“Pode me falar de novo aquele poema?” disse a mulher de cabelos brancos e vestes negras enquanto ia até a beirada do rochedo e olhava o mar, o vento carregado de maresia fazendo os fios brancos esvoaçarem.


“Qual deles?” perguntou Tom, deixando os dedos brincarem com as cordas da harpa, antes de olhar a outra.

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“Aquele da flauta.”


“A todas vocês, que eu amei e que amo, ícones guardados num coração-caverna, como quem num banquete ergue a taça e celebra, repleto de versos levanto meu crânio,” murmurou Riddle, tentando fazer com que as suas palavras seguissem o ritmo das notas de sua música. “Penso, mais de uma vez: seria melhor talvez pôr-me o ponto final de um balaço. Em todo caso eu hoje vou dar meu concerto de adeus. Memória! Convoca aos salões do cérebro um renque inumerável de amadas. Verte o riso de pupila em pupila, veste a noite de núpcias passadas... De corpo a corpo verta a alegria. Esta noite ficará para a História: hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras.”


O silêncio caiu entre eles, apenas o mar e a harpa continuando com seus sons em um dueto interessante e suave.


“Tem outro... Ouvi você o recitar diversas vezes para si mesmo,” disse a mulher, antes de se virar. Tom se perguntava como a magia conseguia fazer aquilo. Ele sabia que aquela, definitivamente, não era Lady White, a magia era diferente (mais áspera e fria, não tinha o mesmo conforto morno e suave da magia da bruxa), mas ela era tão igual que chegava a assustar.


“Você partiu, como se diz, para o outro mundo. Vácuo... Você sobe, entremeado às estrelas...” o homem começou a falar, deixando a voz ir sumindo aos poucos. Não iria conseguir falar todo o poema, machucava demais. “Nesta vida, morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício.”


“Ele estava certo nisso... A morte é fácil. Não para mim, é claro.” Ela riu. “O trabalho pesado sobra para mim.”


“Sinto muito.”


“Estou acostumada,” ela falou, voltando a se aproximar do homem. Tom abaixou os olhos ao senti-la se sentar ao seu lado. A mão que segurou a sua, no momento seguinte, não era mais a mão de uma mulher, mas sim um aglomerado de sombras e magia que se enroscava em seus dedos e pulso.


“Por que você não veio antes?” ele perguntou baixinho, soltando a harpa e olhando o mar. A água estava acinzentada como sempre e o horizonte quase se confundia com a água, já que o céu também se mostrava nublado.


“Quando você me chamou? Não era a hora.” A voz da criatura agora estava diferente também. Parecia uma mistura de diversas vozes e sotaques diferentes. Era suave, acolhedora. “Você tinha muito o que viver ainda, muito o que fazer...”


“Não sei se fiz muita coisa.”



“Ah, fez.” Ela riu. “Você viveu o suficiente para se tornar imortal, meu amigo.”
“Eu estou morrendo e você está dizendo que sou imortal?” O homem riu.


“Imortalidade não é apenas o que você está pensando, Tom. Talvez... Thomas Felix Riddle está morrendo, mas Beedle, o bardo, irá viver para sempre,” a criatura explicou. “Apesar de que não acho que Tom também está morrendo no momento. Ainda tem gente que se lembra dele. Você só morre quando todos se esquecem da sua história.”


“Você a tocou também, não é?” Riddle perguntou, rindo fraco. “A moça com olhos de estrelas.”


“É uma velha amiga.” Ela falou, dando de ombros.



“Se a ver de novo, diga que mandei um olá.”


“Você mesmo vai dizer isso à ela, Tom.”


O homem respirou fundo, antes de apoiar-se melhor contra a criatura. Estava cansado e tocar a harpa era uma das poucas coisas que conseguia fazer ainda... Agora que percebia como o mar nunca havia mudado, em todos os mais de quarenta anos que permaneceu ali. Era o mesmo mar, a mesma cor cinzenta, a mesma maresia fresca, o mesmo cheiro de sal e o mesmo som das ondas quebrando na praia, embalando-o como se fosse uma canção de ninar. Era bom, era quase como estar em casa.

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Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.