Os girassóis começavam mais uma jornada em busca do sol, repetindo sua dança diária silenciosa e imperceptível. O homem observava os primeiros raios de sol pintarem de amarelo vivo as imensas flores naquele campo sem fim, os cabelos prateados – incomuns a sua idade – estavam presos em uma trança baixa e um pouco bagunçada graças ao vento.

Em menos de 5 minutos, ele já havia montado a canaleta, colocado a tela firme ali e um banco de madeira pequeno, onde se sentou e, com um pedaço de carvão, começou a traçar retas finas e bagunçadas, conferindo, sempre, o cenário florido.

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Aos poucos o desenho tomava forma, às vezes ele esticava o corpo para delinear mais forte, outras para consertar um erro. Seria apenas uma bela paisagem, se não fosse por um detalhe que o autor da obra insistira em colocar ali: uma mulher. Ele fez, com cuidado, cada curva daquela que ele queria retratar ali, os cabelos – ele já pensava antes de mesmo de começar a colorir – teriam de ser tão amarelos e cheios de movimento quanto os girassóis que a cercavam.

Manteve-se concentrado, até um frio percorrer-lhe a espinha assim que o caminhar delicado de passos sobre a grama e o perfume inconfundível trazido pelo vento o fez parar o traçado. A deusa do amor estava ali, atrás dele.

- Não sabia que também tinha esses talentos, General – se abaixou, olhando o rascunho borrado.

- Há muitas coisas que você não sabe, Lady Venus – disfarçou o incomodo repentino e continuou a traçar. – Sua princesa veio sem avisar, dessa vez.

- Ela gosta de nos pregar peças às vezes, – Balançou os ombros em um sorriso tranquilo – mas sabendo onde ela está, este não será um problema.

Emudeceram, Venus observando o olhar duro do shitennou sobre a tela, enquanto o suor escorria por sua testa. Era a primeira vez que o vira assim, a começar pela ausência do uniforme e os cabelos – sempre muito arrumados – em uma confusão de fios soltos da trança que ele usava. Os dedos estavam livres das luvas impecavelmente brancas, imundos e com as unhas encobertas pelo cinza do carvão que usava, inclusive, o mesmo cinza deixava rastros de impressões na pele e na blusa de linho, esta que a fez sorrir por estar com a corda solta na gola, deixando parte do peito exposto, típico dele.

- Está desenhando alguém também? – Venus quebrou o silêncio, quando notou a mulher no esboço.

O tom curioso, quase infantil, que ela usava o fez parar por um segundo. Ele a estava pintando e, embora não quisesse admitir, pensava nela demasiado e mesmo que houvesse um abismo entre os dois, só eles sabiam a quantidade de tempo que estavam passando juntos e, embora negasse ou colocasse a culpa no álcool, – bebiam juntos diversas vezes para aguentar longas esperas – tudo o que haviam feito até então.

Kunzite olhava o esboço, sentindo-se um pouco tonto e um tanto idiota por ter continuado a desenhar com ela observando e, continuado a desenhá-la. Era como ser pego em batalha pelo pior dos soldados ou cair do cavalo em meio a tropa: altamente vergonhoso.

Fechou os olhos e sentiu o coração palpitar, se ela percebesse que era dela que se tratava, seria a revelação completa de seus sentimentos e, pior, a perda completa da sua sanidade.

- São muito bonitas, essas flores – a deusa concluiu, voltando o olhar para a paisagem real, sem obter resposta para a sua pergunta.

- São girassóis – finalmente parou e se levantou, deixando seu material de pintura para trás, olhando-a diretamente pela primeira vez até então. – Essas flores representam força, alegria e renascimento, são vistas assim por seguirem o sol durante todo o dia.

- Seguir o sol? – Caminhou ao lado dele, com as mãos atrás das costas.

- Sim, elas giram o caule na direção que o sol vai durante o dia, de leste a oeste – apontou para cima, fazendo um arco.

- Uma bela analogia, tenho que concordar – levou um pouco dos cabelos para trás da orelha.

- São conhecidas como "flores da alegria", também.

- Pintura, flores... Para um general durão, você está realmente me surpreendendo hoje – parou em frente a uma das flores de caule alto e tocou as pétalas com os dedos.

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Era ainda mais bonito de se ver do que ele havia imaginado na pintura que deixara em esboço ali perto. Os cabelos dourados dela brilhavam intensamente em contraste com os girassóis e a luz do sol, assim como o azul dos olhos poderiam confundir-se com um pedaço de céu. Ficou ali, paralisado, como se quisesse memorizar aquilo e colocar em um pedaço de tela.

- O que mais você sabe? – Venus tirou o homem dos pensamentos em que estava mergulhado.

- Muitas coisas, – semicerrou os olhos ao olhar para cima – ser tutor do príncipe exige muito, seja da guerra, das artes...

- E até mesmo de jardinagem? – Interrompeu dando um sorriso brincalhão.

- Até mesmo jardinagem – concordou, sorrindo de lado.

- Gosto disso.

- Disso?

- É, – sem pudor, Venus agarrou a mão direita dele e começou a analisar as manchas escuras que cobriam não apenas as unhas, mas diversos calos de batalha – parando para pensar, essa mão pode tirar vidas, mas pode criar arte ou plantar mais vida.

- Eu nunca disse que plantava qualquer coisa – puxou a mão de volta, deixando os dedos escorregarem pelos dela- infinitamente menores.

- Disse que entendia de jardinagem.

- Entendo, não quer dizer que o faça.

- "Eu sou o general Kunzite, altamente literal!", – fez uma voz grossa e de tom bobo - estrague todo o momento de filosofia, vamos lá!

- Me desculpe se ofendi, milady, – fez um aceno com a cabeça, dando o típico sorriso tímido – mas existem algumas habilidades as quais eu prefiro não usar as minhas mãos.

- Ah sim... – Capturou o olhar dele no seu rapidamente – Eu sei muito bem as habilidades das suas mãos as quais você evita.

Kunzite sentiu o ar faltar, a voz morrer, a garganta tornar-se seca e todo tipo de reação que ele poderia ter ao ouvir aquela provocação mais do que clara.

- Então, general, o sol está alto, seus girassóis estão olhando para cima e eu devo buscar minha princesa, pois, estamos aqui desde o amanhecer – o sorriso nada inocente ainda brincava em seu rosto.

- Se encontrar o general Nephrite, diga que hoje é o dia dele – tentou disfarçar o misto de emoções que sentia no momento.

- Direi, - ela se virou e, pouco antes de se afastar disse por cima do ombro – e espero ver mais das suas habilidades, em breve.

Kunzite viu a senshi do amor correr acima do descampado verde, onde estava sua canaleta, em uma confusão graciosa de imensos cabelos dourados e tecido amarelo claro do vestido que ela usava. Ficou ali parado, junto dos girassóis, pensando nas brincadeiras cheias de insinuações, acompanhando a corrida da mulher. Foi assim até que ela desaparecesse do seu campo de visão, como um girassol que persegue a luz do dia.