É uma ferida que não dói, mas se sente

Há dores que precisam ser sentidas


Luciano suspirou, cansado. Exaurido de tudo e de todos.

Afagava os machucados em seu peito, sentindo seus dedos ficarem dormentes e as costas arderem. Às vezes, tinha falta de ar, e sua cabeça parecia explodir. Em outras, não conseguia sentir seus braços e pernas; seus olhos ardiam e a boca ficava seca. Tinha a impressão de que correntes rodeavam-lhe o corpo, sufocavam-lhe; mas olhava e não nada havia ali. Nada além da sensação de abandono.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Nunca houve; a dormência, a ardência, não estava ali realmente. Ele sabia; sabia que toda essa dor não vinha dele, provinha de seu povo. Dos negros que sofriam lá fora; açoitados. Humilhados. Tratados como o mais irrelevante dos animais por seus feitores.

E sentia toda dor, toda a angústia, tanto daqueles que choravam, a pedir piedade, quanto daqueles que se calavam, a prezar mais o orgulho do que a própria vida. Luciano aguentava tudo aquilo sozinho. Sem reclamar. Afinal, se o fizesse, ganharia no máximo um olhar de desprezo e uma boa sova de seus professores, que é claro, tinham total liberdade para fazê-lo. Eram brancos.

"Professores", pensou amargurado. Porque Portugal nunca estava ali; nunca tinha tempo, ou paciência, para Brasil.

Ocupado demais, estressado demais. Enfurecido demais.

Não acreditava que aquele homem bonzinho, que no começo sorria e contava-lhe histórias, e que dormia consigo em todas as noites que o garotinho pedia, era o mesmo homem que agora estava lá fora, a gritar ordens de punições para com os escravos.

Portugal... Porque permites isso? Se teu Deus é tão bom, por que deixa que isso aconteça? Se teus ideais são os certos, porque são conquistados de modo tão errado? Tão sangrento? Se tu decides onde é o ponto final, porque não estendes ao ponto e vírgula?

Os fins justificam os meios, não é mesmo? Do que valem algumas almas moribundas em compensação do dinheiro, do poder? Da fama... Da glória? Do reconhecimento daquele inglesinho estúpido? Porque Arthur era quem importava, não é, Afonso?

Era nesses momentos, enquanto escutava os gritos de dor e os choros lamuriosos de seu povo, a sentir todo aquele sofrimento em si mesmo, que Luciano lembrava-se.

Portugal não era seu irmão mais velho, muito menos seu pai.

Era seu dono.

E assim seria por mais longos e solitários anos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.