Depois de tudo o que descobri hoje, decidi que deveria confrontar Ryan quando ele estivesse em seu momento mais vulnerável: quando estivéssemos vendo um filme juntos. Pensando nisso, no caminho para casa fui falando para o anjo o quanto estava cansada e que só queria relaxar no sofá. Ele concordou e me deixou escolher um filme enquanto preparava um pacote de pipoca para micro-ondas.

Ao procurar um filme, descobri que o filme sobre anjos que eu tinha visto com Cindy estava disponível e decidi colocá-lo. Logo que começaram os créditos Ryan chegou e sentou ao meu lado, oferecendo para que eu deitasse em seu colo. Resolvi aceitar. Ficamos assistindo o filme por um tempo (o anjo ria o tempo inteiro de alguns fatos muito errados mencionados), até que resolvi colocar meu plano em prática:

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– Esse filme fala bastante em arcanjos – falei como quem não quer nada.

O anjo somente murmurou que sim e voltou a prestar atenção, até que eu parei o filme:

– Você uma vez me disse que Miguel estava à frente da guerra, mas nunca mencionou o motivo de ele ter saído – o anjo ficou tenso – o que aconteceu?

Depois de alguns segundos em silêncio, Ryan respondeu:

– Miguel é o responsável por manter a ordem no Céu e tem muitas responsabilidades. Quando a batalha começou a se estender demais ele se viu obrigado a deixar outro anjo tomar seu lugar.

– E é aí que você entra? – perguntei confirmando.

– Sim, eu fui o escolhido entre muitos anjos pelo próprio Miguel – concordou.

– E Miguel pode interferir nas suas decisões? O que aconteceria se ele quisesse retomar seu posto? – perguntei num fôlego só.

– Eu fui designado para isso e eu sou o responsável pelas decisões, mas ele pode sim influenciá-las – disse e parou um momento – de onde vem todas essas perguntas?

– Curiosidade – dei de ombros.

– Sophie – ele me encarou – o que está acontecendo?

Ryan me encarando daquele jeito me fez perder o controle do que eu iria falar em seguida, me levando a contar a verdade. Levantei e lhe encarei de cima.

– Eu vi você conversando com o arcanjo Miguel hoje – ele não esboçou reação alguma – que inclusive já havia tentado se aproximar de mim e está namorando Cindy.

Quando terminei de falar o anjo deu um pulo do sofá e me segurou pelos ombros:

– Como assim ele tentou se aproximar de você? Eu falei para ele que eu estava resolvendo isso! – bufou e passou a andar em círculos.

Encarei-o sem reação, até que ele parou e disse:

– Miguel acha que você não sabe de tudo, eu não disse a ele a… profundidade do nosso relacionamento – o anjo corou.

– E o que ele pretende fazer? – perguntei.

– Eu não sei – passou as mãos pelo cabelo – está tudo mais confuso do que já estava desde que descobrimos que você tem uma força capaz de parar…

Depois de pensar por uns instantes, o anjo continuou:

– Se você é capaz de parar um Caído, será que pode fazer o mesmo comigo?

Antes que eu pudesse pensar, o anjo levantou o braço na minha direção, como se fosse me bater. Em uma atitude reflexa dei um tapa na mão dele e, por incrível que pareça, não senti dor.

– O que foi isso? – o anjo parecia chocado – eu nunca vi um humano capaz de parar um anjo.

Ryan tentou me acertar novamente e eu continuei me defendendo, sem entender direito o que aquilo significava. De repente o anjo levantou as duas mãos e disse:

– Isso foi indescritível – seus olhos brilhavam – você sabe o que isso significa?

Neguei com a cabeça e o anjo me puxou para um abraço, enterrando a cabeça em meu cabelo.

– Isso significa que estamos um passo mais próximos de descobrir qual será o seu papel na guerra – disse, emocionado.

Ficamos alguns minutos parados naquela posição, até que o anjo me afastou um pouco de seu corpo e me beijou. Eu não sei o que havia mudado, mas aquele beijo foi diferente, era quase como se eu sentisse pela primeira vez que o anjo não se segurava para me beijar, como se pela primeira vez nos conectássemos realmente.

O beijo durou longos minutos, até que a falta de ar se fez presente e eu tive de me afastar.

– O que foi isso? – perguntei, em choque pela súbita mudança de atitude.

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– Algo que há muito tempo eu queria fazer – admitiu – mas eu vou precisar ir até o Céu para contar as novidades aos outros anjos. Você quer que eu chame Faith?

Pensei por um minuto e decidi que eu precisava falar com alguém de fora desse universo sobrenatural e neguei a sua oferta.

– Nesse caso, pendure o filtro de sonhos e não saia de casa – me beijou na testa – eu volto antes de você dormir.

Dito isso o anjo desapareceu. Atônita, resolvi recorrer à única pessoa que poderia me aconselhar sem ser maliciosa: Anne. Coloquei o filtro no meu quarto e saí correndo rumo a minha vizinha. Bati em sua porta e fui recebida por uma expressão confusa:

– O que houve? Algum problema?

– Não exatamente. Pode vir até a minha casa? – perguntei e ela logo concordou.

Voltamos para a minha casa e logo nos sentamos no sofá.

– Eu sei que você não gosta muito de falar dessas coisas, mas eu não poderia falar isso para a Cindy: eu acho que estou apaixonada.

De todas as atitudes que eu poderia esperar, Anne fez a mais surpreendente: ela riu.

– Só você que ainda não tinha percebido isso, minha amiga – disse com um olhar de compaixão.

– Não, eu não estou falando de uma paixão qualquer, como a que se tem muitas vezes na vida. Eu acho que estou realmente amando Ryan, como nunca amei ninguém antes – confessei.

– Eu imaginava isso desde o dia que vim aqui tomar café da manhã com vocês e vi o modo como vocês se olham – falou e segurou minhas mãos – mas o que lhe fez finalmente perceber isso?

Fiquei envergonhada na mesma hora, mas resolvi lhe contar:

– Hoje quando Ryan me beijou foi diferente de qualquer outro beijo que eu já tenha dado na vida...

– E? – ela me incentivou.

– E ele me fez sentir amada e completa de um jeito totalmente novo. Foi como se eu conhecesse todos os seus segredos através daquele beijo.

– E o que você pensa em fazer agora? – questionou.

– Eu não sei – admiti – eu nunca fui boa em expressar meus sentimentos, eu tenho medo de não ser correspondida.

– Vocês já estão juntos há algum tempo. Você acha mesmo que ele não gosta de você? – perguntou com obviedade.

– Eu tenho que admitir uma coisa – comecei corando – eu e Ryan nunca dormimos juntos ou algo do tipo e eu tenho medo…

Parei, incerta de como continuar. Como se explica que o seu namorado é um anjo superpoderoso que poderia lhe matar com um golpe? Apesar que os golpes que ele desferiu hoje eu bloqueei todos. Será que isso tornava tudo possível?

– Eu tenho medo de sair machucada se ele não me corresponder – falei uma meia-verdade.

– Infelizmente não há muito que eu possa lhe dizer, somente que você tem que confiar em seu coração e deixar ele lhe guiar. Se Ryan amar você, por meio das próprias ações dele você vai perceber isso. Tente não se estressar por nada – disse e me abraçou.

Quando nos separamos meus olhos começaram a lacrimejar, mas fui forte e me mantive sem chorar. Agradeci-a pelos conselhos e disse que tinha que ficar sozinha um pouco, que depois nos falaríamos mais. Anne não me questionou e foi embora.

Fiquei sozinha com meus pensamentos e resolvi me expressar do jeito que melhor sei: pintando. Peguei uma tela em branco e comecei a pintar algo novo, não-relacionado a coisas celestiais. Comecei a fazer traços livres e logo me vi desenhando um coração coberto por diversos traços que lembravam caminhos, como uma espécie de labirinto. As cores alegres misturavam-se aos tons mais sombrios no centro do coração, fazendo um intrínseco padrão que em muito lembrava o modo como eu me sentia: dividida, confusa, incerta.

Me distraí com a pintura e demorei horas aperfeiçoando o desenho. Quando finalmente me dei por satisfeita, assinei o quadro e me joguei no sofá, consumida pelo cansaço.