Crônicas e Contos Cotidianos

Capítulo 2 - Meu melhor amigo


Meu melhor amigo

Lá estava ele. Entrando na sala, com jeito despreocupado mexendo no celular e meu coração mais uma vez disparou. Toda vez que eu o via, era essa luta pra me manter equilibrada como se sua presença não me atormentasse. Mas a verdade era que, por mais que eu quisesse acreditar que era apenas um amigo, meu coração insistia em afirmar que era muito mais que isso.

Tomáz e eu tínhamos apenas duas aulas em comum num total de seis aulas da grade acadêmica. Ele chegara um pouco atrasado no semestre e lembro que sentou do meu lado perguntando algo sobre a disciplina de Psicologia aplicada à Matemática. Conversamos bastante nesse dia e pude perceber a facilidade com que ele fez amizade em uma sala evidentemente dividida em quatro grupos. As famosas “panelinhas”.

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Em poucos dias Tomáz fez amizade com a sala toda com seu poder eloqüente e engraçado. Era tão falador que a sala inteira começava a rir ou comentar quando ele começava uma discussão com o professor nas aulas interativas. Eu, por minha vez, apenas observava encantada aquele ser tão espontâneo.

Eu, Melina, 20 anos, universitária, apaixonada por chocolate e livros, e agora, por ele: Tomaz.

Aconteceu tão sem aviso que não deu tempo de tentar evitar, mas éramos muito amigos e eu não queria que ele se afastasse por mais que eu tinha que agüentar ele observando as garotas lindas da sala e comentando com seu jeito descontraído: “Com essa aí eu gastava minhas verdinhas”. A gente ria junto de muitas coisas e nossa conversa fluía naturalmente. Éramos muito parecidos e esse era mais um motivo pra eu gostar mais ainda dele. Conversávamos pelas redes sociais e ele sempre perguntava por mim quando eu faltava à aula ou ficávamos alguns dias sem se falar por causa de algum feriado ou desencontro de grade horária. Eu me sentia alegre com ele, sentia cuidada e amava sua atenção por mim mesmo sendo como amigo.

Mas minha angustia corroia cada dia mais. Eu não queria gostar dele, pois a gentileza dele por mim não ultrapassava os termos da amizade e eu não via por parte dele, nenhuma intenção de mudar isso para outro nível. Então, minhas suspeitas se confirmaram quando eu o vi abraçado com outra garota no intervalo, mais precisamente na fila da lanchonete. Eu levei um choque quando eu cheguei perto deles pra tomar meu lugar na fila e ele parou de beijá-la pra me olhar. Aquele sorriso arrebatador me fez querer morrer ali mesmo. Ele me apresentou à sua bela namorada, como uma amiga de sala sem nenhum medo ou constrangimento, afinal, ele era assim e ela devia saber disso. Devia saber, mas não aprovar, pois ela me olhou de cima a baixo e me cumprimentou com cara de poucos amigos.

Oh meu Deus! Por que essas coisas só acontecem comigo?

Não sei como eu voltei pra sala, só sei que minhas lágrimas queriam descer de qualquer maneira. “Não deixe isso acontecer, Melina! Seja forte!” falei pra mim mesma tentando evitar o inevitável. Fui correndo pro banheiro e desabei. Lavei o rosto e voltei pra sala. Graças aos deuses ele não tinha aula comigo hoje. Peguei minhas coisas e fui embora. Nada me faria concentrar no restante da aula.

A semana passou como um raio e eu não pude ir a nenhum dos dias à faculdade. Fazendo estágio e trabalhando além de pegar um forte resfriado, sem chance pra faculdade. Meu cansaço me consumiu e eu agradeci essa semana agitada pra não ficar pensando no Tomaz. Ele me chamou várias vezes no Whatsapp ou Facebook, mas eu fingia que não via, mas ele sabia que eu visualizava e não tive escapatória. Segunda feira, aula de Cálculo, ele chegou e me olhou antes de sentar em umas das cadeiras da frente, já que eu sentava lá no fundo. Não me cumprimentou e meu coração afundou. Eu já estava uma pilha de nervos e me sentindo a pior e a mais feia das mulheres do mundo. Primeiro: por gostar de alguém comprometido. Segundo: Por ele não gostar de mim. Conflitos!

A frieza dele me fez gelar e eu fiz o possível pra ser indiferente, mas meu coração batia tão alto que eu tinha certeza que minha colega ao lado podia ouvir. A aula corria normalmente até ele se levantar e sentar ao meu lado e me olhar sério: “Por que você está com raiva de mim? O que eu te fiz, Lina?” perguntou de repente.

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“Nada Tomaz. Por que você está falando isso?” tentei disfarçar

“Não respondeu a nenhum dos meus recados, tentei te ligar, mas você não atendeu...concluí que não queria falar comigo porque estava com raiva de mim”

“Não é isso, Tomaz, é que minha semana foi muito cheia e ainda peguei um forte resfriado, na verdade eu não estava falando com ninguém, apenas olhando as mensagens.”

“Tem certeza? Não está com raiva de mim?”

“Claro que não.”

“Ok, então. Eu fiquei muito preocupado, você sabe que eu gosto muito de você, né?”

Ai meu Deus! Por que ele tem que ser tão fofo?

“Obrigado Tomaz, eu também gosto muito de você” falei tentando não olhar nos seus olhos, mas não consegui. Ficamos olhando um pro outro e então ele me beijou na testa e voltou pro lugar dele.

Respirei fundo, cansada desse sentimento sem noção e retornei aos meus estudos disposta a fazer de tudo pra não perder meu amigo e esquecer a possibilidade de ser sua namorada um dia.

Os dias passaram e dessa vez foi Tomaz quem sumiu. Aí foi a minha vez de ligar pra ele ou enviar mensagens. Pelo jeito ele não estava acessando, mas atendeu uma das minhas ligações.

“Só liguei pra saber de você, estamos brincando de gato e rato?” tentei soar a mais descontraída possível.

“Viu o tanto que é bom sumir e não dar satisfação?” brincou ele.

“É serio, Tomaz, cadê você? Eu sinto sua falta, essa faculdade é uma chatice sem você” – falei pra ele.

Fez-se silêncio do outro lado da linha e eu fiquei apreensiva. Será que ele percebeu? Não. Eu fui o mais sincera possível dentro da nossa amizade, tenho certeza.

“Eu também sinto sua falta, Lina! Aliás, precisamos conversar”

“Sobre o que?”

“Eu vou amanhã pra faculdade, então falamos, ok?”

“Ok..” falei apreensiva.

Não preciso nem dizer que eu não dormi né? Parecia uma eternidade o amanhã. O que será que ele queria falar comigo? Será que a namorada dele proibiu a nossa amizade? Será que ele percebeu que eu gosto dele e quer se afastar pra não se complicar?

Eu comi todas as minhas unhas, não terminei meus relatórios de estágio, não comi direito, não dormi, não me concentrei em nada. Parecia uma adolescente de 15 anos em sua primeira paixão.

Tivemos uma palestra e ele sentou na minha frente. De vez em quando a gente se comunicava, mas rapidamente pra não atrapalhar e ele me falou que queria falar comigo quando todos saíssem. E assim foi. A sala estava vazia e ficamos em absoluto silêncio como se não soubesse o que falar. Nunca éramos assim, sempre tinha alguma coisa pra conversar e rir. Mas aquele momento estava tenso e eu sentia que boa coisa não viria dali.

“Lina, você sabe que eu gosto muito de você, não sabe?”

“sei...” respondi temerosa.

“Então...tem alguns dias que eu estou tentando formular uma conversa com você, mas pelo jeito foi tudo em vão porque eu não estou sabendo como falar”

“Tomaz, a gente nunca foi de fazer cerimônia, então pode falar”

“Só que esse assunto é delicado, sabe, tenho medo de você não entender” – falou ele meio cabisbaixo.

“Logo você que tem tanto jeito pra conversa? Quem é você e o que fez com o Tomaz?” – brinquei pra mudar um pouco o clima. Ele sorriu sem graça.

“Tem uns dias que eu estou sentindo uma mudança entre nós e...eu acho que isso pode definir o rumo da nossa...convivência.”

“Como assim?” – perguntei.

“Melina, eu sei que você gosta de mim, mas eu queria que isso fosse diferente, sabe...sem mágoas ou ressentimentos. Não quero perder sua amizade, por isso eu quero que você seja o mais sincera possível comigo, ok?”

“Ok...” Isso estava muito estranho...Acho que ele descobriu tudo e quer se afastar mas tem medo de me magoar.

“Eu...nossa amizade é muito boa, sabe, e eu gosto de estar perto de você, mas...”

“Mas não quer mais saber de mim, não é? “ – disparei – “Não precisa ter pena de mim, Tomaz, fala logo o que quer e me deixa em paz de uma vez por todas. Sei que sua namorada não quer que sejamos amigos mais, mas você está com medo de falar. Deixa de ser bundão e joga a porcaria toda no lixo e....”

Na mesma hora ele me puxou pela mão e me beijou. Eu não me movi, pois cada célula do meu corpo estava em estado de alerta. Meu coração ia sair pela boca e minhas pernas eram pura gelatina. Os seus lábios macios estavam nos meus, porém, apenas encostados como se estivessem reconhecendo a outra boca. Eu estava tão surpresa que eu não consegui corresponder.

Ele tirou os lábios dos meus e disse: “cala a boca”

Olhei pra ele ainda estática e disse: “Mas...e a sua namorada?”

“Nós terminamos há alguns dias, porém, eu ainda precisava me situar pra falar com você. Eu me apaixonei por você, Melina. Você entendeu tudo errado. Meu medo é que você não entenda que a nossa amizade evoluiu para algo maior e a gente nem percebeu. Só agora eu consegui ver que o meu coração estava tentando me falar desde o primeiro dia em que sentei perto de você na sala de aula. Seu jeito doce e descontraído me atraiu desde então e eu não conseguia mais ficar longe de você. Eu sei que você sente assim também, mas eu precisava ter um indicio que seja pra eu criar coragem. E eu vi aquele dia no seu olhar que você gostava de mim mais que um amigo também. Essa semana eu tentei entender todo esse sentimento e descobri que quando a pessoa toma conta de toda a sua vida e de seus pensamentos, é por que ela é a pessoa certa pra gente.” – me disse e eu estava quase chorando - “Não negue, Lina, você também está apaixonada por mim”.

Então eu o olhei nos olhos e toquei seus lábios novamente com os meus e disse:

“Sempre estive, Tomaz, mas você me parecia tão inalcançável nesse sentindo, então eu desisti. Eu poderia viver apenas com sua amizade, eu só não queria te perder.”

“Não se perde algo que sempre tivemos, Lina. A gente só não sabia.”

E nisso, meu sorriso se iluminou junto ao seu e eu tive que aconchegar meu corpo no melhor abraço do mundo. Meu melhor amigo era o meu amor e eu aproveitaria cada segundo dessa chance enquanto durasse.