Entre Dois Mundos

Capítulo II


Capítulo II

As ruas da cidade são maravilhosas, não preciso nem comentar as praças. Existe uma em especial que eu adoro. Quando éramos menores, eu, Nico e Thomas, íamos até ela. Suas árvores enormes deixavam sombra por todo o lugar, raro onde se encontrava grande quantidade de sol. Nós tínhamos um lugar especial (ainda mantenho isso com meu irmão mais novo). Quando encontramos, Thomas estava acabando a escola, acho que ele tinha por volta dos dezessete anos, eu tinha doze e Nicolas tinha quatro. Quando Thom não tinha aula até às dezessete horas e pouca tarefa de casa, tirávamos o resto da tarde para ir lá. Levávamos uma toalha para nos sentarmos, comida e o carrinho de Nico, caso ele ficasse cansado. Aquele local foi o ponto de muitas memórias. Uma vez, como aquele tinha virado o “Canto dos Benk”, Thomas teve a ideia de levar um balanço de madeira e pendurar em uma das árvores que têm lá. Passamos a tarde inteira brincando como crianças, o que no meu caso e de Nico era literalmente.
– Chegamos.
E então percebi que teria que ir para um lugar cheio de desconhecidos.
Saio do carro e pego a mão do meu irmão, usando-a como conforto, coloco a mochila cheia de pingentes e broches nas costas e então seguimos para os portões da escola. Andando de mãos dadas com ele, percebo que o lugar parece muito com o internato do filme “Garota Mimada”, as diferenças são apenas que meninos são permitidos e não tem a exigência de uniformes.
– La, eu to nervoso – Nico puxa meu casaco como uma forma de chamar atenção a ele.
– Não tem por que, Ni. Tá vendo aquela sala lá, onde tem um monte de criança brincando? Pois então, aquela é a sua nova sala e as crianças são seus novos amigos.
Empurro seu cabelo enrolados para trás e beijo sua testa.
– Agora, vai lá.
E com um abraço de despedida e um sorriso, Nícolas anda até a sua sala.
E então percebo como tudo mudou. Agora meu irmão mais novo não é tão dependente assim e o meu mais velho nem aparece mais com tanta frequência em casa, por causa do seu cargo-horário pesado.
Ando um pouco, em busca da sala da diretora.
– Bom dia, precisa de alguma ajuda?
Uma moça que aparentava ter quarenta anos, bem arrumada – coque alto, e uma roupa social preta – parou na minha frente.
– Sim, sou nova. Alana Benk.
– Claro, da escola Harmoy, onde houve o incêndio?
Assenti com a cabeça.
– Pois bem – disse colocando os óculos para ler a ficha – sua sala é a 9º “A”, segundo andar, no final do corredor.
– Obrigada.
As pessoas aqui não aparentam serem ruins, no sentido de acontecer brincadeiras de mau gosto com frequência. Mas com certeza existe alguém que faça isso, só não a conheço ainda. E espero não conhecer.
Chegando à minha sala, ainda vazia pelo horário, sento em um lugar bem estratégico: no final da sala, na parede e na fileira da porta. Com o tempo as pessoas foram chegando, a sala não estava vazia como antes.
Logo a aula de português começa com a chegada de uma professora de baixa estatura e cabelos negros compridos.
– Bom dia, vejo novos rostos. Meu nome é Polyana. Para facilitar a apresentação de vocês, vamos começar por filas. A primeira da parede.
Aponta para uma menina de cabelos castanhos.
– Sou a Melody.
– Íris.
– Alexy
– Rosalya.
Ai. Socorro. A Próxima sou eu.
– Er, Alana.
– Nunca te vi antes, novata?
– Sim – paro um pouco – transferida da Harmoy.
– Seja bem vinda – agradeço com a cabeça – Próximo.
– Castiel.
E assim continuou até chegar na última pessoa.
– Agora que todos já conhecem os nomes de todos, vamos fazer uma dinâmica. Alana, uma cor. Sua favorita de preferência.
– Hum – paro pra pensar – Preto.
– Certo, quem mais tem essa cor como favorita?
Quatro alunos levantaram a mão.
– Alana, Armin, Spencer, Castiel e?
– Themis.
– E Themis. Cinco alunos. Vocês irão se juntar no canto da sala, com as cadeiras em forma de círculo e farão perguntas. Tipo: do que gosta, o que ouve, o que gosta ou não gosta de comer. Para se conhecerem.
Pelo meio da sala uma menina de cabelos castanhos levanta a mão.
– Sim, Debrah?
– Minha cor favorita também é preto – diz sorrindo enquanto olha para o menino de cabelos negros atrás de mim – posso fazer parte do grupo do Castiel?
– Se fosse realmente sua cor favorita você teria levantado a mão antes. Então, não. Você vai entrar em outro grupo.
Já que eu, Castiel e Themis estávamos mais próximos e no fundo, os outros dois trocaram de cadeira para ficar mais simples a organização. Enquanto fazíamos o círculo, a professora separava os outros grupos. Depois de arrumados, ficamos em silêncio encarando uns aos outros.
– Então – diz um menino de cabelos castanhos – alguém conhece o LP?
Todos dizem que sim.
– Nossa, achava que eu era o único – sorriu – bom saber.
– Também achava. Pensar que é a única soldier em uma sala é deprimente – diz Themis. Ela é branca e tem o cabelo descolorido – Alguém assiste Criminal Minds?
Incrivelmente ninguém ali acompanha, incluindo a mim.
– Gente, não é possível. Vou voltar para o mundo da escuridão?
Eu estava rindo que nem uma doente. Talvez por ter me identificado.
– Tá rindo do que, novata?
– Nem eu mesma sei. – continuei rindo o que contagiou todos no círculo.
E essa foi a aula de português, rindo, descobrindo coisas novas e brincando. Até que o sino para a próxima aula tocou e todos começaram a se retirar da sala.
– Por que todos estão saindo? – disse acompanhando-os com os olhos.
– Aula de educação física, vamos pra o ginásio agora. Vem – Themis me puxou pela mão e saiu correndo.
Chegando lá, ainda acompanhando a correria dela, ela foi para as arquibancadas e pediu que eu sentasse ao seu lado.
– Pra que essa correria toda, mulher? Eu sou idosa, não tenho mais esse pique. – disse rindo tentando recuperar o ar.
– Porque essa é uma das melhores aulas do dia.
Deu para perceber que ela estava procurando por alguém. Seu olhar estava frenético pela quadra.
– Se é a melhor aula, por que a gente não participa dela?
– Querida – disse rindo – olha a minha cara de quem gosta de fazer aula de educação física.
– Então... Não te entendi. – a olho confusa.
Acho que eu não deveria ter perguntado, ela acabou ficando vermelha.
– Que bicho te mordeu, The? Eita, posso te chamar de The?
– Pode, sim. – Sorriu – é só que...
– Fala logo, menina.
– É que. Bem. Sabe o Spencer? O que sentou com a gente na roda.
Concordei com a cabeça.
– Pronto. Er, eu gosto dele.
– Ownt! – apertei suas bochechas – que fofo! Já contou isso a ele?
– Mulher, você tá louca? Fumou o que antes de vir pra escola?
Ficamos conversando sobre possibilidades de como ela poderia falar com ele - dizendo na cara de pau, mandando mensagem, carta, presente, esbarrar com ele e dizer "eu gosto de você" e sair correndo. todas essas possibilidades. Essa conversa durou até o final da aula de educação física, felizmente o professor não fez questão para que participássemos.
Depois de mais algumas aulas de conversa com a The, chegou o intervalo. Sim, a Themis virou uma matéria porque a gente não parou de conversar um minuto. Talvez a gente tenha ficado um pouco quieta quando o Castiel se alterou, mas enfim. Isso é detalhe.
No intervalo, nós cinco ficamos em uma das árvores do pátio do colégio, perto da quadra aberta. Foi muito engraçado. O Armin derrubou seu refrigerante no Castiel sem querer, ótima forma de descobrir que ele é cabeça quente. Enquanto o Armin fugia dele, eu, The e Spencer estávamos rindo que nem retardados porque no tempo que o Castiel tava "caçando" o Armin, o Armin ficava fazendo palhaçada, o que fez até o próprio Castiel rir. Eles chegaram cansados e se deitaram na grama, ofegando. Eles são tão brancos seus rostos ficaram vermelhos de tanto correr.
O final do dia foi mais calmo. Talvez porque aquietamos o facho após o intervalo.
Finalmente tocou o sinal para a saída. A aula tava tão entediante que tinha um Castiel dormindo atrás de mim, foi um trabalho pra acorda-lo. Quase cogitei a ideia de jogar água na cara dele. Certeza que ele só dormiu porque eu e a The paramos de conversar, sem a gente ele não tem do que reclamar.
Vou na sala do meu irmão para esperarmos nosso pai no portão, mas isso só hoje. Nos outros dias eu vou andando com o Nícolas até em casa. Não é tão longe, dá pra sobreviver sem ter alguma desidratação. Tá, estou exagerando.
– O que acho do dia, Nico? Fez amigos?
– Sim! - ele pulou, o que me assustou um pouco - Mas eu tava com medo quando eu entrei, lembra? Aí vieram falar comigo e fiz um, dois, três quatro - ele contou nos dedos - cinco. Cinco amigos! o Jonas, a Polly, o Gui, a Hadassa e sabia que tem um menino com o nome do nosso pai? O Marcos. Achei tão legal! Aposto como o papai vai gostar de saber! Mal posso esperar.
Seu sorriso é bastante contagioso, deve ter puxado isso do pai.
No caminho para casa, passamos por um lugar novo. Enquanto meu irmão falava animadamente com o papai sobre a escola, principalmente do seu amigo Marcos, eu percebi que conheço nada sobre a minha cidade. Ela é cheia de confeitarias, tem uma livraria dentro de uma cafeteria (irei várias vezes nesses dois lugares) e um parque que lembra muito o exterior, tudo isso em um caminho que me era desconhecido para a minha casa.
– E então, Alana, como foi a escola? O seu irmão adorou o dia dele.
– Ah, foi bom, papai. Já conheci algumas pessoas. - respondi olhando para a janela.
– E como elas são? - perguntou sugestivo.
– Bem, a Themis é meio piradinha da cabeça, sabe? Mas ela é bem legal. Em um único dia a gente passou do nível colega pra amiga. Também conheci o Armin, o Spencer e o Castiel. Nós cinco conversamos muito hoje. O Armin derrubou refrigerante no Castiel. Foi muito engraçado.
Quando menos esperava, percebi que estava olhando para as árvores e sorrindo, lembrando do dia de hoje.Eu gosto de falar sobre eles, mesmo em pouco tempo, sinto que criamos um grande laço.

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