Entropia

Interlúdio - A Guerra


Interlúdio

A Guerra

“War. War never changes.”¹

— Saga Fallout.

O exército marchava com uma sincronia absurda. Até mesmo as dobras das roupas eram parecidas em cada uma daqueles pedaços que compunham a tropa.

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Suas armas estavam em riste, mostrando seu poder para os observadores da Pirâmide, e em breve mostrariam seu poder para aqueles que se opusessem a eles. Para uns, mostravam o poder para lhes agradar; a outros, mostravam para que os temessem.

O som feito pelos passos era uníssono: as botas esmagando a areia. Tum. Silêncio. Tum. Silêncio.

O Deserto, por sua vez, assistia a tudo aquilo calado, mas certamente desaprovava o modo com que os pés daqueles servos tratavam aquelas que, por menores que fossem, deveriam ser suas líderes: as areias. Cada grão de areia, mesmo minúsculo, constituía o Deserto, da mesma forma que cada estrela, mesmo parecendo minúscula aos olhares daqueles que apenas observavam os céus, fazia parte de um universo maior, que por sua vez fazia parte de um conjunto de vários outros universos. E também, da mesma forma que cada um daqueles homens e mulheres formavam aquele exército. Separados, não eram nada senão indivíduos frágeis. Juntos, eram uma arma de extermínio.

E assim eles marcharam por tempos, tempos que foram banhados apenas pela noite escura, silenciosa e solitária do Deserto, mantendo seus movimentos sempre sincronizados e as armas em riste.

Demorou muitos tempos para que finalmente encontrassem alguém que os confrontasse. Um exército que se dizia ser de um tal Imperador, um outro líder que ousava enfrentar a soberania do Faraó e, sabendo da convocação para a guerra, fez com que seus homens também marchassem para confrontá-los.

Os homens da Pirâmide, porém, não se importavam com quem era seu oponente, apenas queriam destroçá-lo. Portanto, o exército daquele Imperador esquecido e perdido no Deserto sucumbiu, mesmo sendo tão grande quanto o exército do Faraó.

Foi uma carnificina digna de ser escrita em sangue. As lâminas e armas de fogo apontaram para seus inimigos e os perfuraram. Apenas via-se sangue jorrando das feridas. Naquele momento, tanto sangue fora derramado que poder-se-ia fazer um rio. E realmente, aquela batalha resultou num rio sangrento. As areias do Saar, por toda a extensão do local onde ocorreu a batalha, foram banhadas por sangue. Sangue vindo de sua maioria do exército do Imperador, pois quase não houve baixas no exército provindo da Pirâmide.

Após esse genocídio, o exército continuou seu caminho sem pestanejar. Viram que possuíam um inimigo que os opunha e marcharam em sua direção. Tudo isso sem hesitar no passo. Mesmo após aquela batalha sangrenta, as armas continuavam em riste, os passos ainda eram firmes e esmagavam o Deserto, e as feições nos rostos daqueles que compunham o batalhão continuavam sendo apáticas.

Chegaram ao Império após ainda mais tempos. Invadiram o lugar e atearam fogo. Quem morava ali não teve opção senão fugir ou entregar-se às chamas. Alguns lutaram, mas não resistiram. Nenhum resistiu, para falar a verdade. Os únicos que podiam se dizer como “resistentes” foram aqueles que fugiram e não foram pegos pelo exército. Outro exército daquele Imperador, menor que o primeiro, os confrontou, mas novamente perderam.

Aquela cidade perdida no meio do Deserto, envolta em areias rodopiantes, que outrora tinha sido imaculada, com muros altos, casas e palácios de mármore branco, foi manchada de sangue. O Império tornou-se vermelho, o mármore tornou-se rubi.

O exército da Pirâmide subiu até o palácio, onde o Imperador se encontrava, e lá estava ele aos prantos, lamentando sua derrota, amargando sua morte que viria muito em breve. Ela veio com uma lança pontiaguda enfiada bem em seu peito. O autor do golpe sequer demonstrou piedade para com o inimigo e manteve sua feição inexpressiva. O Imperador, depois de agonizar e morrer, teve o corpo arrastado por uma corda — afinal, ninguém queria carregar o inimigo — e foi empalado em frente ao seu próprio Império, agora uma ruína destruída, queimada e manchada de sangue — literalmente.

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As areias não mais dançavam em frente ao que fora o glorioso Império, lar da Legião, que também fora destroçada havia muitos tempos. Seus muros que um dia brilharam ao sol escaldante do Deserto agora sangravam e definhavam em meio às chamas. Seus habitantes, conhecidos como um povo justo, bondoso e esperançoso, agora não mais tinham espaço para sentimentos agradáveis como aqueles, apenas para o medo, rancor e vingança. Fugiam do seu antigo lar destruído, ouvindo o fogo crepitando ao longe, vendo-o consumir suas casas e o esplendor do Império, escutando metal chocando-se contra metal, ouvindo disparos de armas de fogo e gritos. Os gritos eram a pior parte. Havia gritos de fúria, gritos de dor daqueles que morriam pelas mãos do exército da Pirâmide e gritos daqueles que, de longe, observavam toda aquela desgraça.

Tudo aquilo feito automaticamente, sem pensar em porquês. Tudo aquilo feito por um exército ensandecido, indiferente ao que lhes acontecia e ao que poderia lhes acontecer. Um bando de robôs comandados pelo líder para que lutassem por ele. Tudo aquilo feito sem que esboçassem a menor reação de pena, medo, raiva, remorso, sentimentos constantes numa guerra, pelos dois lados: daquele que ataca e daquele que é atacado. No entanto, aquele exército ofensivo era desprovido de emoções.

E o exército, depois daquele outro massacre ainda maior que o primeiro, seguiu seu caminho da mesma forma que havia começado: as armas em riste, as dobras das roupas em sincronia, as feições inexpressivas e o passo firme.

Tum. Silêncio. Tum. Silêncio.