Era uma vez um palhaço e uma bailarina.

O palhaço tinha o melhor ofício de todos! Carregava sorrisos numa bandeja e jogava para arquibancada. Adorava a alegria, a animação, a recepção.

Vez ou outra, brigava com uma teimosa neblina que insistia em persegui-lo. Brigava, brigava, brigava. E quanto mais brigava, mais risos surgiam de sua linda plateia.

Eis que um dia algo aconteceu: uma doce donzela levantou-se e sorriu para ele. Procurou um caminho entre as pessoas e desceu para o palco, no centro da lona. Lá, pulou para alcançar a neblina, sem sucesso.

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— Não adianta — ele suspirou, tristemente — Ela nunca vai embora!

— Eu tive uma ideia! E se a gente apertar bem forte? E derreter a chuva?

A plateia adorou a sugestão. Bateram palmas, incentivando-os a continuar.

— E como você faz isso? — perguntou, erguendo a sobrancelha.

— Na hora você me levanta, tá bom?

— O quê? Hã?

A donzela sorriu e começou a rodopiar, delicadamente. Já estava de sapatilhas nos pés. Rodou, rodou, e rodou. O palhaço, meio desajeitado, ergueu-a alto o suficiente para ela apertar bem forte a neblina acima dele.

— Chuva!

Ambos começaram a rir, e a plateia também. Ele girou-a no chão e dançaram entre os pingos d’água. O publico continuou aplaudindo, até que eles fossem embora, por trás das coxias.

— Como é seu nome? — o palhaço perguntou, sentando-se no batente da rua.

— Cecília. E o seu?

— Zé. Mas todos me chamam de “bobo”.

— Bobo? Mas por quê?

Zé deu de ombros, enquanto respondia, de modo cantado:

— Não... sei! Eu só sou um palhaço. Um bobo da corte. Acho que é isso. Ou talvez porque eu seja engraçado. Não sei.

— E eu também só sou uma bailarina. E o quê que tem? É legal. Eu gosto de palhaços.

— E eu gosto de bailarinas.

Ambos riram, momentaneamente envergonhados. Zé não passava dos dezesseis anos. Cecília devia ter uns quatorze. Ficaram observando as estrelas, contrastando com as luzes do circo.

— Também gosto de estrelas.

— E da lua, Zé? Não gosta da lua?

— A lua é uma só. As estrelas são muitas. Que nem nós. Somos todos iguais.

— Você tá certo.

— Ei! Quer ir na quermesse?

— Mas eu não tenho nem um laço de fita, Zé. Olha como estou suja!

Zé sorriu de modo travesso e enfiou as mãos dentro dos bolsos. Tirou de lá um monte de fitas e se ajoelhou atrás da nova amiga. Pegou fio por fio do cabelo dela, fazendo uma miscelânea de tranças, um penteado doce e fofo.

— Está linda!

— E você?

— Eu? Eu vou assim!

Zé estendeu a mão para Cecília, arrastando-a consigo para as barraquinhas que se estendiam pelo imenso luar.

— Algodão doce! Vamos comprar um? Vamos, vamos?

O palhaço deu um longo suspiro enquanto sua nova amiga pulava de barraca em barraca.

— Claro — forçou um sorriso e estendeu umas duas moedas para o vendedor de algodão-doce — Uma nuvem colorida para a bailarina mais maravilinda desse sertão!

O vendedor, um senhorzinho, riu-se, bondosamente.

— Arrumou uma namorada, Bobo?

Cecília se escondeu atrás do pacotinho de algodão-doce, completamente tímida.

— Arrumei uma Cecília. Será que dá no mesmo? Ou arrumei errado?

— Eu acho é que tu acertou direitinho, viu?

— Se-rá?! — Zé perguntou, de modo cantado, fingindo estar pensando — Cecília? Cadê essa menina?

— Eu tô aqui, Zé! — saiu por detrás do saquinho, e começou a comer o algodão-doce.

— Você é uma Cecília ou uma namorada? — perguntou o velho, achando graça.

— Não sei dizer não, senhor. Eu só sei que sou bailarina.

— Nem uma coisa nem outra? Ora! Somos dois burros, seu Frederico!

Os três riram, divertindo-se com a brincadeira. De repente, Cecília cutuca o palhaço ao seu lado.

— Olha, eles estão dançando! Vamos? Por favor!

Fora a vez de Cecília arrasta-lo para onde havia uns sanfoneiros.

Seu Frederico sorriu ao ver as crianças correrem para o centro da rua, alegremente. Zé quase tropeçava em suas próprias pernas, tão finas que eram. Segurava a mão de sua Cecília, que mesmo correndo parecia dançar entre os pedregulhos do chão.

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Surpreendentemente, Zé dançava até direitinho, desincorporado de seu personagem do circo. Dois para cá. Dois para lá. Gira.... Volta.

— De onde você é, bailarina?

— Sou daqui mesmo, bobo. E você? De onde que vem esse sotaque engraçado?

— Eu não tenho lugar, não, senhora. Sou de vários lugares. Viajo através dos céus, dos mares, das florestas, da caatinga.

— É mesmo?

— É sim, senhora.

— Pare de me chamar de senhora!

— Por que, senhora? A senhora acha engraçado, senhora? Pois então que vou ficar chamando a senhora assim, senhora.

— Bobo!

— É o meu nome!

— Você é legal, Zé. Até quando fica aqui?

— Não tenho hora não. A gente pode dançar até o sol raiar. E você? Cadê seus pais?

— Estão aqui também. Na quermesse. Eles não ligam não. Tão me olhando de lá. Eu já vi.

O palhaço girou-a em seus braços, em rodopios longos e engraçados. Divertiam-se num forró meio improvisado, meio aleatório.

Cecília tinha olhos lindos, Zé observou. Olhos amendoados. E um sorriso iluminante! Ela havia sido a única a não precisar de um sorriso emprestado. Cecília tinha para dar e vender.

Quanto a Zé, oh, Zé! Uma gravatinha cor-de-abóbora, surrada, e um par de tênis vermelho. As vestes todas descombinadas, e um chapéu-coco de mil novecentos e lá vai fumaça. E seu sorriso, onde estava, meu Deus? Se vendia sorrisos, por que não comprava algum? Por que não duravam?

— Tá pensando o quê, Zé?

— A nuvem tá voltando, Cecília. Olha ela ali.

— Ué, eu não estou vendo!

— Cecília, eu tenho que ir embora!

— Fica mais um pouquinho. Até o dia raiar.

— Já tá raiando. Olha lá o céu, Cecília!

O sol realmente estava próximo. As estrelas davam adeus. A neblina teimava em perseguir o pobre palhacinho.

— Ei, Zé! Aonde você vai? Não vai nem me dar tchau?

— Odeio despedidas. Hoje mesmo a gente vai embora. Odeio, odeio, odeio!

— Mas, Zé! Quem vai apertar a nuvem agora?

Zé olhou para cima. A nuvem estava carregadíssima, pronta para chover novamente. O palhaço hesitou.

— Foi sempre assim!

— Mas pode ser diferente! Tem alguma bailarina nesse circo?

— Não. Por quê?

— Você disse que não gosta de despedidas. E eu gosto de palhaços. E você gosta de bailarinas.

— Aonde você quer chegar com isso?

Cecília sorriu até mesmo com os olhos, e inclinou-se na ponta dos pés para alcançar o rosto do novo amor. Beijou-o delicadamente, arrancando um novo sorriso do tristonho palhaço.

A nuvem, acima de sua cabeça, voou para longe. Cecília, no entanto, falou-lhe:

— Já entendeu?

— Não... — sorria, bobamente, enquanto a menina dava risadinhas.

— Estou indo onde o vento leva a gente. Pra bem longe da neblina. Já disse que adoro palhaços de circo?

— Não tanto quanto adoro bailarinas de palhaços!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.