no café-da-manhã. Quase que ironia, eu não suportava o cheiro do café; ela, não podia passar um dia sem tomar um. Ela descobriu que eu era louco por astronomia, e só depois percebi sua tatuagem de Saturno. Katniss amava cães, amava Beatles, amava espelhos, amava xingar em alemão, amava riscar as paredes de sua casa, amava pintar, amava viver, e, embora cedo, eu amava ela.

Havia muita coisa para ser descoberta por nós, mas, aos poucos, íamos nos adaptando e conhecendo mais um ao outro. O essencial já tínhamos.

Ela era a musa das canções de amor; era a Julieta por quem Romeu se apaixonou e a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci. Ela só não era a mulher dos meus sonhos, porque ela era real.

Ela era minha.

Olhei para o céu azul sob nós. Sorri, imaginando que Mags fosse a nuvem que enfeitava o céu.

— Sabe, Katniss, certa vez alguém me disse que a gente tem que quebrar o coração. — Continuei olhando para o céu.

Ela riu suavemente.

— A mesma pessoa que disse que a gente tem que parar com “essa mania de saber o que é melhor para nós mesmos”?

— Essa mesma. — A essa altura, Katniss já havia percebido de quem eu falava. Não foi preciso palavras, era só somar dois mais dois.

Fitei seus olhos cinzas e ela, fitou os meus azuis.

Quanto vale um amor? Quanto vale quebrar um coração? Quanto vale ter alguém que te ame ao seu lado? Quanto vale um coração batendo mais rápido por causa de um sorriso? Quanto vale viver?

Me aproximei de seu rosto, ficando por cima dela. Meu braço estava sustentando meu corpo. Eu podia sentir com mais intensidade aquele perfume que fiquei madrugadas apertando o travesseiro contra mim para que ele impregnasse no meu corpo e nunca mais saísse dali. Aproximei meu rosto do seu, selando nossos lábios.

Muito melhor do que eu poderia me lembrar. Ela, mesmo que não soubesse, tinha posse de cada célula do meu corpo. Como se cada uma gritasse com força “eu pertenço a Katniss Everdeen”.

Quando paramos nosso beijo, eu continuei segurando suas costas, que eu nem havia percebido que puxara, enquanto mantinha o equilíbrio de meu corpo com o outro braço. Eu olhava para Katniss com tanta intensidade... Deus, eu era louco por essa mulher.

Semicerrei os olhos, procurando algum traço que me indicasse se aquilo poderia ser falso. Se tudo isso que eu estava enxergando não passasse de uma imaginação.

— Peeta? — ela chamou. — Você parece tão sério... — Riu.

— Como?

— Sei lá, como se estivesse perdido e estava me procurando, sabe?

Talvez não fosse a hora de ela saber. Saber que eu era capaz de passar o resto da minha vida sofrendo, se isso garantisse que no final ela estaria comigo. Saber que eu poderia enfrentar qualquer desafio que viesse, qualquer coisa, se ela estivesse ao meu lado. Saber que eu poderia quebrar o coração trezentas vezes, se ela me abraçasse forte e colasse todas as partes novamente.

Tudo tinha o seu tempo. Talvez cedo demais, talvez tarde. Não havia meio termo.

Por ora, decidi responder o suficiente.

— E era. — Ela me olhou. — De alguma maneira, parece que eu procurei por você a vida inteira.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.