Entropia

XXXVII - O Deserto Áspero


XXXVII

Harsh Realm

“An empty home

A vacant Hell

I knew you in the harsh realm...”¹

— Widowspeak; Harsh Realm.

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As areias flutuavam e dançavam ao redor de si. Elas passavam apressadas, mas amigáveis, desejando-lhe uma boa noite.

Aqueles ares estranhos daquela face igualmente estranha do Deserto lhe eram estranhas, tinham sentimentos esquisitos. Não eram como as areias usuais, que pareciam frias como a Tundra ou distantes como as Campinas. Elas eram selvagens. Amistosamente selvagens. Não eram parte de um Deserto repressor e observador, e sim parte de um Deserto cujo fluxo seguia com liberdade. Pareciam deuses de crenças diferentes: um dogmático, outro que concedia o livre arbítrio às suas criações, sem interferir em seus destinos.

Assim como as areias, ele também seguia seu caminho sem pestanejar: apenas seguia o fluxo que lhe era ordenado pela sua mente, abrindo caminho em meio às areias sem o menor traço de sentimento. Simplesmente seguia seu fluxo como se não estivesse sob controle de si mesmo, como se estivesse num estado de sonambulismo.

Parou.

Sentiu algo que não era normal àquele clima letárgico. Sentiu uma baforada de inquietação e parou de andar. Esmagou as pobres areinhas debaixo de seus pés enquanto remoía aquela sensação desagradável. Sentia algo sufocá-lo, paralisá-lo, congelá-lo. A sensação começava no pescoço e corria para o resto de seu corpo, em menor intensidade.

Sua mão correu para os colares que usava. Um deles parecia estar estranhamente gelado no meio de todo aquele calor daquele deserto áspero.

Era uma de suas dog tags.

Leu o nome escrito nas duas faces, já sabendo o que esperar, já sabendo que não seriam boas notícias. Ele o fez torcendo para encontrar a dog tag com o seu próprio nome, mas soube, soube desde que aquela sensação lhe tomou conta, que não seria aquela.

Era a outra.

Era a que tinha aquele nome. Aquele nome que não ousava pronunciar, em que não ousava pensar.

Suas pernas fraquejaram, mas não por causa do cansaço.

Sentiu a vida escapando pela sua boca através de um urro longínquo que talvez ecoasse até em universos distantes dali.

Mandou aqueles que trazia consigo para aquela jornada irem para bem longe. Se não havia mais pelo que lutar, então por que continuar? Eles foram embora depois de outros vários urros tão longínquos quanto o primeiro, temendo a insanidade.

Mas não haveria insanidade, não haveria...

O resto do corpo fraquejou, juntando-se às pernas.

Depois de sentir a vida lhe escapando, ele deixou, então, sua essência escapar também.

E então veio o sono, a paz que tanto aguardava...