Mais uma entrevista de emprego e mais um “você não atende às nossas expectativas” eu recebo. Eu mereço! Essa é a terceira negativa só essa semana. Se continuar assim eu vou terminar embaixo da ponte e mendigando um dinheiro. Estou com o aluguel atrasado há dois meses e não quero ter que pedir ajuda aos meus pais. Eles bem que me avisaram que não era pra mim me aventurar, mas preciso mostrar que já sei me virar sozinha, ora essa! Já estou muito velha pra ficar debaixo das asas de mamãe. 32 anos na cara e ainda não dei um jeito na minha vida, vergonhoso!

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Ei, aquela lá do outro lado da rua é a Isabel, minha amiga de muitos anos. O que essa louca faz no centro do Rio?

-Isabel! –Gritei e ela se virou.

Atravessei a rua e fui dar um abraço na minha amiga que não via há quase um mês.

-O que faz por aqui, sua louca? Não estava trabalhando num rancho? –Perguntei.

-Estava, mas pedi as contas.

-O quê?! Eu aqui me matando pra ver se consigo arrumar algo e você pede as contas.

-Ah, Sofia, meu chefe é muito chato. Ninguém aguenta trabalhar pra ele por muito tempo. Ele tem até um apelido “carinhoso”. O chamamos de Animal.

-Se eu tivesse um emprego como o seu, garanto que domaria esse animal. Mulher, cê é louca. Com um emprego desses, nunca pedia as contas. Você tinha, além do seu salário, moradia e comida de graça.

-Não vale o esforço. Minha paz é preciosa demais para um Animal me tirar ela. Mas, acho que eles ainda estavam procurando uma outra substituta pro meu posto. Se você não se importar de trabalhar pra um homem estúpido e grosso, posso fazer uma ligaçãozinha e ver se o cargo ainda está vago.

-Faria isso por mim?

-Se o Moacir atender, podemos ver. Lá o sinal quase não pega, mas, às vezes, damos sorte.

Ela ligou, falou um pouco e abriu um largo sorriso. Acho que o cargo está vago.

-E então? –Perguntei.

-O cargo ainda está vago, mas você precisa ir lá hoje.

-Hoje?! Mas eu tenho outra entrevista em uma hora.

-Você quem sabe. A outra entrevista é para quê?

-Atendente de loja.

-Acho que é tão estressante quanto o trabalho com o Animal, mas lá você ganhará mais. Ele pode ser grosso, estúpido e até arrogante, mas não é mesquinho.

-Mas pra mim chegar lá hoje vai ficar ruim. Ele mora lá onde Judas perdeu a bota e eu não tenho um centavo pra pagar a passagem do ônibus. Se fosse amanhã, eu até poderia arrumar uma grana emprestada, mas hoje, impossível!

-Você quer mesmo esse trabalho?

-E que escolha eu tenho? O meu aluguel já tá atrasado, não poderei me dar ao luxo de escolher.

Ela tirou um papel da bolsa, anotou o endereço, pegou a carteira e retirou 100 reais e me entregou. Fiquei sem graça de aceitar, mas realmente preciso do emprego. Prometi devolver com juros para ela assim que recebesse.

***

E me aventurei. A verdade é que tinha mais chances com esse emprego de empregada de fazenda do que como vendedora. Hoje em dia pedem estudo pra tudo e eu só tenho o fundamental, não tenho o ensino médio. Esse é um dos grandes problemas da minha vida. Ah se tivesse escutado meus pais e terminado o colégio.

Cheguei depois de mais de 2 horas de ônibus e ainda tive que caminhar durante uma hora, numa estradinha de terra batida, até avistar uma grande casa de fazenda. Gente, é linda e enorme. Essa tranqueira deve ter mais de 10 cômodos, brincando. Parece aquelas casas coloniais. Entrei lá, morta de cansaço e desmanchando de suor. Fui atendida por um senhor. Parecia ter lá seus 60 e tantos anos. Gorducho e de cabelos totalmente brancos. Até que o animal é simpático.

-Olá, senhorita. Posso ajuda-la?

-Olá, senhor. Eu sou a Sofia Coelho, amiga da Isabel. Ela ligou e me conseguiu uma entrevista de emprego.

-Ah, sim. Entre, por favor. Se acomode no sofá que já chamarei o senhor para falar com você. Aceita algo? Um suco, água?

-Água seria ótimo.

Pelo visto esse simpático senhor não é o Animal. Eu me acomodei e, não demorou muito, o senhor voltou com uma jarra e um copo de água geladinha para mim. Estava me sentindo no paraíso. O sofá era confortável e a casa era linda por dentro. Uma decoração toda rústica. Estava tranquilo até aparecer um homem com a cara fechada e me olhando como se eu estivesse cometendo um crime só por está ali. É alto, de barba fechada e o cabelo um pouco grisalho, com uma cicatriz visível acima da sobrancelha direita que desce quase até a altura do seu nariz. Me lembrou o Scar do rei leão. Acho que esse é o animal.

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-É você que veio para a entrevista de emprego? – Ele falou de modo rude.

-Sim, sou eu. –Falei de forma calma. Queria responder no mesmo tom, mas não posso perder o emprego antes mesmo de tê-lo.

-Para te contratar, eu tenho algumas exigências que precisará seguir à risca.

Me ferrei. Arrogante do jeito que é, deve querer até faculdade.

-E que exigências seriam essas?

-Você trabalhará e dormirá aqui. A cada 6 dias, você terá uma folga. Precisa limpar a casa e cozinhar. Não dirigirá a palavra para mim e não fará perguntas idiotas. Você poderá ter acesso a todos os cômodos dessa casa, mas, nem ouse chegar perto do sótão. Lá, só quem entra, sou eu. Entendido?

-Entendido. –Regras bobas, mas, menos um cômodo para limpar e sótãos sempre me deram arrepios. Basta ver aqueles filmes de terror que sempre acontecem coisas ruins lá.

-Ótimo. Você sabe dirigir?

-Eu?

-Não, eu. Há mais alguém aqui na sala? Não né. Então só pode ser você. –Respondeu com ironia.

-Não, não dirijo. -Respondi, entre os dentes. Que vontade de estapeá-lo por essa arrogância.

-Isso será um problema, mas você é a única opção que tenho por agora. Ninguém quer mais trabalhar aqui mesmo. Depois, se você se fixar, poderá fazer uma alto escola.

Pudera que ninguém fica aqui. Estou há cinco minutos perto dele e minha vontade é esganá-lo. Bem que a Isabel me avisou que era um Animal. Não tem um pingo de tato para lidar com as pessoas.

-Então o emprego é meu?

-É até você se cansar e pedir as contas. Converse com o Moacir para acertarem valores e outras bobagens.

Ele me deu as costas e sumiu pela porta. Como pode ser tão estúpido assim? Ah, mas, eu posso ser mais que ele. Agora é questão de honra. Vou domar esse animal. Ele vai ver que comigo o trato é outro.

Continua.