Tiro

— Filho, tá tudo quente aqui em casa, mas quando a situação do seu pai se ajeitar, tudo volta ao normal – repete a mãe todos os dias.

Nicolas discorda. Aliás, torce para que sejam enganosas as palavras da mãe.

Os Andrade Santos vivem escondidos em uma das ruas adjacentes à Rua da Lama. Entretanto, ninguém os conhece, posto que realocam-se com frequência. O filho mais novo, de apenas quinze anos detesta o homízio onde vive.

Literalmente um homízio, pois abriga um fugitivo da justiça: seu pai. O pai que Nicolas odeia desde nove anos de idade, quando o flagrou agredir sua mãe. O pai que foi preso passados seis anos daquele dia. E que tornou-se fugitivo três meses mais tarde.

Todavia, ele não odeia sua mãe, que não só condiz com a situação, mas o protege da justiça e sujeita-se a todo e qualquer domínio que o marido exerça.

Naquele dia, o homem a acusava de denunciá-lo e por não se calar, a mulher recebeu um murro na contusão causada pela última crise.

Abraçado à mãe, o garoto ouve seu progenitor voltar à casa. Vê a mãe ser arrancada dos seus braços pelos cabelos.

Nicolas ouve o tiro que a mata.