SeuSegredo. Com
Pessoas Fortes
Tenho um segredo para te contar: não existem pessoas fortes.
Sabe essa história de “sorrir quando quer chorar”? “Guardar tudo para si”? Não é força, é ser um bom mentiroso. Acredite em mim, eu conheço bem os bons mentirosos.
Ser forte é não esconder sua dor, ser forte é aceita-la e transforma-la em algo bom.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Ser forte é ser como a Clarissa Westerfall, ela engravidou do namorado babaca no ano passado e se tornou a escória da cidade por isso. O namorado a abandonou e fugiu. A pobre Clarissa terminou na casa dos tios extremamente religiosos que mal a olhavam nos olhos.
Clarissa sofreu por um erro que não cometeu sozinha e quando a Secret escreveu a matéria sobre sua gravidez, fez questão de destacar que o namorado babaca era tão culpado quanto ela e lançou uma campanha para arrecadar roupas, brinquedos e fraldas para o bebê que iria nascer.
A campanha foi um sucesso e Clarissa finalmente estava conseguindo superar os xingamentos e olhares tortos. Foi quando o namorado babaca a empurrou da escada e ela perdeu o bebê.
Clarissa ficou internada por quase duas semanas.
O namorado foi embora como se nada tivesse acontecido.
Depois desse episódio, ela entrou para o clube de teatro e se tornou a atriz principal de todas as peças da escola.
Estou te contando a história dela para que você entenda a ironia do destino. O casal Morx, o treinador pedófilo e a mulher adultera, são membros ativos da comunidade religiosa de Oasis e foram os primeiros a apontar o dedo para Clarissa e chama-la de escoria.
Agora, sentadas na arquibancada, estão Clarissa Westerfall e Mabel Morx, a filha do casal adultero.
Depois que a postagem da Secret foi lida, o treinador misteriosamente aceitou uma proposta de emprego para trabalhar do outro lado do país e a estrela do time de futebol feminino da escola foi transferida para um internato. Sobrou apenas a pobre e invisível Mabel para aguentar os olhares tortos e as risadinhas no corredor.
— Olá – digo me sentando na parte superior a delas.
Clarissa sorri para mim e leva um cigarro aos lábios antes de responder:
— Olá.
Mabel me olha como se fosse a primeira vez que estivesse me vendo e não posso dizer que fico surpresa por isso. Estudamos juntas desde a segunda série, mas eu sou invisível e ela não enxerga os números invisíveis.
— Oi – diz tímida.
Clarissa me oferece um cigarro e nego com um simples gesto de cabeça. Ela dá de ombros, movendo seu cabelo loiro de um lado para o outro, como se dissesse que eu sou uma idiota por recusar nicotina de graça.
— Todos nessa escola são babacas.
— Concordo – Mabel e eu dizemos juntas.
— Babacas seguidores de uma anônima imbecil – a voz doce e aguda de Mabel consegue deixar as palavras menos agressivas do que ela gostaria.
— Não ofenda a Secret – Clarissa diz de forma ríspida, me pergunto se foi intencional – Ela apenas revela os nossos erros, não tem culpa por nada.
— Eu sei – agora a voz de Mabel está chorosa – Mas quero ter algo para culpar. Sempre soube dos casos dos meus pais e nunca disse nada, talvez se eu falasse dos universitários que visitavam a mamãe antes...
— Nada estaria diferente agora – interrompo – Seus pais cometeram os erros deles, nada que você fizesse ia mudar isso. Agora eles devem aguentar as consequências.
Nenhuma de nós diz mais nada, ficamos apenas encarando o campo verde vazio até o final do intervalo.
Lucca não espera no meu armário e não aparece quando a nova postagem da Secret sobre o vício em maconha de uma professora sai no SeuSegredo. Decido ligar para ele e tenho que tentar quatro vezes até ele atender.
— Oi Anna Banana.
— Sem “Anna Banana” – reviro os olhos ao repetir em voz alta o apelido que ganhei aos sete anos de idade – Onde você se escondeu? Não estou te vendo no pátio.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Ah, eu cabulei as últimas aulas para assistir a maratona de Star Wars. Quer ver comigo? Ainda dá tempo de ver o início da parte II.
Lucca é um cara popular e muito nerd, ele me fez assistir cada filme da franquia Star Wars sete vezes. Já conheço a história de trás pra frente e não tenho vontade nenhuma de ver novamente.
— Tenho que ir para casa hoje arrumar os meus livros – minto.
— Deve ser crime em algum país uma heresia como essa – Lucca parece desapontado – Como alguém pode recusar uma sessão com todos os filmes de Star Wars?
O problema do Lucca é que ele acha que Star Wars é uma religião.
— A ligação ‘tá ruim xiiiiiiiiii — começo a fazer barulhos com a boca – Vou ter que desligar. Tchau.
— Eu sei que isso foi a sua boca, Anna vol-
Aperto o botão vermelho e finalizo a ligação. Eu amo o Lucca, isso não significa que vou amar tudo que ele gosta.
Começo a caminhar sozinha para a minha casa, bem atrás de um grupo de calouras que comentam sobre como a Secret é incrível. Fico cansada de ouvi-las falando sobre mim e ando bem mais devagar para deixa-las longe.
Pego o celular da Secret para ver se tem alguma nova mensagem que possa ser útil sem imaginar o desastre que aquele simples gesto ia gerar.
— Cuidado! – alguém grita.
Viro-me a tempo de ver um skatista vindo em minha direção como um míssil.
Eu tenho meus segredos, um deles é que não tenho coordenação motora ou reflexos rápidos. O resultado disso é que mesmo sabendo que o garoto vem em minha direção, não consigo enviar a ordem “corra” para as minhas pernas e termino parada como uma bobona e sendo acertada por ele.
Gritamos juntos e caímos. Minhas costas batem ao acertarem a calçada e depois fico sem ar porque o garoto caiu em cima de mim como uma panqueca e ele pesa o suficiente para me deixar sem ar.
Não é bom ficar sem ar porque alguém caiu em cima de você.
— Droga, o skate! – ele grita e me abandona jogada na calçada, sem ar e dolorida, para buscar seu skate.
Respiro fundo algumas vezes buscando alimentar meus pulmões necessitados de oxigênio. Algumas pessoas passam perto de mim, olham e depois vão embora sem oferecer ajuda. Fecho os olhos com força contando até três e rezando para que isso seja um pesadelo e eu acorde em minha cama sem dor alguma.
— Ei, garota – ouço a voz do skatista míssil, mas não me dou ao trabalho de abrir os olhos. Ele deve querer me xingar por ter atrapalhado seu caminho – Me dê sua mão, vou te ajudar a levantar.
Gemo de dor ao erguer as mãos, sinto quando ele as segura e me puxa para cima. As mãos dele são ásperas e calejadas.
Abro os olhos, pronta para agradecer e depois ofender o garoto.
— Você está bem? – ele pergunta antes que eu possa fazer uma das duas coisas que pretendia.
O garoto é... Bem, não dá pra explicar. Ele é mais alto do que eu, cabelos loiros, olhos acinzentados com óculos preto da Rayban de grau por cima. Veste uma jaqueta de tecido xadrez azul, camiseta cinza, calças pretas e tênis da mesma cor. É desnecessário descrever tais detalhes, eu devia ir direto ao ponto e falar sobre a touca hipster escura.
Esse é o garoto que eu vi ser expulso da sala do diretor Gregory.
— Estaria melhor se não tivesse sido atropelada – respondo afastando minhas mãos das dele – Você devia olhar por onde vai quando resolve ser um míssil humano.
Ele sorri e mexe na franja que escapa da touca.
— Sinto muito, eu ainda gritei tentando te avisar que estava vindo – fico surpresa por ele não me dar uma resposta grossa como estava esperando – E por te deixar jogada na calçada como uma folha de papel. Isso não foi muito cavalheiro da minha parte, certo?
— Nenhum pouco – murmuro.
— Eu sei – ele parece envergonhado – Acontece que esse skate é de um amigo e eu estaria ferrado se perdesse.
— Se você não atropelasse garotas na rua, não ia correr esse risco.
Ele estende a mão para mim e sorri novamente.
— Eu acho que devo me apresentar par a garota que atropelei. Meu nome é Icaro, prazer em te atropelar.
Icaro. O nome não em é familiar e isso deve significar que ele é um novo aluno e também é um número invisível. Vou pesquisar sobre ele quando chegar em casa.
— Sou a Anna e dizer “prazer em te atropelar” ficou horrível.
— Estou meio nervoso, não atropelo garotas todos os dias – ele mexe na alça da bolsa carteiro, sinal de nervosismo.
— A população feminina de Oasis agradece – me abaixo e pego o celular que caiu da minha mão no meio da confusão. A tela do smartphone está rachada e tudo que consigo ver é a tela de bloqueio – Droga – resmungo baixo.
Icaro percebe e olha para o aparelho.
— Caramba, acho que não vai ter conserto – dou um olhar mortal para ele que se encolhe – Se quiser eu pago o conserto do seu celular.
— Não preciso da sua caridade, Icaro. Vá voar com suas asas coladas com cera de abelha e não se preocupe comigo.
Viro de costas para ele e começo a caminhar.
— Ei, você conhece mitologia grega! – ele corre até mim e começa a me acompanhar – É difícil encontrar garotas que conhecem esse mito.
Pelo amor de Blair Waldorf, esse garoto gosta de pessoas grossas?
— Eu vou para a minha casa, Icaro – tento deixar claro as entrelinhas de “não me acompanhe”.
— Tudo bem, eu também moro para esse lado.
— Sozinha – digo entredentes.
Icaro fica desapontado, sua expressão facial revela isso. Ele diz que precisa passar em algum lugar para comprar algo e me deixa seguir meu caminho.
Quando tenho certeza de que ele não vai me seguir, ligo para Lucca e explico a situação.
— Você é uma imbecil – ele diz após rir – Foi muito grossa com o garoto.
— Ele estava amigável demais para alguém que eu não conheço.
— Se o Icaro for mesmo novo na escola devia estar tentando fazer amizade – ele conclui – Amanhã vou levar meu celular antigo pra você usar até consertar essa tela.
— Valeu Lucca.
— De nada, grossa.
— Não fui grossa – resmungo.
— Também não foi simpática, você precisa ser mais legal com as pessoas. Deixe o veneno para a Secret.
Nos despedimos e eu guardo o telefone na mochila onde estará mais seguro caso alguém me atropele de novo.
Assim que chego em casa vejo o carro da minha mãe estacionado e tenho que controlar minha vontade de fugir.
Quando algo ruim acontece, sempre traz coisas piores juntas.
“Pague por seus erros, mas só pelos seus.
Sabe o que eu acho ridículo? Culpar alguém por algo que outra pessoa também tem culpa.
É, estou falando sobre o caso da Clarissa Westfall, a grávida que foi abandonada. Vocês acham que ela fez o filho sozinho? Pois guardem bem essa lição de biologia, são necessárias duas pessoas para gerar uma criança.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Clarissa não é uma vadia por ter engravidado, foi uma tola iludida pelo amor. O vilão na história é o namorado e só porque a abandonou.
Ao invés de julgar a pobre moça, ajudem-na. Doem brinquedos, roupas e fraldas para que a criança que ela está esperando tenha um futuro.
Guardem o veneno para quem o merece.
Sejam solidários.
Beijinhos, Secret.”
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