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Garotas festeiras não se magoam


Eu pesquisei em todas as redes sociais do Ícaro e não encontrei nada sobre ele ser ou ter sido escoteiro, o que me leva a crer que não devo confiar quando ele diz que a festa vai ser legal.

Então, querido amigo imaginário, você pode me explicar por que eu me arrumei e fiquei pronta faltando exatamente quinze minutos para às vinte horas?

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— Garota estúpida – murmuro ao encarar meu reflexo no espelho.

O delineador que usei nos olhos deu destaque à cor deles e o batom vermelho me deixou com menos cara de menininha. Pode-se dizer que eu fiz bem ao escolher a minha roupa – uma blusa branca folgada com listras pretas e short jeans azul escuro com meia-calça preta por baixo – e um confortável coturno preto.

Você já me conhece o suficiente para saber que eu realmente me esforcei para me arrumar e ainda não entendo porquê fiz isso.

Brinco com a pedra do meu colar inconscientemente, enquanto o tic-tac do meu despertador do Pokemón preenche o quarto.

Ouço a campainha tocar e sinto a pulsação acelerar. Será que estou doente?

Abro a porta e me deparo com Ícaro sem os seus óculos de grau e sem a touca hipster.

— Quem é você e o que fez com o Ícaro? – pergunto desconfiada, o fazendo sorrir.

Caramba, sem os óculos o sorriso dele fica ainda mais bonito!

— Você não acha mesmo que eu seria tolo de ir para uma festa com os óculos e escondendo meu lindo cabelo, acha? – para dar ênfase ele passa a mão pelos fios loiros – Estou feliz ao ver que você também se arrumou.

Encaro os coturnos. Será que ele foi irônico ou realmente gostou do que eu vesti?

Droga, quando eu fiquei tão insegura?

— Descobri que a minha mãe não pagou a fatura do cartão de crédito e o acesso a Netflix está bloqueado – dou de ombros, talvez isso faça com que a mentira pareça mais realista e passo pela porta de casa, trancando-a.

— Lembre-me de agradecer a sua mãe por ter atrasado o pagamento quando a ver – ele brinca.

Escondo a chave dentro do vaso da planta que fica na varanda de casa.

— Não se preocupe, pode esquecer. Vocês nunca vão se encontrar mesmo.

Ícaro arqueia uma sobrancelha, mas não pede outros detalhes.

— Então, se a senhorita me permite – ele faz uma mesura e pede para que eu estenda a minha mão, coisa que faço de bom grado. É impossível controlar o sorriso que toma conta dos meus lábios quando os dele encostam nas costas da minha mão em um beijo morno – Vou acompanha-la em uma noite de diversão e interação humana.

— Depois de ouvir isso, tenho certeza que você não quer que eu vá.

— Por que você sempre espera o pior das pessoas, Anna?

Não respondi e isso deu a ele a deixa de me guiar até o carro que estava estacionado em frente a minha casa.

— Por aqui, senhorita – ele faz outra mesura e abre a porta do carona para mim.

— Pode parar com isso de “senhorita”, ainda sou uma adolescente!

— Isso não a impede de ser uma dama – ele fecha a porta e dá a volta no veículo para se acomodar no banco do motorista.

Ícaro começou a falar sobre suas paixões durante o caminho, em especial o teatro. Ele me contou sobre as peças das quais participou e como gosta de atuar e foi assim que eu percebi algo bem peculiar sobre o Ícaro.

Sempre que ele falava sobre algo e sorria, eu sentia vontade de sorrir também. Ele é uma das poucas pessoas com sorriso contagiante que consegue roubar de você o riso facilmente.

— Uma vez fui chamado para interpretar o Peter Pan em uma peça, mas tudo deu errado quando a Tinker Bell acertou purpurina na minha cara e me deixou cego no palco.

— Como você atuou assim?

— Não atuei – ele sorriu ainda mais e bagunçou a cabeça – Eu fiquei desesperado e comecei a correr pelo palco. Destruí todo o cenário sem ver.

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Imaginei Ícaro mais novo vestido como o Pan, correndo e derrubando todo o cenário da Terra do Nunca que os colegas de classe se esforçaram para criar diante de todos os pais.

— Que droga.

— Calma, isso não foi o pior.

— Tem como piorar?

— No palco havia dois amplificadores por onde saíam as músicas ambientes, para deixar tudo mais realístico sabe? Eu terminei esbarrando em um que caiu do palco e soltou vários cabos de energia. Tudo que eu sei é que houve um clarão gigante e depois o amplificador caiu na esposa do diretor da escola.

Não consegui conter as gargalhadas escandalosas.

— Você se fudeu muito lindo.

— Caramba – ele me encara atônico – Nunca imaginei que fosse ver isso.

— O que? – pisco os olhos algumas vezes para segurar as lágrimas de tanto rir.

— Você falou um palavrão – ele estaciona o carro – Caramba, um dia comigo e você já está falando palavras feias. Sou uma péssima influência.

Gostaria de falar que ele chegou muito tarde e foi Lucca quem me fez falar meu primeiro palavrão – a palavra em questão foi porra e só disse porque ele me desafiou, aos onze anos -, porém me mantenho em silêncio. Falar sobre o amigo com quem estou brigada não é legal.

— De quem é essa festa? – pergunto, fingindo interesse.

Na verde eu sei de quem é a festa, é do Jeremy com a desculpa de que é para comemorar a última vitória do nosso time de futebol.

— Jeremy, ele é meu parceiro de laboratório na aula de química.

Nunca imaginei que o Ícaro conhecesse Jeremy, eu pensava que ele só andava comigo e... Bem, eu preciso conhecê-lo melhor.

Andamos até a casa de Jeremy que se encontra cheia de adolescentes bêbados, copos descartáveis pelo chão e pessoas vomitando no jardim.

— É por isso que eu odeio gente – murmuro enquanto uma garota ajuda a amiga a vomitar segurando o cabelo dela.

— Dê uma chance aos prazeres mundanos – Ícaro fala próximo à minha orelha. Sinto um arrepio involuntário.

Entramos na sala dominada por corpos dançando alguma música que não conheço. Os móveis foram afastados e uma pista de dança improvisada surgiu bem no meio do cômodo.

— Por que eu deixei meu habitat natural? – pergunto gritando para Ícaro que sorri e passa um braço pelo meu ombro.

— Porque você precisa viver.

Já frequentei algumas festas com Lucca, quando tínhamos treze anos. Quando eu me tornei a Secret, parei de ir à festas para postar sobre elas no blog.

Consigo identificar cada pessoa no local e pensar em pelo menos um podre dela facilmente, mas não sei se sobrevivo até o fim da festa.

Ícaro me leva para os fundos da casa onde uma piscina iluminada por pisca-piscas e tochas – sim, como as que vemos em filmes havaianos – serve para refrescar os convidados mais animados.

— Vou pegar algo para bebermos – Ícaro diz e sai em direção às caixas de isopor no canto oposto.

Um casal passa ao meu lado se pegando loucamente e eu abraço o corpo para me proteger deles.

— Anna?

Viro-me e encontro Lucca com um copo na mão e o cabelo despenteado.

— Oi – digo.

— O que você está fazendo aqui? – ele pergunta com o cenho franzido.

— Como você pode ver, estou plantando batatas.

— Este não é seu habitat natural.

Escondo a minha surpresa ao ouvi-lo dizer o mesmo que disse há alguns momentos. É horrível ser amiga de alguém que te completa e sabe como pensa.

— Agora é.

Sim, estou sendo infantil. Não tenho culpa se sou orgulhosa, neurótica, infantil e ciumenta.

Viva alguns anos como a anônima mais famosa da cidade e depois em diga se você não adquiriu péssimos hábitos com isso.

— É melhor você ir embora antes que faça alguma besteira.

— Você não é meu pai – com o canto do olho posso ver o Ícaro se aproximando com duas garrafas de cerveja – Com licença, o meu novo amigo chegou.

Lucca range os dentes, posso ver o maxilar dele se mover e me sinto mal pelo que fiz. Sei que devia me sentir culpada, mas ele estava com a Larissa então que vá falar bobagens para ela.

— É impressão minha ou tem uma guerra fria aqui? – Ícaro me entrega a garrafa de cerveja.

— Impressão – dou um gole e sinto o gosto horrível daquilo. Será que alguém resolveu trollar os convidados fazendo xixi naquelas garrafas?

Até disfarço cheirando o gargalho, o que me ajuda a reconhecer o cheiro de cerveja. Faz tanto tempo que não sinto esse cheiro.

— Fale algo sobre você – Ícaro pergunta.

Encaro um grupo de amigos pulando na piscina e molhando todos ao redor sem querer. Escapei por pouco.

— Eu gosto de verde – digo como se fosse algo importante.

— Sério? Eu também.

— Mas não qualquer verde... – olho para ele, como se estivesse desafiando a adivinhar o tom de verde.

— Tem que ser aquele verde grama...

— Não qualquer verde grama...

— Ai meu Deus – Ícaro sorri – Pare de parecer comigo! Verde como a grama molhada pelo orvalho, certo?

Quase deixo a garrafa cair.

— Exato.

Nós dois sorrimos.

— Isso conta como flertar? Se contar, acho que estamos indo muito bem.

— Cala a boca, Ícaro – soco o braço dele e de repente, não parece que Ícaro é um estranho.

Ninguém que gosta de verde pode ser ruim.

— Eu adoro essa música – olho para Ícaro com o que pode ser definido como “olhos brilhantes”, praticamente implorando para que ele me convide para dançar.

— Nunca pensei que logo você fosse gostar de Sia – ele sorri – Vamos bailar, niña.

Não entramos na casa, fomos até um canto da piscina onde outras pessoas dançavam e ficamos por lá mesmo.

Enquanto movíamos nossos corpos, lembranças sobre Lucca e eu dançando aquela mesma canção usando meias no quarto dele dominaram minha mente. Será que ele considera Chandelier uma música importante como eu considero?

“ – Essa música me faz querer voar! – disse a ele.

— Então voe – ele me segurou pela cintura e começou a girar.

Caímos na cama dele, ofegantes e sorrindo. Tínhamos acabado de voar.”

A música acabou e logo outra começou, nós não paramos de dançar por nenhum segundo.

Não lembro de quando entramos e ficamos na sala, mas sei que aconteceu. Ícaro trouxe outras cervejas e alguns copos com bebidas misturadas que não soube identificar. Sei que algum deles tinha uísque, por que ele me avisou.

Bebemos tanto álcool que comecei a ter medos irracionais. E se alguém acender um fósforo e nós começarmos a queimar?

— Eu amo! – Ícaro grita, estamos perto da piscina novamente.

— O que?

— As estrelas – ele abre os braços e gira olhando para o céu.

Tento olhar as estrelas também, mas elas estão girando e isso as deixa parecidas com estrelas cadentes.

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— Faça um desejo – sussurro.

—Não pode ser em voz alta, né?

— Sei lá – dou de ombros sorrindo – Quero um peixe-panda.

— Seria muito legal ter um peixe-panda.

— Devia existir um pokemón peixe-panda – levo meu copo aos lábios e solto um resmungo descontente ao vê-lo vazio.

— Diga-me algo sobre você que ninguém mais sabe – Ícaro pergunta, seus grandes olhos acinzentados parecem ler meus segredos.

Eu sou a Secret!

— Eu me distraio facilmente – encaro as estrelas – Olha lá, um avião.

— Tenho certeza que isso é uma música.

Não consigo parar de sorrir para ele, só não entendo o porquê de sorrir.

Ícaro rouba sorrisos sem perceber.

Jeremy se aproxima de nós com um grupo de amigos.

— ÍCARO! – ele grita antes de abraçar o loiro – Pensei que não vinha.

— Eu vim com a Anna.

Jeremy fica com aquele olhar de “quem diabos é Anna?”, mas tenta disfarçar me cumprimentando.

— Oi, Anna – ele se volta para Ícaro – Por que vocês estão secos?

Só então percebo que ele e os amigos estão encharcados.

— Ah, cara. Não faz isso – Ícaro olha para mim – Ela está de branco, seria mancada.

— A Anna não liga – Jeremy sorri para mim – Certo, Anna?

Não entendo sobre o que eles estão falando, mas concordo por algum motivo.

— Celulares e chaves do carro – um amigo de Jeremy pede. Caramba, essa é minha primeira festa adolescente e já estou sendo assaltada!

Entrego meu celular e Ícaro o dele, junto com as chaves do carro.

Jeremy e os amigos dele conseguem de alguma forma segurar Ícaro pelas mãos e pés, o balançam e lançam na piscina.

— Vocês não deviam ter feito isso! – grito chamando a atenção deles que me olham assustados – Ele não é um peixe-panda!

Os garotos riem enquanto Lucca sai da piscina, encharcado e para ao meu lado.

— Você não precisa ir se não quiser.

— Ir aonde? – tombo a cabeça para o lado.

Talvez tenha um lugar divertido aqui.

— Ela tá’ muito bêbada – Jeremy diz.

— Você sabe nadar, Anna? – um dos amigos dele pergunta.

— Eu sempre quis ser a Pequena Sereia.

Eles me encaram sem entender o que eu digo, porém sinto que fez muito sentido. Creio que essa seja a revelação mais filosófica da minha vida.

— E gosto de pudim – completo após um tempo.

— Você pode mergulhar como a Pequena Sereia – outro amigo de Jeremy diz.

— Não tenho uma cauda – encaro meus pés – Não quero molhar os sapatos.

Mas olhando atentamente, não encontro meus sapatos. Ícaro e eu estamos apenas de meias.

Ué, cadê meu sapato?

— Vem logo, Ariel – Ícaro me segura como se fosse uma princesa e leva para a piscina com ele.

A água gelada me deixa sem ar por alguns segundos, mas meu corpo se acostuma e eu vejo como aquilo é divertido.

— Eu sou a Pequena Sereia! – grito enquanto abraço o loiro pelo pescoço.

— E eu sou um peixe-boi! – ele grita r começa a rir.

Outras pessoas na piscina começam a gritar que são os mais diversos animais e outra música começa, um remix animado de alguma banda pop.

Ícaro e eu começamos uma guerra de água na piscina enquanto cantamos a música da forma mais desafinada possível.

— Hey, Anna! – Jeremy me chama, ele está na borda da piscina – Eu também gosto de pudim!

— Pudim! – levanto os braços gritando. Ele repete o gesto e sai correndo para dentro da casa, gritando “pudim” sem parar – Devia existir uma religião para venerar o pudim – digo para o loiro que não para de rir ao meu lado.

— Acho que você bebeu um pouco demais – ele começa a ir para a borda da piscina e eu o sigo.

— Aviões não bebem demais.

— Pensei que você era a Pequena Sereia.

— Eu sou a Pequena Sereia versão avião.

Ele me encara por cinco segundos e começa a rir como louco.

Sinto algo estranho na minha barriga, afasto-me da piscina e me sento no chão.

— O que foi, Anna?

Não consigo focar o rosto do Ícaro, ele não para de se mover.

— Estou com sono – murmuro.

— Você não pode dormir – sinto os dedos dele fazendo carinho em mina bochecha – Vamos dançar mais um pouco.

A ideia de dançar faz com que algo dentro de mim se rebele e quando percebo o loiro está segurando meus cabelos e o meu café da manhã está jogado no gramado da casa de Jeremy junto com substâncias desconhecidas.

— Droga, Anna – Ícaro passa a mão molhada pela água da piscina na minha nuca – Acho que você não está acostumada a beber.

— Anna! – alguém grita – O que você fez com ela?

— Nada, ela só bebeu um pouquinho além da conta.

— Qualquer coisa é além da conta para ela – a voz é do Lucca – A Anna não está acostumada a beber.

— Ela não me disse e pareceu não ter problema algum enquanto bebia.

— É, estou vendo – reconheço o tom de sarcasmo na voz dele.

— Pare de fingir que se importa comigo e vá atrás da Larissa – murmuro.

Meus olhos estão pesados.

— Larissa? – ele repete o nome da minha “substituta” – Caralho, ela tá’ quase dormindo.

— Não deixa dormir! – Ícaro grita.

Deixa-a dormir sim, digo e pensamento, dormir é bom e deixa a pele bonita como a da Mulan.

A música Raise Your Glass parece vir de outro mundo e meus olhos cada vez mais pesados.

Eu os fecho completamente e aceito aquela confortável escuridão com gratidão.