Epifania

Capítulo 11 ― Dedos de beijo e epifania


1 de Abril

Eu simplesmente odeio Primeiros de Abrils.

Não consegue se passar na minha mente comemoração mais estúpida. 1 de Abril é simplesmente o dia mais idiota do ano pelo fato de só haver idiotas mentindo e fazendo pegadinhas como se de fato fosse algo divertido. Talvez fosse, mas não para mim.

— Ué, não vai para faculdade hoje? — Peter saiu do quarto com uma toalha na cabeça, os cabelos pingando molhados. Havia acordado relativamente tarde naquele dia, resultado da sua crise fresca de desintoxicação alcoólica. Ele teve sintomas que nem mesmo eu achei que existisse em pessoas de ressaca.

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— Hm, não, resolvi tomar esse dia de folga para mim. — mentira, claro, mas era primeiro de Abril. Não iria sair porque era 1 de Abril. Iria mentir porque era 1 de Abril.

Puta sentido.

— Entendi.

Miles envolveu seu pescoço com a toalha e sentou-se no meu lado no sofá. Eu estava deitado, então como ele ia sentar achei melhor sentar também, para não ocupar o espaço. No entanto antes de pôr os pés no chão ele os puxou e colocou sobre o colo.

— Ahn... O que você está... — Logo então ele começou a beliscar meus dedos como se fossem feitos de borracha — ...Fazendo!? Ai, para!

— Seus dedos são engraçados. — comentou, voltando a apertá-los até ficarem vermelhos. Remexi-me, mas ele fez questão de segurar meu tornozelo — O segundo e o terceiro dedo são maiores que o dedão, isso é normal?

— Suponho que sim!

— Não os acha compridos demais?

— Miles, olha para os dedos da sua mão! São como tentáculos! Agora pare de espremer meus dedos!

Mas ele não parou, ao invés disso puxou meu pé para cima com seu braço bom.

— Seus pelinhos nos dedos são loiros também — sorriu — não acha isso legal?

— Ahn... É, talvez. — Sentei-me, remexendo meus dedos e olhando para os pelinhos. Como nunca tinha reparado nisso?

— Deixe-me ver suas mãos. — Oh não, não, definitivamente não queria os dedos da mão espremidos. Ergui minhas mãos para que ele não as alcançasse, mas ele pulou em cima de mim, ficando sentando nas minhas pernas e me prendendo com aquele gesso duro contra minha pele. — Pare de ser chato, Alex.

Conseguiu pegar meus braços pelo pulso e ergueu minhas mãos para cima. A chaleira no fogão começou a soltar fumaça e a chiar pela sala. Achei que aquela seria a excelente desculpa para fugir de Miles, mas ele sequer pareceu perceber isso.

— Peter, a chaleira. — ele analisava minhas mãos e os dedos. Surpreendentemente não os beliscava ou maltratava, mas as mexia com sutilidade — Você percebe a situação em que estamos, Miles!?

— Estou te imobilizando com uma técnica comum por quem é mais forte que o adversário. — Sorriu, empurrando meus pulsos para baixo e os segurando. Forcei-os, mas ele não parecia disposto a largar.

— Não sou mais fraco que você!

— Então como ainda o estou imobilizando? Você ainda tem a vantagem do meu braço estar quebrado.

Tentei levantar os pulsos e sair debaixo dele, mas parecia que de fato ele era mais forte que eu, não que eu tenha orgulho disso, o problema é que a genética ajudou Miles em relação ao tamanho, mas ela não parece ter se importado em me dar mais uns 10 centímetros.

Não que eu ache que altura é relacionado à força — talvez seja —, mas ferre-se, só tenho essa desculpa.

— Tá, ok, provou seu ponto. Agora sai.

Ele não saiu, ao invés disso me encarou de modo estranho, com um tipo de tom de azul diferente no olhar. Me fitou de cima, sem dizer nada, e logo então abaixou o rosto até fechar espaço com o meu. Seu nariz tocou a ponta do meu e os lábios com cheiro de chocolate quente roçaram na minha bochecha esquerda.

— Quero fazer um experimento — disse, bem baixinho — Posso?

— N-não! Pare, isso... Isso é embaraçoso.

Miles revirou os olhos, levantando o rosto minimamente antes de sorrir.

— Vai ser bem rápido, só quero provar um ponto. — roçou os lábios novamente no meu rosto, desta vez no canto da boca — Não seja infantil, Alex.

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— Que ponto pretende provar? — perguntei, e ele ergueu o rosto, sentando novamente sobre minhas pernas à uma distância consideravelmente segura.

— Apenas uma ideia inofensiva, garanto à você — cutucou minha bochecha com seu dedo que mais parecia uma vareta. — então?

— Tenho medo do que é uma ideia inofensiva sua, Miles.

— Uma ideia inofensiva é uma ideia sem ofensas — sorriu.

Encarei-o, havia uma sombra de diversão no seu olho esquerdo e covinhas sutis cravadas em seu sorriso.

— Então... Bem, tudo bem, acho.

Mantive os olhos arregalados enquanto o via — e sentia — se aproximar. Em algum momento, que eu mesmo em minha santa consciência não saberia dizer qual, fechei os olhos. Creio que tenha sido meu próprio instinto dizendo que era isso que eu deveria fazer, então o fiz sem perceber.

Depois, apenas senti. Meus lábios foram pressionados por algo molhado, e logo supus ser os lábios dele, que em poucos instantes se movimentavam sobre os meus. Se aquilo estivesse acontecido comigo há uma semana, eu sem dúvidas me assustaria e estaria me esperneando como uma criança traumatizada. No entanto, desde o episódio do pub eu passei a pressentir que algo assim aconteceria. Estranhamente estava calmo e nem um pouco eufórico, então apenas retribuí.

Suas mãos ainda estavam nos meus pulsos, segurando-me sem força alguma. Eu poderia facilmente tirá-las dali, mas preferi não. Os lábios de Peter tinham gosto de jujubas e chocolate quente, e eram gentis, um tanto inexperientes. Suguei seu lábio inferior e aprofundei o beijo. Miles pareceu ter se assustado um pouco, mas não parou o ato, tentando seguir o mesmo ritmo que eu.

Meu peito batia desenfreadamente e o barulho estalado do beijo estava me excitando, o que não consideraria uma coisa boa naquele momento. Senti as mãos dele saírem dos meus pulsos e se posicionarem na minha cintura, então aproveitei a chance para me enroscar no seu pescoço. Acabamos ficando sentados, eu no seu colo, suas mãos na minha cintura e as minhas na sua nuca, agarradas aos seus cabelos.

— Peter... — ele me calou, e eu deixei, porque sou muito tolo.

Senti sua língua invadindo minha boca e o permiti entrar. Sua respiração estava descompassada e as mãos começaram a vasculhar minhas costas por dentro da blusa, o gesso gelado me causando arrepios. Fiz o mesmo, passando a mão pelo seu peito liso e desprovido de muitos músculos. Enrosquei minha língua na sua e o trouxe para mais perto, quase tirando sua camisa.

Eu estava pegando fogo. Fazia um bom tempo que não me envolvia nesse tipo de contato, e embora fosse Peter, e bem dificilmente eu me imaginaria nessa situação com ele, eu estava mesmo envolvido naquilo. Desci minhas mãos até o cós calça dele, abrindo os botões, mas antes de conseguir sequer tocá-lo:

— Ah! Já sei! — Miles afastou o rosto repentinamente, quebrando o beijo e todo o clima. O encarei meio zonzo com meu rosto corado e fitei aquele sorriso estupidamente infantil. — Alex, você é mesmo um gênio.

Ele segurou minha cabeça e beijou minha testa, saindo debaixo de mim durante o ato. Peter saltitou alegre para longe do sofá, descalço, os cabelos despenteados, tentando arrumar a camisa que eu estava convencido de que iria tirar do seu corpo.

Ouvi, dali, a porta do quarto dele batendo e um grito de euforia sendo abafado — ele sempre gritava loucamente pela casa quando alguma ideia lhe vinha, das mais idiotas até as mais úteis. Eram seus momentos, suas epifanias, não podia mandá-lo se calar —, mas permaneci ali parado, estático como uma pessoa que acaba de deixar um prato caro cair no chão.

— Babaca. — Murmurei, tentando pôr meus cabelos no lugar. — O que esse idiota pensa que está fazendo?

Levantei e fui até a cozinha desligar a chaleira, que ainda chiava, mas que eu não conseguia prestar atenção momentos atrás. Toda água lá de dentro tinha virado vapor àquele ponto, então eu suspirei, colocando mais água e deixando ferver novamente.

Andei pelo corredor do apartamento até chegar à entrada do quarto do indivíduo problemático que eu tão bem conhecia. A porta estava entreaberta, então não pude deixar a curiosidade de lado e olhei pela fresta, analisando o quarto totalmente inundado de escuridão. A luminária estava acesa em cima da mesa de estudo e Peter digitava no computador sem piscar.

Sorri de lado, fechando a porta. Não poderia ficar com raiva de Peter e suas epifanias, e também não poderia odiar tanto aquele 1 de Abril.