Pan-demonio

Capitulo 8


Peter Pan

"I don't wanna live forever
'Cause I know I'll be living in vain
And I don't wanna fit wherever
I just wanna keep calling your name"
♪♩

Ele estava pronto para o baile já tinha algumas horas. Seu pé batia freneticamente no chão de mármore, denunciando sua falta de vontade em continuar esperando. Estava particularmente ansioso com esse evento em questão e isso se dava ao fato de que aquela noite seria crucial para o seu relacionamento com Wendy – e ela não estava cooperando com a sua pontualidade.

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Não podia negar que ela estava obedecendo às regras, mas, ainda assim, não podia abrir nenhuma brecha. Peter conhecia muito bem a sua mulher para saber que seu gênio não era fácil de domar e, aquela altura, ela estava tendo que usar toda a sua força mental para se manter nos eixos. Não que ele não gostasse de vê-la sofrer, mas algo dentro dele sofria junto. Era como provar um doce mesmo sabendo que faria mal a sua saúde. Por isso ele estava ali, sentado em uma das cadeiras ornadas por ouro puro, observando como um louco a porta do banheiro onde Wendy entrara alguns minutos atrás.

Ela estava se esforçando para demonstrar interesse pelo baile, mesmo que sua carranca de desgosto se fizesse presente todas as vezes que alguma elfa aparecesse para arrumar uma parte sua. No entanto, Peter não podia demonstrar satisfação por aquele êxito antes que a noite terminasse. Sabia o quanto Wendy podia ser traiçoeira quando estava sendo testada.

A porta se abriu e ela saiu vestida em uma camisola de seda que mal cobria suas coxas e os lábios pintados em um vermelho rubi. A alma negra de Peter Pan recebeu um baque com aquela visão tão esplendorosa da mulher que amava. Naquele momento, nada mais existia além dela. Nem as mágoas, a dor do abandono, as oportunidades jogadas fora. Nada era capaz de superar a imagem de Wendy em seu quarto, olhando para ele como se não existisse outro lugar no mundo aonde ela quisesse estar além dali. Soltou um suspiro e a analisou de cima para baixo como uma onça pronta para dar o bote. Ele a queria muito. Tanto que poderia implorar a ela um pouco da sua atenção.

No entanto, não o fez. Se ela o negasse, seu coração se partiria ainda mais e ele não poderia suportar.

— Está me olhando como se quisesse me devorar. – a loira sussurrou, trazendo-o de volta a realidade crua da situação. Tudo era gelado entre eles, apesar do calor que os incendiava por dentro.

— Estou olhando para a sua falta de roupa. – ele lhe respondeu secamente, percebendo a decepção abater os olhos dela. Abaixou a cabeça, em uma tentativa frustrada de fugir daquilo. – Coloque seu vestido, está quase na hora.

— Por que não admite que estava olhando?

Ele também não sabia o por que. Ela era a sua mulher, ele tinha o direito de olhá-la da forma que quisesse. Mas então, por que não conseguia admitir aquilo? Por que não aceitava aquele fato dentro de si? Não podia culpar a sua alma negra daquele feito, era ele quem estava se privando de viver ao lado de Wendy por inteiro. Estava preso no passado e na dor que sentira quando ela se foi que não sabia como aceitar que ela estava ali de novo. Estava ali com ele. Era por isso que tinha tanta vontade de castigá-la. Era por isso que não olhava para ela por muito tempo. Era por isso que não conseguia tocá-la, nem mesmo um esbarrar de dedos, um contato de pele a pele... Ele simplesmente recuava. Não estava pronto, mas queria estar. Se recusava a aceitar que teria uma vida com Wendy, no entanto, não saberia aproveitá-la da maneira correta.

Estava entrando em desespero, mas, acima de tudo, em choque. Sua alma de menino-perdido, o Peter que era quando estava com ela, lutava para se libertar das correntes negras que o prendiam. Ele queria viver tudo aquilo, queria abraçá-la e dizer o quanto havia sentido sua falta. Queria deitar Wendy em sua cama e amá-la a noite inteira, sem precisar se apegar apenas as memórias da primeira e última vez que estiveram juntos. Ele queria tudo aquilo. Mas algo sempre falava mais alto dentro de sua cabeça. Aquela voz que repetia constantemente que aquele Peter não era mais quem ele era e Wendy teria que se adaptar aquilo, assim como todos fizeram um dia.

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A voz que parecia tanto com a dele. A voz que ele sempre ouvia dando ordens em seu reino – e a ela.

— Peter? – ouviu-a chamar novamente. Ergueu a cabeça, encontrando-a perto o suficiente para sentir sua respiração doce acariciando seu rosto. Ela sentou-se sobre seus joelhos em frente a ele, assumindo uma posição que quase nunca ele tinha prazer em ver: submissa.

— Você ainda não está arrumada. – não conseguia formar nenhuma frase coerente com ela tão perto assim. Estava fadado ao tormento de suas dúvidas e como elas conseguiam paralisar seu corpo.

— Pare de fugir de mim, Peter. – Wendy não desistia. Peter podia ver em seu olhar o quanto ela precisava daquele momento entre os dois. Ela ansiava por aquilo desde o dia em que se reencontraram, mas ele não conseguia ficar mais de duas horas ao lado dela. Aquela era a chance que os dois estavam tendo de se reconectar novamente, e nem mesmo sua alma negra conseguia recusar aquilo.

— Eu não estou fugindo de você. – respondeu-lhe, tentando parecer o mais relaxado possível. Não queria que o vulcão que estava entrando em erupção dentro de si, explodisse em Wendy sem que ela merecesse. Podia culpá-la de muitas coisas, mas não por amá-lo.

— Então olhe pra mim. – ela envolveu seu rosto com as duas mãos, fazendo com que ele a encarasse. Seus olhos se encontraram e uma explosão de sensações assolou o peito frágil de Peter Pan. O toque de sua pele contra a dele era como um bálsamo em meio ao caos que se fizera presente durante muito tempo. – Eu senti tanta a sua falta.

Com aquelas seis palavras, Wendy se aproximou carinhosamente de Peter Pan e roçou seus lábios avermelhados contra os dele. Ambos fecharam os olhos e apreciaram o significado daquele contato. Estavam se permitindo ter algo a mais do que rancor e mágoas. Estavam deixando o fogo que aquecia o seu interior escapar para o exterior, quebrando as barreiras gélidas impostas pelos seus gênios indomáveis. Não existia nenhuma divergência ali, apenas eles. Wendy e Peter. Peter e Wendy. O menino-que-sabia-voar e a menina que contava histórias. Inseparáveis em sua infância, apaixonados em sua adolescência e incorrigíveis em sua fase adulta. Duas pessoas que se pertenciam e fariam de tudo para ficarem juntas – até mesmo superar fatos insuperáveis.

Fora por isso que Peter se deixou levar pela paixão, envolvendo Wendy Darling em um beijo tão avassalador e cheio de saudade que não sobrara espaço para sua alma negra se rebelar. Sentiu a mulher que amava corresponde-lo com a mesma veracidade, subindo em seu colo e o envolvendo pela cintura com as duas pernas. Peter permitiu que suas mãos escorregassem pelo corpo dela, mapeando cada centímetro de pele, cada recanto que ele conhecia, matando a saudade que estava acumulada em seu peito fazia muito tempo. Suas línguas dançavam em um ritmo só deles, lento e pausado, aproveitando cada segundo de liberdade que tinham, aprendendo que o amor que sentiam um pelo outro era imutável, apesar de tudo.

Ele não sabia onde aquilo iria dar, mas se recusava a recuar aquela altura. Wendy tinha razão em dizer que ele estava fugindo. Era tudo que ele fazia desde que ela chegou a Terra do Nunca, por mais próximos que estivessem. Peter queria mantê-la debaixo da sua proteção, onde seus olhos poderiam analisa-la e controla-la, mas não se permitia se aproximar o suficiente para senti-la verdadeiramente. A última vez que deixou-se levar pelo seu eu antigo, acabou tirando-a do castigo das masmorras e cortando o braço de um dos seus soldados. Ele se descontrolava perto dela e isso era um fato que não podia mudar. Muito menos agora, quando sentia o corpo dela fundindo-se ao seu de maneira tão deliciosa e apaixonada.

Deixou que seus lábios traçassem o caminho que desejavam, descendo pela mandíbula dela até seu pescoço. Seus dentes se cravaram levemente ali, tirando de Wendy um suspiro apaixonado. Sentiu as pequenas mãos da mulher segurarem-se em seus ombros e apertarem sua carne com as unhas bem feitas, enquanto deixava que sua cabeça pendesse para trás de forma tão elegante que Peter poderia observá-la fazer aquilo o resto da noite. Parou por um tempo, apenas para apreciar a imagem de Wendy em seu colo, entregando-se a ele tão facilmente como antigamente. Ele não tinha dúvidas sobre como eram perfeitos juntos, mesmo que passassem a metade do tempo brigando por um território que nenhum dos dois queria realmente conquistar. Suspirou novamente, voltando a sua boca para o outro lado inexplorado do pescoço dela. Repetiu o mesmo processo de beijos e mordidas, apertando a carne de suas coxas com força o suficiente para fazê-la arfar.

Sabia que já estavam atrasados para o baile e isso se devia as batidas frenéticas na porta do quarto, esperando serem atendidas. Não queria parar e sabia que Wendy também não. Eles estavam em um momento único, só deles, onde se despiram de suas armaduras e negociavam uma trégua silenciosa. Voltou sua boca para a de sua mulher, beijando-a com toda a paixão que sabia que tinha dentro de si, deslizando suas mãos para dentro da camisola de seda, sentindo sua pele macia. Ela tinha cheiro de lavanda e algo tão precioso que ele não sabia decifrar o que, mas o embriagava. Assim como suas mãos pequenas acariciando seu rosto da forma que só ela sabia fazer.

Durante todos esses anos de ausência, ele sentira falta dela. Por mais que tentasse reprimir aquilo, que o machucasse lembrar-se de seu rosto, sua boca, seus olhos, ele sabia que o buraco que existia em seu coração, em sua vida, em seu tempo, era o lugar onde ela deveria estar. Aquilo havia o envenenado a ponto de pensar que a odiava, quando, na verdade, a amava tanto que não funcionava bem sem ela. E tinha mais certeza daquilo quando ela estava ali se entregando para ele sem protestar.

— Estamos atrasados. – ela sussurrou em sua boca, fazendo-o abrir os olhos para aquela visão. Wendy permanecia dentro da atmosfera que eles criaram com sua cabeça encostada na dele, sua boca levemente aberta puxando todo o oxigênio que lhe faltava. Ambos não conseguiam afastar seus lábios completamente. Se fizessem aquilo saberiam que perderiam aquele momento de paz.

— Sim. – ele concordou, sem muita vontade.

— Peter. – ela abriu seus olhos para ele, encarando-o profundamente. – Sei que estamos passando pela fase de adaptação e que precisamos disso, mas estou cansada de brigar com você. Não quero mais ter que vê-lo entrar nesse quarto agindo como se fosse indiferente a mim, quando sei que esse beijo foi você sendo verdadeiro com seus sentimentos. – sua mulher acariciou seu rosto, enquanto ele absorvia o que ela lhe pedia. – Eu posso continuar sendo obediente, seguindo as regras, sendo sua esposa, sua rainha. Posso ir a quantos bailes você quiser, posso dar tudo de mim para não arrumar confusão com nenhum patético bajulador, mas por favor, vamos abraçar essa trégua entre nós dois. – finalizou, lhe dando tempo para pensar.

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Ele não poderia mentir dizendo que se esqueceria de uma hora para outra todos os anos de abandono e o rancor que cultivara dentro de si, mas a ideia de trégua era tentadora. Poder entrar em seu quarto e receber um olhar caloroso da mulher que amava era algo que ele poderia pensar em aceitar, ao invés de ter que se manter longe o suficiente para que não gritassem um com o outro até terem suas cordas vocais estouradas. Seria um paraíso poder deitar em sua cama e envolver o corpo de Wendy com seus braços, sem medo que ela o repelisse por estar com raiva de algo que ele lhe disse horas antes. Era tentador. Mas não iria durar. Seu lado negro demorou a se manifestar daquela vez. Sabe que não pode dar trégua a ela. Está lidando com Wendy Darling, a mulher mais traiçoeira que já passou por essas terras. Findou o pensamento, o veneno escorrendo por suas veias, queimando-as e lembrando a ele que nada de bom poderia durar ali.

E como em uma reviravolta, ele sentiu o desconforto de estar próximo demais do calor da loira a sua frente. Não que ele não sentisse vontade de morrer ali, atado a ela, mas não podia se dar ao luxo de deixa-la ter tudo que queria. Ela estava ali para ser castigada e não mimada. E por mais que doesse em alguma parte sua admitir que não conseguiria dar a ela o que ela queria, ele simplesmente a olhou impassível, mostrando que aquela barganha não seria aceita. Os olhos de Wendy encheram-se de lágrimas e ela afastou-se dele rápido o suficiente para que ele conseguisse evitar. O vazio que sentiu quando o corpo dela deixou o seu fora tão grande que quase recuou em sua decisão.

No entanto, respirou fundo, levantou-se em sua postura elegante e caminhou até a porta, abrindo-a para que as três elfas encarregadas de cuidarem do visual de Wendy entrassem. Saiu em direção ao seu escritório no final do corredor, sem olhar para trás. Queria esquecer o que acabara de perder, mas sabia que aquilo martelaria em sua mente por um longo tempo, o que tornava seu humor consideravelmente negro. Passou pelos guardas que se prostravam obedientes em todos os cantos, cumprindo seu dever de vigiar – e conter – a rainha. Poderia parecer completamente louco e controlador por designar a seus soldados esse tipo de missão, mas tinha medo. Medo que Wendy acordasse no meio da noite, se juntasse a Lily e sumisse dali, sem pestanejar. As duas sabiam bem como serem rebeldes em nível extremamente alto e Peter já presenciara isso.

Passou pelas portas já abertas por seus servos e fora direto para a sua mesa de bebidas. Encheu o copo com o liquido azul que sempre adormecia os seus pensamentos, ainda sentindo sua boca formigar pelo toque de Wendy. Medo. Ele não sabia quando havia sido a última vez que sentira aquilo em sua vida e isso o deixava nervoso. Paixão. Não chegara perto daquele sentimento de novo, nem mesmo quando Sininho era quem estava em sua cama. Descontrole. Odiava parecer um louco dando ordens a todos para que ficassem de olho em uma única mulher, só por que não sabia o que se passava na cabeça dela. Apertou o copo de vidro em sua mão, ouvindo-o rachar em sua superfície. Estava parecendo um louco para todos e ele sabia disso.

Durante todo esse tempo, tinha construído um reino sólido, inabalável, apesar do que precisou usar para que isso acontecesse. Tinha o respeito dos seus súditos, mesmo que sentissem medo nos determinados momentos em que sua figura negra aparecia. Havia levado a Terra do Nunca a um nível mais elevado, tirando os piratas do caminho do povo, exilando os poucos que sobraram em um local de onde nunca poderiam sair. Mantinha tudo em segurança, a economia em alta e a população muito bem abastecida. Tinha montado um reino ali, uma civilização estruturada e crescida, como deveria ter sido desde sempre. Nem de longe parecia o pedaço de terra esquecido que eram antes. A Terra do Nunca não era mais um lugar habitado por crianças e sim por adultos que geravam outras crianças que cresceriam e ajudariam a manter o reino sempre imperando.

Agora, ele simplesmente não parecia o rei por trás de todos aqueles feitos. O homem adormecido dentro dele havia acordado desde quando Wendy Darling colocou os pés em sua vida novamente e agora ele não sabia como recuperar o controle. Parecia perfeitamente são por fora, mas por dentro era um caos. Depois de tomar decisões por todos a sua volta, ele não sabia como tomar para ele mesmo. Para sua vida. Estava perdido em algum lugar dentro do passado e do presente, e não sabia que lado escolher. Escolha aquele que o leve para longe da mulher que está lhe causando tudo isso, novamente aquela voz em sua cabeça. Está perdendo o seu senso e isso não é bom quando carrega uma coroa em sua cabeça.

Respirou fundo, tentando não sentir ainda mais raiva com aqueles comentários. Ele sabia que não era apenas ele pensando ali, por mais que fossem um só. Ás vezes se sentia realmente cansado por ter que lidar com duas versões de si. Voltou sua atenção para o copo rachado em suas mãos e balançou a cabeça. Estava perdendo as rédeas, disso sabia. No entanto, não podia se concentrar em nada daquilo agora, tinha um baile de coroação para ir. Levou o liquido até a boca e o tomou em um gole só. Encheu novamente seu copo, repetindo o mesmo processo. Queria adormecer todos os pensamentos que o rodeavam e o levavam a beira da insanidade, mas, acima de tudo, queria se livrar daquela sensação de formigamento em seu corpo. Queria se livrar da vontade louca que tinha de fazer todo o caminho de volta ao seu quarto, agarrar Wendy pela cintura e beijá-la como havia feito. Ele queria leva-la para a cama deles e faze-la implorar por ele. Queria ouvi-la prometendo no pé do seu ouvido que nunca mais ousaria desafiá-lo ou deixa-lo novamente. Queria se livrar do medo. Daquele maldito medo que paralisava suas pernas e o fazia tomar decisões impensadas. Mas sabia que aquilo não aconteceria. Primeiro que Wendy nunca pararia de desafiá-lo, era quem ela era. E segundo por que não podia se dar ao luxo de deixar-se levar pela paixão cega que crescia dentro dele.

Gemeu em frustração. Ele queria que fosse menos difícil tentar resistir a ela. Se fosse mais fácil, ele não precisaria castiga-la ou sofrer com isso. Ele poderia simplesmente barganhar com ela, por que saberia que tinha tudo sobre controle. Ele só queria que fosse mais fácil. Uma batida na porta o fez deixar seus pensamentos e desviar a atenção de seu copo.

— Entre. – foi tudo que disse.

Jinkis, o elfo nomeado como seu assistente pessoal, entrou silenciosamente, fazendo uma reverência a sua presença. Sabia que seu rei não gostava que tomassem seu tempo desnecessariamente, então se apressou em dizer:

— A rainha está pronta para descer.

Peter acenou em confirmação e o elfo desapareceu tão rapidamente como apareceu. Largou o copo em cima da mesa e massageou as têmporas já prevendo o que viria a seguir. Sabia que teria que aturar as famílias nobres bajuladoras e ficar de olho o tempo inteiro em como Wendy se comportaria. Seria uma noite que sugaria sua alma para fora do corpo, tinha certeza. Esperava que ao menos pudesse chegar em seu quarto ao final da noite com uma esposa tão cansada que não teria tempo para brigar. Apenas se deitaria, ele esperaria que ela caísse em sono profundo para que chegasse perto o suficiente para sentir o aroma de lavanda que seus cabelos exalavam e então dormiria em paz.

Sem pesadelos. Sem vozes indesejadas ditando regras em sua cabeça. E sem a constante pergunta que o rondava todo o tempo: O que seria dele e de Wendy?

•••

Wendy Darling

"I'm headed straight for the castle
They wanna make me their queen
And there's an old man sitting on the throne
That's saying that I probably shouldn't be so mean"
♪♩

Estava parada no corredor, cercada por soldados que os escoltariam até o andar de baixo, onde acontecia o tão esperando baile. A doutora não podia negar que estava nervosa ou que suas mãos estavam suando, mas nada superava o que sentia dentro de seu coração. Ela estava despedaçada. Fazia tempo que Wendy não sentia aquela dor crescer dentro de si e tomar conta de cada centímetro de seu corpo. Ela havia convivido por muito tempo com o vazio que Peter havia deixado, mas a rejeição que vira nos olhos dele foi o suficiente para terminar de destruí-la. O que era a intenção dele toda vez que se encontravam.

Tentou respirar fundo, trazendo um pouco de oxigênio para dentro de seus pulmões. Não queria chorar ali, não na frente de todos aqueles que faziam parte do ciclo interno de Peter. Eles poderiam muito bem estar sendo prestativos e bajuladores com ela, mas sabiam que só esperavam um deslize para dizer o quanto a nova rainha da Terra do Nunca era fraca. E ela não poderia se dar ao luxo de ter o seu recém-adquirido reino pensando sobre ela daquela maneira. Afinal, ela tinha uma reputação para zelar. E se era para sentirem medo apenas de pronunciar o seu nome, então ela deveria fazer aquilo direito.

Viu Lily Tiger ser escoltada em sua direção com Deleve impecável em sua farda. Ela estava em um tomara que caia negro, com as barras feitas de pena de pavão. O único detalhe colorido em sua roupa. Wendy pensou que aquela era a representação perfeita do humor de sua amiga: negro, mas ainda esperançoso. Não deixou que seu olhar despregasse do dela até que a mesma se colocou ao seu lado. Deleve continuou andando, mas não antes de Wendy perceber o olhar que ele havia jogado para a princesa. Estava procurando algum tipo de atenção que ela não lhe deu. Seu coração doeu com aquilo. Sabia o quanto seu filho estava sofrendo por Lily e não podia negar que ela também estava sofrendo por toda a situação. Não podia julgar nenhum dos lados da história. Ambos estavam tendo experiências ruins com o amor. Assim como ela.

— Parece que somos o centro das atenções. – Lily soltou seu comentário em tom zombeteiro. – Quem diria.

— Deveria ter pensado nisso quando me sequestrou no meu apartamento. – Wendy rebateu com ironia. Desviou seus olhos para a amiga que detinha um sorriso nos lábios. Observou o colar de brilhantes que reluzia em seu pescoço, casando maravilhosamente com seu cabelo solto em suas costas. – Bonito colar.

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— Presente do rei. – ela revirou os olhos em desdém. – Parece que somos as prometidas do reino, o que muito me interessa já que ele pareceu não ter o mínimo interesse pela minha vida no meu julgamento.

— Ele mudou de tática. Ao menos foi isso que Deleve me disse. – Wendy deu de ombros, tornando aquela informação menos pesada. Sabia que Peter não tinha a mínima vontade de tirar a vida de nenhuma das duas ali. Ele poderia ter se rendido quase completamente a sua alma negra, mas ainda mantinha algumas prioridades só dele.

— O que me faz acreditar que ele ainda tem salvação. – ela lhe deu um olhar significativo antes de se colocar atrás de Wendy. Lily agora também fazia parte do ciclo interno de Peter, ao lado de Deleve. Só esperava que ele não os forçasse mais do que já havia feito. Não gostaria de ter que travar a maior guerra de toda a sua vida com seu marido em nome do amor de seu filho e sua melhor amiga.

A mulher suspirou, pensando em todo o trabalho que teria pela frente para achar a alma de Peter Pan de volta. Ela já tinha sofrido vários baques dele, mas o de hoje tinha sido um que ela se julgava incapaz de superar tão fácil. Seu coração estava quebrado. Sentia-se quebrada. Estava extremamente infeliz. Mesmo que tentasse disfarçar, seus olhos a denunciavam para quem soubesse lê-los. Ouviu a voz de Peter dando ordens para seus soldados e sentiu um tremor passar por todo o seu corpo. Era impossível não lembrar de momentos antes quando seus corpos estavam unidos e ela sentia suas mãos percorrendo sua pele por baixo da camisola. Seus braços fortes a envolvendo, mantendo-a segura em seu abraço. Ela queria aquilo. Queria que ele a tratasse daquela forma e não que aparentasse ser indiferente a sua presença. Ela queria muito que ele a beijasse daquela maneira em todas as oportunidades que tivessem. Wendy desejava muitas coisas de Peter, no entanto, ele parecia não estar disposto a se render a isso. Teria que ir com calma, se quisesse reconstruir o relacionamento com seu marido, mas, acima de tudo, teria que suportar os baques que viriam a seguir.

Sentiu a presença dele ao seu lado sem precisar voltar seus olhos em sua direção. Sabia que ele estava ansioso com seu comportamento no baile, já que ela não tinha sua fama construída em cima da sua complacência. Aquilo incomodava a doutora na mesma intensidade que o medo de seu nome. Ela não era aquele monstro que todos achavam. Aquela imagem tinha sido vendida para todos por Sininho que a odiava e por um Peter magoado. Agora precisava mostrar para todos o quanto ela podia ser doce e educada, mesmo que quisesse pisar na cabeça de algumas pessoas.

Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de Peter.

— Escute, Wendy. – ele começou, atraindo toda a sua atenção para os lindos lábios que moviam em sincronia. Ela quase perdeu o foco lembrando como eles eram habilidosos em sua pele. – Esse reino não é baseado apenas em medo. As pessoas se sentem seguras e priorizadas, e você como rainha precisa garantir que eles permaneçam assim. – aquilo era um aviso claro o suficiente para que ela entendesse que ele estava falando sério. – Hoje você vai conhecer as famílias que cresceram com o reino e se tornaram importantes para ele, então seja educada como eu sei que pode ser quando quer. É a minha esposa e será apresentada como tal para todos. Não me decepcione.

Não me decepcione. Aquilo sim era claramente um aviso. Quis revirar os olhos, mas não o fez. Não queria ter que passar pelo desgaste de ter outra discussão sobre como ela deveria parar de afrontá-lo. Abriu um sorriso cínico, piscando os olhos teatralmente.

— Eu vou ser um anjo, meu amor.

Peter deixou um sorriso negro estampar seus lábios, aproximando-se dela como uma cobra. Levou seus dedos até o rosto da doutora, acariciando sua pele, deixando um rastro de fogo por onde passava, até seu pescoço, onde abriu a mão e a apertou suavemente. Wendy não sabia se aquilo a assustava ou a deixava completamente em transe. Ele avançou para seu ouvido vagarosamente, usando seu corpo para manter afastados os olhos curiosos do seu ciclo e sussurrou:

— Não seja cínica, meu amor. – seus lábios depositaram um beijo em seu lóbulo, mas suas mãos apertaram um pouco mais a sua carne. – Eu gosto quando você me obedece.

— Eu gosto quando você mantém suas mãos longe do meu pescoço. – Wendy rebateu prontamente. Peter soltou uma risada debochada, fazendo os pelos do braço dela eriçarem-se. Nesses momentos, a doutora sentia realmente medo do quanto ele podia ser perigoso quando queria.

— Não me afaste quando eu estiver tocando em você, Wendy. Isso me irrita. – com isso, ele deslizou a mão que envolvia seu pescoço pelo seu braço e entrelaçou seus dedos aos dela.

A respiração que a doutora puxou foi audível o suficiente para que o sorriso travesso no rosto de Peter aumentasse ainda mais. Ela sabia que era assim que ele a queria: com medo e confusa. Não poderia dar aquela vantagem para sua alma negra. Tentou recuperar-se da melhor maneira possível, alisando o longo vestido vermelho que moldava seu corpo, mas nada parecia aliviar. Fechou os olhos e deixou que sua voz se fizesse presente no ambiente silencioso:

— Preciso de alguém pra ajeitar essa bagunça. – pelo menos suas cordas vocais não estavam tremulas como o resto do seu corpo. Como um raio, as três elfas responsáveis pelo seu conforto e por como se apresentava a sociedade, apareceram com suas mãos ágeis, checando todo o seu visual. Wendy manteve-se impassível, olhando para frente, esperando que elas terminassem o seu trabalho.

— Pode dar uma volta, majestade? Precisamos ajeitar o seu cabelo. – uma delas pediu educadamente. Wendy estava pronta para atender o que lhe foi requisitado quando Peter apertou sua mão levemente. As elfas sentiram a tensão do momento quando o mesmo lhe enviou um olhar sério. – Ou talvez não. Podemos ajeitar de outro jeito.

As três deram a volta, pedindo licença para Lily e Deleve, e logo começando o trabalho de afofar os cachos que pendiam nas costas da doutora. Sentiu seu corpo formigar, no entanto, não sabia se deveria ao fato de ter sua pele em contato com a de dele ou se era a raiva que sentia por estar sem direito a escolhas. Não podia nem ao menos dar uma volta para que suas elfas ajeitassem seu cabelo sem que Peter encrencasse. Céus! Qual o problema dele hoje? Estava mais incorrigível do que em todos os outros dias que passaram mais de duas horas na presença um do outro.

Precisou respirar fundo novamente. Um comportamento rebelde àquela altura só pioraria as coisas. Ela precisava ser paciente e centrada. Tinha um objetivo naquela noite que precisava ser cumprido se quisesse que seu marido voltasse a ser pelo menos racional. Ouviu Deleve avisar que o ciclo estava pronto para ir e se deu a permissão para olhar para trás. Todos os seus filhos estavam impecavelmente fardados e sérios, como se fossem soldadinhos de chumbo prontos para acatar qualquer ordem. Wendy se surpreendeu em como todos eles levavam a sério toda aquela cerimônia e como estavam focados naquela formação. Teve que considerar o fato de que teria que ter mais respeito por tudo aquilo a partir de hoje, já que era a rainha. Outra coisa para se preocupar. Observou suas elfas tomarem o seus lugares, atrás da família real junto com os soldados que estavam designados para escolta-los.

— Podem trazer. – Peter fez sua voz soar grave e cheia de autoridade. Wendy não fazia a mínima ideia do que ele estava falando, mas esperou pacientemente até que dois elfos ao lado de seu marido apareceram com duas almofadas de veludo negro que serviam de suporte para duas imponentes coroas cravejadas de diamantes. A doutora precisou segurar um “oh!” diante da cena. Ela estava lidando com o fato de ser chamada de rainha ou majestade, mas não havia se dado conta do peso dos fatos até aquele momento. Nunca imaginou em toda a sua história de vida que estaria portando uma coroa daquelas em sua cabeça e que teria um reino curvando-se a sua presença. De repente, Wendy precisou de um apoio para o seu corpo zonzo. Apertou a mão de Peter dessa vez e ele a olhou, capturando seu olhar perdido. – É apenas uma coroa.

Não era apenas uma coroa, pensou. Era o peso de uma responsabilidade que ela não tinha pedido para ter, mas ainda assim precisava segurar em suas mãos como se fosse algo normal. Todos ali estavam acostumados com aquela situação em massa, mas não ela. A doutora estava acostumada a entrar em um hospital em uma manhã, salvar vidas, cuidar de doentes e cumprir plantões. Nada chegava perto daquilo, a não ser o fato de que estava de novo com vidas em suas mãos.

— Majestade? – o elfo a sua frente a chamou com gentileza. Wendy se deu conta que tinha deixado sua mente afundar-se em seu desespero, desligando-se de todo o resto. Baixou a cabeça o suficiente para que a coroa fosse colocada e ergueu-a novamente sentindo o peso do adorno. Piscou, sem reação. Estava sentindo agora o quanto aquilo era extremamente sério.

Olhou para Peter e o mesmo tinha seus olhos cravados nela. Estava observando toda a mudança de seu comportamento, mas não se regozijava do sofrimento silencioso dela. Wendy agradeceu mentalmente por não ter que lidar com mais aquilo. Estava tentando lutar contra o cansaço mental que se abateu nela no momento em que se deu conta das suas responsabilidades a partir de agora. Começaram a seguir seu caminho pelo corredor, virando na esquina onde se encontrava uma grande escadaria. Wendy sentia suas pernas tremerem e suas mãos começarem a soar, à medida que desciam degrau por degrau. Havia um grande espaço em mármore branco que ligava a outra grande escada que ela sabia que daria direto para o salão de festas. Podia ouvir os múrmuros das vozes que se concentravam mais a frente, esperando a entrada deles para que pudessem começar o baile em si.

Precisou fechar os olhos por alguns segundos. Precisava recuperar o controle de seu corpo para poder seguir em frente com tudo aquilo. Precisava ser forte para manter a sua posição e ainda continuar sendo ela mesma. Concentrou-se no calor da mão de Peter entrelaçada na sua e esperou o conforto que aquilo lhe dava sempre que precisava. Podia ter seu coração quebrado milhões de vezes, mas ainda assim não conseguia achar outra sensação tão boa quanto aquela. Estavam conectados, por mais duro que estivesse sendo a sua relação. E ela o amava. Estava fazendo isso para que eles pudessem começar de algum ponto. Mantenha-se em pé Wendy, sua mente sussurrou para ela. Precisa encarar tudo isso, é seu dever agora, findou.

A loira então abriu os olhos, sentindo sua determinação se consolidar. Ela sempre tinha sido forte para enfrentar seus medos de frente, não podia fraquejar diante daquele. Era Wendy Darling, afinal. Seu nome era temido e sua presença era desejada pelos curiosos. Ela tinha poder para isso. Precisava ter. Acompanhou os passos de Peter quando o mesmo começou a descer a escadaria que os levaria para o próximo nível. Ergueu a cabeça e assumiu seu ar mais imponente. Se estaria ali, sendo apresentada como rainha e esposa, teria que fazer valer a pena a segunda impressão que todos teriam dela, já que a primeira tinha sido completamente destruída. Sentiu seus passos ficarem mais confiantes em cima de seu salto e a força do vermelho vivo de seu vestido transpassar pelos seus nervos. Ela estava pronta para aquilo, seja o que fosse.

Seus olhos pousaram no primeiro grupo que apareceu em sua visão e se chocou com o numero de criaturas mágicas que havia se rendido aquele novo governo. Ela já havia visto vários deles correndo pelas florestas da Terra do Nunca, vivendo livremente e sem luxos. Admirava-se com o quanto estavam mudados, vestidos impecavelmente em roupas que condiziam com a nova realidade que viviam. Humanos, Sátiros, Elfos, Anões, Ninfas e dentre outras raças agora eram devotos a um reino, seguindo as regras do mesmo e vivendo como se estivessem orgulhosos de estarem ali. Wendy não tinha se dado conta do quanto tudo havia mudado como naquela noite. Estava provando o suficiente daquele novo mundo para saber que agora as regras eram outras e ela teria que aprender a dançar conforme a música.

Toda a atenção fora chamada para eles, quando Sininho apareceu logo à frente, em um longo vestido azul marinho, com o busto cravejado de pedras preciosas e o seu cabelo preso no topo de sua cabeça, em um penteado elegante. Wendy logo compreendeu que o decote que seu vestido apresentava somado a como seu cabelo estava estrategicamente fora do caminho, que Sininho estava querendo chamar a atenção para sua pele exposta. Teve que se controlar para não revirar os olhos em desgosto. Sentia pena do quanto à fada era capaz de se rebaixar para ter a atenção de Peter – e o quanto ela conseguia isso com frequência.

Ela começou um discurso breve de boas vindas a todos e como a família real estava feliz em promover mais um baile de sucesso. Sentiu o veneno escorrer por sua saliva quando ela precisou apresentar a rainha e o quanto ela fez questão de ressaltar que o nome de Wendy não estava mais proibido, mas que o reino compreendia a dificuldade dos demais de pronuncia-lo mesmo assim. A mulher precisou se controlar para não descer o seu nível e meter uma bofetada na cara da fada maldita. Ela estava difamando o resto de sua imagem para o povo e isso não era nada bom perante sua situação. Teria que se esforçar o dobro para conseguir reverter tudo aquilo. Olhou para Peter, esperando que ele esboçasse alguma reação, mas ele não o fez. Apenas ficou ali, parado como uma pedra de gelo, esperando apenas o momento em que Sininho findasse para que ele pudesse seguir o seu papel. A decepção abateu novamente a confiança que Wendy tinha construído naqueles pequenos momentos conflituosos em sua cabeça. Ela não podia tentar manter-se de pé, se todas às vezes Peter chutasse seus joelhos.

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Tentou juntar seus pedaços a tempo para começar aquela noite, mas parecia que nada que ela fizesse poderia ajeitar a bagunça que estava dentro de si. Desistiu por aquele momento, sabendo que não teria êxito em fazer aquilo sem que precisasse derramar algumas centenas de lagrimas no meio do processo. Respirou fundo, como estava sendo obrigada a fazer desde que tudo começou. Respirar ar puro era a única coisa que acalmava seus nervos quando eles pareciam estar querendo pular para fora dela. Sininho terminou seu discurso sendo aplaudida calorosamente e Wendy soube que ela estava mostrando quem dominava aquelas terras. Não fazia a mínima ideia de como mediria forças com a fada e não pensaria naquilo por enquanto, apenas tentaria passar por aquele baile sem que pisassem mais em sua cabeça do que já tinham feito até agora.

Seus filhos começaram a tomar seus rumos, cada um parando para lhe dar um beijo de boa sorte, lhe passando forças para manter-se em pé. A doutora agradeceu mentalmente aquilo. Pelo menos eles estavam ao seu lado. Sentiu a mão de Peter desvencilhar-se da sua, mas não se atreveu a voltar seus olhos em sua direção. Sabia que carregava um pesar e uma infelicidade grandes demais para que pudesse esconder. Não que quisesse, mas ele não se importaria, o que tornava tudo pior.

— Preciso resolver alguns assuntos. – ele começou em tom baixo, buscava a atenção dela e a tinha, no entanto, não da forma como esperava. – Wendy?

— Eu ouvi, Peter. – lhe respondeu a contra gosto. Não tinha a mínima vontade de dirigir a palavra a seu marido. Se ele não a defendia da língua afiada de Sininho, então não merecia que ela lhe fosse tão devota.

— Olhe para mim. – ele exigiu em um tom baixo e grave. Aquilo parecia estar beirando a uma nova discussão e Wendy não tinha forças para isso. Arrastou seus olhos azul-mar para ele e o encarou. No mesmo momento, Peter sentiu o peso das emoções que ela carregava. Podia sentir isso em sua hesitação, porém, ele não lhe disse mais nada além daquilo. Seguiu seu caminho, descendo a enorme escadaria em sua postura inabalável, juntando-se a um grupo de sátiros muito bem vestidos. Não era nada que Wendy já não esperava.

— Parece que somos eu e você agora. – a voz de Lily se fez presente e Wendy quase chorou de alivio. Pelo menos não estava sozinha naquele mar de gente que a odiava. Voltou seus olhos para sua amiga e deixou que ela percebesse seu cansaço.

— Não faço a mínima ideia de onde começar. – desabafou, esperando que pelo menos Lily fosse compreensiva com sua situação.

— Eu também não sei. – ela lhe apoiou, seus olhos despejando cumplicidade. – Talvez devêssemos começar por aquela mesa cheia de comida.

Wendy se viu rir. Mas não qualquer risada forçada, ela se ouviu rir verdadeiramente. Lily tinha aquele poder sobre ela: promover paz, mesmo que fosse momentânea. A doutora tinha sentido realmente a falta de sua amiga durante todos aqueles anos, onde vivera sozinha, por opção própria. Sabia que nunca poderia achar outras pessoas que ocupassem o lugar dos amigos que tinha deixado pra trás, e agora, que estava de volta para eles, sentia-se quase completa.

— Parece que estão todos me olhando, esperando um movimento meu... – ela observou as pessoas que formavam grupos aos cochichos, lançando olhares discretos em sua direção. – Como espera que eu ataque uma mesa de comida dessa maneira? Não tenho nenhuma privacidade.

— De qualquer forma, precisamos nos movimentar. – a princesa lhe avisou. Wendy sabia que precisavam tomar alguma atitude, mas sentia como se seus pés estivessem cravados no mármore. Estava com medo. – Se espera vencer Sininho nesse jogo que ela prontamente fez questão de lhe desafiar na frente de todos, você tem que começar a entender as regras.

— Aquela maldita. – a loira cuspiu ódio em cada sílaba. Sua estadia ali já não estava sendo uma das melhores e Sininho fazia questão de tornar tudo pior. – Como ela pode ser tão desprezível?

— Eu me faço essa pergunta há anos.

— Preciso saber como esse jogo funciona e como Sininho faz para ter todos em suas mãos. – Wendy estava começando a deixar a sua parte vingativa trabalhar. Ela não podia dizer que era um exemplo de bondade e complacência a todo tempo, mesmo que a fama que levasse fosse um pouco demais para os seus padrões. A doutora também sabia brincar e todos que lhe conheciam de outras estradas sabiam que ela podia ser incorrigível quando queria, mas também muito sorrateira. – Se Peter quer dançar essa música, então eu vou aprender os passos.

Lily deixou escapar um sorriso orgulhoso. A princesa sabia que aquela Wendy era uma das versões que tinha apostado que faria o trabalho que precisava. Eram amigas e Tigrinha tinha amor pela doutora, mas não podia negar que havia um jogo de interesses em comum. Ela lhe trouxe de volta para a Terra do Nunca, um desejo que sabia que Wendy tinha escondido em seu interior, e em troca a doutora começaria a inverter o jogo que há muito a princesa já tinha considerado perdido.

As duas mulheres assumiram a pose mais confiante e dura que tinham e desceram a escadaria, chamando a atenção de todos aqueles que buscavam um movimento delas. Wendy podia sentir toda a raiva e decepção que tinha acumulado dentro dela naqueles dias tomando forma e transformando-se em uma armadura que ela precisaria para lidar com tudo aquilo. Tinha descoberto que apesar de amar Peter e agradecer por estar de volta para acertar suas pendencias, ela não podia se mostrar fraca demais, se não aquilo voltaria contra ela. Precisava saber os momentos certos em que poderia ceder e aqueles que deveria lutar pelo seu ponto de vista. E só descobriria isso quando soubesse com que estava lidando.

Lily manteve-se centímetros atrás dela, acompanhando seus passos, mas nunca se colocando na mesma posição. Sabia que Wendy era a rainha ali. Se quisesse que o reino aprendesse a respeitá-la como tal, deveria ser a primeira a ser usada como exemplo. Chegaram ao andar de baixo, mantendo-se impassíveis à medida que recebiam reverências. Wendy estava com um olhar vidrado, perdida em seus próprios pensamentos, fazendo as engrenagens de seu cérebro funcionarem. Ela precisava se manter focada em como faria para virar aquele jogo a seu favor e ter a chance de dar o esperado xeque-mate.

Sua atenção fora capturada para a imagem de seus gêmeos se aproximando. Hector e Heitor tinham uma sincronia só deles e Wendy admirava aquilo em seus filhos. Eles trabalhavam bem quando estavam juntos, mantendo sob controle tudo que precisavam. Eram assim desde pequenos e haviam se aperfeiçoado ainda mais com as mudanças que ocorreram. Ambos abriram um sorriso travesso em sua direção e ela não conseguiu não retribuir.

— Parece que temos uma rainha. – Heitor foi o primeiro a zombar carinhosamente de sua coroa. Wendy revirou os olhos com aquele comentário.

— Uma rainha furiosa, se querem saber. – Lily foi quem falou por ela.

— Princesa Tigrinha, quem diria que estaria com tanta roupa? – Hector dirigiu-se a Lily com mais uma piada. Seus gêmeos também tinham o dom incontestável de não levar nada a sério.

— Não me faça te derrubar no meio do salão, Hector. – a princesa ergueu as sobrancelhas em desafio. Se estivessem na antiga Terra do Nunca, os dois provavelmente já estariam rolando pela grama. O coração de Wendy apertou em saudade. Sentia falta daquela liberdade.

— Estou tremendo de medo. – Hector fez questão de provocar por uma ultima vez, recebendo a aprovação de seu irmão. Céus! Eles eram tão incorrigíveis. – Mas, e então mãe, como está se sentindo no seu primeiro dia de rainha?

Quando teve a atenção voltada para si novamente, Wendy piscou em sua direção, esboçando um sorriso de canto. Ela queria externar várias das suas sensações sobre seu primeiro dia, mas precisava manter a classe.

— Estou me sentindo uma rainha. – soltou seu comentário sarcástico. Sabia que aquilo não assustaria seus gêmeos. Eles sabiam o quanto sua mãe podia ser rebelde quando queria.

— Humm... – Heitor tomou a frente, soltando pela garganta. – Essa definição é tão Wendy.

— Que bom que compreende. – a doutora não fez questão de estender aquele assunto. Ela não estava mesmo disposta a controlar sua língua cada vez que lhe perguntassem como estava sendo a experiência como rainha, quando tudo que ela queria era gritar para o mundo o quanto era tedioso e estressante. Deixou que seus olhos se perdessem novamente pelo salão, observando todo aquele mar de criaturas que estavam impecavelmente vestidas e conversavam animadamente sobre assuntos diferentes. Wendy sabia em seu interior que muitas daquelas conversas eram voltadas para ela. Suspirou, precisando aceitar o fato de que agora ela era uma figura de domínio publico e que precisaria se acostumar. Voltou-se para as três pessoas que a olhavam curiosamente, tratando logo de dizer: - Preciso que me ensinem como tudo isso funciona.

Percebeu o sorriso travesso que Hector, Heitor e Lily lhe dedicaram no momento em que sua feição demonstrou determinação. Ela sabia que sua família estava esperando que tomasse o seu lugar de direito, mas, acima de tudo, que mostrasse por que ela tinha voltado. Esperava que conseguisse atingir as expectativas de todos, no entanto, existia uma parte de si que sentia como se fosse apenas uma peça naquele enorme jogo de tabuleiro que eles estavam jogando há muito tempo.

— Não há como te explicar tudo tão rápido, mas o que podemos adiantar é que a Terra do Nunca é um reino consolidado agora. Existem pessoas que cuidam de partes do mesmo e isso as fazem estar no primeiro escalão. – Heitor foi quem se encarregou de explicar o que ela precisava saber. – Por exemplo, a família de Jinkis, o elfo responsável pelo contato direto com o papai, é aqueles que estão mais perto da coroa e consequentemente da família real. O que os torna a primeira família na hierarquia do reino. – seu filho colocou a mão na base de sua cintura e a moveu elegantemente pelo salão, seguindo em direção de um grupo de três elfas e um homem, adornados por joias caras e vestidos reluzentes. Ao avistarem Wendy, ambos fizeram uma reverencia exagerada a sua presença, esboçando sorrisos simpáticos. Quis revirar os olhos, mas se tivesse que entrar nos padrões, precisaria usar seu lado educado. Acenou com a cabeça levemente para eles, deslizando um sorriso para seus lábios que estava longe de ser verdadeiro, mas imitava-o bem. – Papai não gosta de manter os domínios de seções importantes para o reino como a financeira, o exercito e a imprensa nas mãos de pessoas que não são da família. — Imprensa? Wendy precisou de um minuto para digerir aquilo. Agora tinha até imprensa? Realmente, ela precisava se atualizar em tudo que acontecia por ali. – Então, ele designou cada um de nós para se manter a frente de tudo isso. Deleve, como à senhora sabe, é o general do exercito, ele é quem comanda tudo, tendo Hector como estrategista. Eu cuido da parte financeira, sou quem comanda os gerentes dos bancos e as fortunas depositadas em cada cofre. Sou bom com números. – ele deu de ombros, continuando sua explicação: - Henrique é quem cuida da parte jornalística. Ele é responsável pelo jornal oficial do reino, onde as fontes são mais seguras. As demais revistas são patrimônios de famílias que estão em diferentes patamares da hierarquia, o que torna as informações não tão manipuláveis, se é que me entende. – ele deixou a frase no ar e seu cérebro prontamente compreendeu o que ele quis dizer. As informações que as revistas passavam eram claramente fofocas e especulações sobre a vida dentro do castelo. – Henzo e Bracho são parte do exercito. Estão encarregados de missões como dividir e conquistar. Um negócio para sanguinários.

Aquilo não soou bem aos ouvidos de Wendy. Lembrava-se bem dos dois rostos inocentes de seus pequenos e eles não combinavam com a palavra “sanguinário”. Entretanto, ela não podia mais dar certeza de nada ali, já que tudo havia mudado tão drasticamente que se sentia em outra realidade e não na Terra do Nunca. Se seus meninos haviam se tornado esse tipo de pessoa, havia motivos que os levaram a isso. Tudo naquelas terras era movido por algo maior e isso ela já podia compreender.

— Bom, com a parte burocrática está explicada, eu já posso começar a te manter a par do que realmente nos preocupa. – Hector começou, chamando a atenção da mulher novamente. Ele caminhou para preencher o outro espaço vazio ao seu lado, então continuou: - Como a senhora deve ter percebido, Sininho é vista com muito bons olhos pelo povo. Ela sempre fez questão de mostrar que ela era a companheira do rei e por isso detinha todo poder de uma rainha. Agora, com a senhora inserida novamente na sociedade, a confiança dela está abalada, mas não tanto para que ela se preocupe com a lealdade que já conquistou. – aquelas palavras fizeram as entranhas da mulher se apertarem em ódio. Sabia muito bem que a fada tinha conseguido tudo aquilo mantendo uma pose de boa moça que não lhe pertencia. E havia usado sua imagem para aquilo. Era incontestável, pelos olhares que as pessoas lhe lançavam, que ela era a vilã por ali. – Por incrível que pareça, ela é simpática e solícita a todos que a procuram, e durante muitos anos fora ela quem desceu as escadarias com o rei. Claro que não no mesmo nível já que ele nunca lhe deu a coroa, mas ainda assim, ela manipulou tão bem as opiniões publicas que o povo clamava pelo dia em que ele se renderia a adorável fada. – Hector revirou os olhos debochado, mas Wendy podia ver a sombra negra que se abatera no rosto de seu filho. – Quando você voltou, estragou o conto de fadas que Sininho mastigou e os fez engolir. Precisa mudar isso.

— Como posso fazer isso se toda vez que Sininho coloca suas garras para fora, eu sou atingida bem em cheio? – Wendy deixou-se expressar sua indignação. Eles continuavam caminhando pelo salão, recebendo reverencias de pessoas desconhecidas que lhe prestavam respeito, no entanto, não a respeitavam. – Hoje ela fez um discurso que terminou de manchar a minha imagem e seu pai não fez nada. Ele não esboçou nem ao menos receio por saber que a rainha que ele tanto desejou ter está prestes a ser colocada na guilhotina pelo seu povo.

Não dava para entender a linha de raciocínio de Peter. Uma hora ele pedia para que ela não estragasse tudo com seu gênio e outra deixava que Sininho a difamasse para todos bem de baixo de seus narizes. Se fosse para viver naquela instabilidade constante, não sabendo que passo dar, como poderia ser uma rainha? Como poderia ficar ao lado dele como ele pedira que ficasse? Ela estava claramente fazendo o papel de bobo da corte ali.

— O pressione então. – Lily foi quem disse. Wendy havia perdido a noção de que sua amiga estava ali escutando tudo. Ela se tornou uma presença tão silenciosa enquanto seus filhos lhe davam direções que era como se não estivesse ali. Voltou seus olhos para ela, parando seus passos. Estava curiosa para saber que tipo de conselho era aquele. – Eu já vi Peter ser pressionado por vocês. Ele não sabe como reagir e então foge. Se o pressionarem da maneira certa, conseguirão que ele abra os olhos para as mínimas coisas que ele acha normal, mas não são. – a feição da princesa continuava impassível e relaxada a medida que acendia uma luz na cabeça dos três. A doutora sabia que Lily estava demonstrando o mínimo possível para que não chamasse a atenção para a pequena conspiração que começavam. – Peter pode estar afundado em suas trevas, mas ele os ama. Ele te ama. – direcionou a ultima frase a ela. – Apesar de tentar resistir a isso, o fato de ter te tirado das masmorras e a abrigado em seu quarto já diz tudo para mim. O controle é seu, Wendy, apenas precisa pegá-lo da mão de Sininho.

— O que Wendy precisa pegar da minha mão? – aquela voz desprezível. Wendy podia sentir seus ouvidos sangrarem só por terem o desprazer de escutarem aquele timbre.

A doutora arrastou seus olhos para a figura limpa da fada e precisou respirar fundo para não joga-la no chão e chutá-la até que ela pedisse perdão por existir. A pose que Sininho mantinha era algo que só a irritava ainda mais. Ela não tinha o direito de se achar a soberana por ali quando não passava de um pedaço de carne amaldiçoado. A mulher precisou de toda a sua força mental para não tomar nenhuma atitude que colocasse tudo ainda mais em risco.

— Não me lembro de ninguém tê-la chamado aqui. – foi tudo que a doutora lhe respondeu. Não tinha a mínima vontade de gastar sua preciosa saliva com a fada.

— Eu não preciso que ninguém me convide para estar aonde eu quiser neste reino, pequena Wendy. – deu ênfase no pequena. Sentiu sua mão formigar para entrar em contato com a face bem esculpida da megera. – Como você pode perceber, eu não preciso de uma coroa para ser rainha.

Precisou respirar fundo. Contar até três. Fazer ioga mentalmente. Contar quantas pedras preciosas havia no busto da ninfa atrás de Sininho até que reunisse paciência e discernimento o suficiente para não estrangular aquele pescoço. Seja forte, Wendy, aquele já havia virado um lema que sua mente lhe ditava. Não se deixe levar pelas provocações dela, avisou.

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Fechou os olhos por alguns segundos, de repente achando graça de tudo aquilo. Como Sininho havia chegado naquele patamar? Ela ainda se lembrava da minúscula fada se recusando a jogar pó de pirim-plin-plin nela só porque estava com ciúmes. Como poderia se deixar levar pelas palavras envenenadas de alguém que já fora tão insignificante? E que obviamente continuaria sendo insignificante se ela nunca tivesse deixado a Terra do Nunca.

Foi contrariando todas as expectativas que Wendy Darling soltou uma risada doce, logo encarando a fada a sua frente, que agora se mantinha com uma expressão levemente confusa. Esperou que seu corpo se recuperasse da sua leve explosão de humor para falar baixo o suficiente para que só os que estavam ali ouvissem:

— Não precisa de uma coroa, porque ela nunca lhe foi dada, Sininho. – sua língua estava mais afiada do que nunca ao se pronunciar. – Pelo que eu sei, Peter nunca teve a intenção de lhe fazer rainha, apesar de se achar tanto uma. O que é engraçado já que você se julga tão importante. – a doutora se aproximou sorrateiramente da fada, diminuindo ainda mais o seu tom de voz. – Não se esqueça de que passei anos longe e mesmo assim, quando voltei, consegui estar acima de você.

— Acima de mim? – foi a vez da fada rir. Seu tom de deboche irritava Wendy acima do limite. – Não foi isso que pareceu quando eu te esmagava como um inseto na frente de todos e Peter não fez nada para lhe defender.

Sentiu a fúria de seus gêmeos antes mesmo dos dois ameaçarem entrar naquela briga. Hector fez menção de se aproximar, mas Wendy foi mais rápida.

— Não, Hector. Está tudo bem. – o tranquilizou. Ela sabia bem o que dizer para que Sininho recuasse. – Se Peter me defendeu ou não, não é algo que me preocupa, Sininho. Afinal, quem está usando a coroa agora?– os lábios da mulher esboçaram um sorriso negro para a fada antes de dar o golpe de misericórdia. Aproximou-se o suficiente até estarem centímetros de distancia e a olhou fundo nos olhos. – Sou eu quem carrega o sobrenome Pan e quem dorme todos os dias ao lado dele na cama. Ele ainda pode procura-la para qualquer outra coisa, mas é o meu corpo que ele abraça no meio da noite, sem nem mesmo estar acordado. Então me poupe desse seu discurso miserável quando sabe que eu tenho uma coisa que nunca terá: o amor dele. – respirou fundo aquele ar de glória quando viu a expressão confiante dela desmoronar. Deixou seu sorriso ficar ainda mais amplo e tornar-se educado. Wendy tinha plena consciência de que tinha plateia. – E não se preocupe, não demorará muito para eu conquistar o amor do povo também.

Sentindo que não tinha mais tempo para perder com a fada, Wendy deu as costas e caminhou para o epicentro do baile, tendo seus filhos e Lily em seu encalço.

O resto da noite foi exatamente daquele jeito. Eles ficaram apenas andando de um lado para o outro, atendendo alguns corajosos que se davam permissão para lhe dirigir a palavra e Wendy sendo o mais educada possível com todos para que a informação de que sua imagem vendida era completamente uma farsa fosse passada a diante. Deleve apareceu em um momento para tirar Lily para dançar, o que fez Wendy se distrair com o belo casal, imaginando se um dia conseguiria chegar até ali com Peter. No entanto, precisou aguentar a solidão dos seus olhares gelados toda vez que ele checava com ela estava se saindo.

Ao final da noite, ela se sentia exausta. Queria apenas terminar de se despedir de todas as famílias nobres e subir para o seu quarto. Nunca imaginara que um baile fosse tão cansativo e sugasse tanto de suas forças, mas precisou se parabenizar pelo seu bom desempenho naquele. Tinha certeza que apesar dos apesares, ela conseguiu desfazer a mistificação em cima de seu nome. O que era um ponto a se considerar. Pode sentir a presença de Peter à suas costas antes mesmo dele se pronunciar.

— Está na hora de subirmos. – avisou sem muitas delongas.

Como a mulher obediente que decidiu ser por agora, ela o seguiu, percebendo a falta da formação de antes. Ergueu as sobrancelhas em duvida, mas não se pronunciou. Sua falta de vontade de dirigir a palavra ao seu marido não tinha passado. Ainda estava magoada, mesmo que tivesse lutado a noite inteira para não transparecer aquilo. Esperou pacientemente até que Jinkis anunciasse a saída deles e todos prestassem suas reverencias, para então começar a subir as escadas. Estava silenciosa e Peter percebeu isso, assim como em todos os outros momentos. Dessa vez ele não havia entrelaçado seus dedos no dela ou a coagido, simplesmente andavam lado a lado, a passos lentos.

Wendy deixou que sua cabeça fervilhasse com todos os acontecimentos e informações. Tinha muita coisa para considerar e principalmente para aprender, no entanto, não se deixaria levar por aquele caminho agora. Estava exausta demais para se deixar levar para aquela atmosfera novamente. Suspirou audivelmente e percebeu que chamara a atenção de Peter ainda mais.

— O que houve? – lhe perguntou. Aquela era as primeiras palavras que ele lhe dizia sem soar sarcásticas ou carregadas de qualquer outro sentimento negativo.

— Nada. – foi tudo que lhe respondeu. Ela não queria mesmo manter nenhum contato agora, por mais que tivesse ansiado por isso.

— Não me faça de tolo, Wendy.

— Estou cansada, Peter, apenas isso. – seus pés pararam em frente a grande porta dupla de marfim e esperou que os soldados ali as abrissem para que eles pudessem passar. Ele não lhe respondeu, claramente evitando ter conversas onde terceiros pudessem os escutar e a doutora quase agradeceu por isso. No entanto, foi só estarem seguros dentro de seu quarto que ele voltou a falar.

— Não vou te perguntar de novo. – ameaças. Lá estavam elas de novo.

Wendy se desfez dos seus sapatos, alongando cada um de seus pés antes de coloca-los novamente no chão. Sentiu a dor aguda de ter estado em cima de saltos durante tantas horas. Gemeu em frustração. Queria apenas sua banheira e então sua cama. Não estava com vontade de discutir, mas sabia que ele não descansaria até que ela lhe dissesse o que estava mantendo-a em silêncio.

— Sininho terminou de acabar com a minha imagem perante toda aquela gente e você não fez nada para me defender. Ficou parado esperando que ela despejasse seu veneno e então agiu como se nada tivesse acontecido. – começou, abrindo o zíper de seu vestido. – Eu não sei o que pretende com isso Peter, mas se deseja me humilhar, não precisa me manter em uma posição tão grande para isso. Apenas me jogue novamente nas masmorras e seu trabalho estará feito. – livrou-se de suas vestes e então o encarou. Toda a mágoa que sentiu no momento voltara a habitar seus olhos. – É mais fácil.

Peter não disse nada, apenas ficou ali a observando com os olhos impassíveis. Wendy sabia que ele estava ponderando aquilo. Ainda o conhecia bem o suficiente para saber quando as engrenagens de seu cérebro começavam a trabalhar para detectar algum erro seu. Quando seus olhos se iluminaram novamente, ela soube que ele tinha se dado conta de algo que antes não havia levado em consideração.

— Para mim parecia um discurso normal. – ele disse como se estivesse falando sobre o tempo. Aquilo fez o sangue da doutora ferver.

— Um discurso normal? – perguntou incrédula. – Isso é sério?

Ele ergueu as sobrancelhas em sua direção. Sim, ele estava falando sério. Wendy soltou uma risada, tamanha era sua descrença. Como ele podia estar falando sério? Como alguém podia ficar tão cego em relação à outra pessoa? Precisou respirar fundo para não tacar seu sapato na cara dele. Ao invés disso, simplesmente balançou a cabeça e se voltou para a direção do banheiro, deixando-o lá. Obviamente, Peter não aceitaria que ela tivesse aquele tipo de atitude.

— Não se atreva a me deixar falando sozinho, Wendy.

Os pés doloridos da doutora cravaram-se no tapete felpudo, enquanto a raiva que ela estava tentando controlar explodia em milhões de partículas por seu corpo. Virou-se para ele, sentindo seu rosto pegar fogo e sua língua transformar-se em um chicote.

— Não se atreva você a me exigir qualquer coisa quando não sabe ser um marido decente, Peter Pan! – gritou a plenos pulmões. Aquele era decididamente um caminho sem volta agora. A expressão de seu marido passou de surpresa à raiva em segundos. – Não se atreva você a me colocar uma coroa na cabeça só pelo simples prazer de me ver sendo humilhada pelos seus súditos e sua amante ridícula! – o cérebro de Wendy parecia estar ainda mais raivoso, pois deu ordens para seu corpo se aproximar consideravelmente da pedra de gelo que era aquele homem de olhos assustadores. – Sou sua esposa, Pan! Se não deseja que esse status seja meu, pegue-o e dê para Sininho!

Antes mesmo que ele pudesse retrucar, Wendy voltou-se raivosa para dentro do banheiro e bateu a grande porta com toda força que tinha. A doutora precisou respirar fundo para conter as lágrimas de raiva que se acumularam em seus olhos. Sua vista estava embaçada e seu corpo demonstrava os sinais de sua exaustão. Estava sugada além do limite e sabia disso. Tudo que não precisava era ter o resto de sua noite estragada, mas não lhe restou outra alternativa. Deixou que seu corpo escorregasse para o chão frio de mármore e abraçou suas pernas, apoiando seu rosto em seus joelhos. As primeiras lágrimas que escorreram abriram as portas para as outras demais e então para o seu surto.

Estava tão quebrada, tão machucada, que não sabia se conseguiria levantar tão cedo. Flashes de todos os momentos daqueles dias de volta para a Terra do Nunca começaram a passar em sua mente fazendo com que ela se sentisse ainda pior. Não tinha a mínima ideia de como sobreviveria naquele lugar quando tudo que tinha era solidão e mágoas. Será que no final, era só isso que ela poderia dizer que tinha conquistado ali? Depois de tudo que vivera naquele lugar, toda a sua infância e adolescência guardando momentos incríveis... Será que tudo seria anulado pelos momentos terríveis que ainda teria que viver nessa nova era? Estava cansada só de imaginar.

Sentiu os soluços abrirem seu caminho por sua garganta e se deixou levar pelo misto de sentimentos que colocava pra fora e agradeceu o silencio que se fizera presente. Pelo menos isso não poderia ser tirado dela. Ela ao menos tinha direito de sofrer em paz.