Asas

Asas doloridas


Olhava a paisagem do lado de fora do trem. Mesmo de noite e com toda a neve, tudo continuava lindo de se ver. Dentro do vagão o silêncio reinava, mas ela já estava acostumada. A solidão acabou se tornando uma bela amiga. Como em todas as viagens, Lucy repassou os acontecimentos dos meses anteriores.

Já fazia três meses que passara a fazer missões solos, e quatro meses que era ignorada inconscientemente pelo seu antigo time e pela guilda.

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Veja bem, não era culpa deles. Quando Lisanna retornou de Edolas, toda a guilda ficou alegre. Lucy inclusive. Lisanna era uma menina doce que acabou conquistando-a, além de tornar o sorriso de Natsu mais radiante. Mas sua presença ofuscou Lucy de uma forma incômoda.

Começou quase que imperceptivelmente, quando Natsu convidou Lisanna para uma missão com sua equipe. Foi divertido. Lisanna era forte e agradável. Por isso não foi uma surpresa quando Natsu convidou-a para outra missão, com Lucy, Gray, Erza e Wendy insistindo. Assim, ela passou a fazer mais e mais missões com a equipe.

Então as coisas ficaram mais nítidas: os membros da guilda ficavam estranhamente distraídos quando Lucy começava a falar, logo sendo interrompida. Ela também ficava facilmente perdida nos assuntos da guilda, pois, aparentemente, coisas interessantes sempre aconteciam quando ela estava ausente.

Mas somente ficou difícil de ignorar quando sua equipe começou a sair em missões sem ela. A primeira vez foi quando eles escolheram uma missão que não era aconselhável para magos celestiais. Lucy entendeu perfeitamente, e assim eles foram para a missão. Cinco dias depois, quando retornaram, todos pareciam mais alegres e estranhamente já tinham piadas internas. Depois disso foram para mais missões sem Lucy, afirmando que as missões eram “difíceis demais”.

Mas a gota d’agua foi em um dia ameno de outono.

Lucy tomava um suco de morango no bar da guilda, quando Natsu pediu para conversar com ela.

“Esses tempos percebemos que você não anda fazendo missões conosco.” Foram suas palavras. “Não acha melhor sair da equipe? Assim pode fazer suas missões solos sem se preocupar com a gente.”.

Lucy somente sorriu e acenou com a cabeça.

A partir desse dia, Lucy sentiu como se fosse uma fada sem asas.

Suspirou quando finalmente seus pensamentos voltaram ao presente. A paisagem finalmente mudou e Lucy pode ver a tão familiar cidade.

–Finalmente voltando para casa, não é?

Desceu do trem quando chegou na sua parada e foi andando lentamente até seu apartamento. Olhava para cada canto das ruas, não deixando de reparar em como Magnólia era uma cidade linda. Quando estava com seu antigo time, não tinha tempo para apreciá-la pois só tinha olhos para eles.

Chegou a porta de seu prédio e sorriu antes de entrar. Abriu a porta de seu pequeno, mas confortável, apartamento e a primeira coisa que fez foi cair de cara na cama. O frio só a fazia ficar mais sonolenta, até que ela finalmente sucumbiu ao cansaço e dormiu.

Não sonhou nada, como frequentemente acontecia. Acordou somente no dia seguinte, totalmente descansada e com o humor um pouco melhor.

Andou preguiçosamente até o banheiro. Tirou as roupas e, enquanto a banheira se enchia de agua quente, fez sua higiene. Não se olhava no espelho, pois sabia o que veria através do reflexo.

Depois de tomar um delicioso banho, Lucy vestiu roupas quentes e decidiu ir ate a guilda.

Invocou Plue, seu fiel amigo, e foi andando até seu destino. Não andou pelas beiradas da rua pois estavam cheias de neve. Quando, finalmente, chegou na porta da guilda, fechou os olhos e suspirou. Abriu-a e se deparou com a típica bagunça da qual já não fazia parte.

Sussurrou um “tadaiama” e foi ate o bar, onde Mira limpava copos com um sorriso no rosto.

Lucy, ao sentar, ficou olhando para Mira, perguntando-se quanto tempo demoraria ate a mesma notá-la. Decidiu que não gostaria da resposta e pigarreou.

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–Ah, Lucy. Desculpe por não vê-la. Estou muito distraída. – disse Mira preocupada. Afinal, sua natureza doce não a permitia ignorar propositalmente seus amigos. Lucy somente sorriu e balançou a mão, sinalizando que estava tudo bem. Mira voltou a sorrir. -Vai pegar alguma missão?

Lucy arregalou os olhos. Mira esqueceu que Lucy havia saído em missão duas semanas atrás e que acabara de chegar? A dor em seu peito aumentou, se tornando quase insuportável. Porém, Lucy sorriu e respondeu:

–Sim, tenho que ficar mais forte e preciso de dinheiro, ne? Tem alguma missão que combine comigo? –Mira assentiu com a cabeça e foi procurar o papel com os detalhes.

Lucy suspirou, deixando seu sorriso afrouxar um pouco. Então nem mesmo Mira notava a ausência de Lucy? As penas de suas asas pareceram cair mais um pouco e Lucy perguntou a si mesma se algum dia voltaria a se sentir uma fada normal.

Quando Mira voltou com o papel da missão, Lucy agradeceu e se levantou, preparando-se para ir embora novamente.

–Só tente chegar para a festa de natal. É nessa sexta e o Mestre quer toda a família aqui.- Lucy ficou tensa ao ouvir a palavra “família”, sentindo a dor aumentar, mas logo assentiu com a cabeça, o sorriso de volta ao rosto.

Era sempre assim: não conseguia ficar nem algumas horas na guilda sem sentir essa dor agonizante.

Enquanto se dirigia para a saída da guilda, ouviu seu nome ser chamado. Virou-se para trás e viu Levy MacGarden correndo em sua direção.

–Lu-chan! Você já vai para outra missão?- Lucy arregalou os olhos. Levy havia notado sua ausência? Sentiu vontade de chorar, mas conseguiu se controlar.

–Sim, Mira-san achou uma missão que combina comigo, então tenho que ir rápido antes que a perca. – Levy ficou emburrada ao ouvir suas palavras.

–Mas você acabou de chegar!- sua voz adquiriu um tom manhoso, como se fosse uma criança fazendo birra.- Não pode ficar mais algumas horas? Estou com saudades.- sussurrou a ultima parte.

A verdade é que no momento em que viu Lucy entrar na guilda, Levy percebeu que não a via há muito tempo. Sentiu um misto de culpa e tristeza e se viu na necessidade de passar o dia todo com Lucy.

Sentaram-se em uma mesa mais isolada. Ficaram em um silêncio incômodo, logo sendo desfeito por Levy.

– O que tem feito? Seu cabelo cresceu!- Lucy passou as mãos pelo cabelo, sorrindo o mais verdadeiramente que pôde.

– Só saio em missões.

– Mas onde esta o resto da equipe?- Lucy olhou-a confusa, mas logo em seguida sorriu novamente. Esse sorriso incomodava Levy.

–Levy-san...- Levy estranhou o “san” como sufixo de seu nome, mas decidiu ignorar por hora.- Eu saí da equipe faz uns três meses.

Levy arregalou os olhos. Três meses? Como assim? Pensando bem, foi mais ou menos a partir dessa época que parou de ver Lucy.

–Por que? O que houve Lu-chan?

–As missões eram muito difíceis para mim, então todos concordamos que eu deveria fazer missões solos por um tempo para me fortalecer, mas acabei me acostumando assim. No fim, eu e Natsu-san decidimos que seria melhor eu sair da equipe. –O sorriso não saiu nem por um segundo do rosto de Lucy.

Natsu-san? Por que Lucy estava se referindo a todos como se fossem estranhos?

Antes que Levy pudesse perguntar, Lucy já havia se levantado.

– Foi muito bom conversar com você, Levy-san. Mas eu preciso ir, ainda quero pegar o último trem de hoje.- Levy tentou argumentar que só haviam se passado quinze minutos, mas Lucy já havia se virado e estava correndo para a saída.

Levy andou até o bar, onde Mira ainda se encontrava limpando os copos. Sentou-se em um dos bancos e parou para pensar sobre Lucy. Mira, olhando Levy tão perdida em pensamentos, resolveu perguntar o que estava acontecendo.

–É sobre a Lu-chan...- Mira olhou-a confusa.- Diga-me Mira-chan, quando foi a ultima vez que você conversou direito com ela?

Mira parou por alguns minutos para pensar.

–Bom... a ultima vez foi uns cinco dias depois de Lisanna voltar de Edolas. Por que a pergunta?- Levy arregalou os olhos.

–Mas, Mira-chan... isso já faz uns quatro meses.

–O que? Não pode ser. –A voz de Mira falhou enquanto falava. Ela não acreditava que podia estar a tanto tempo sem falar direito com Lucy.

–Sim. Lisanna voltou na metade de agosto. – Mira arregalou os olhos.- Sei como se sente. Também não falo com a Lu-chan há muito tempo.- Levy tinha um olhar desolado no rosto.- Nem sabia que ela havia saído do time do Natsu.

–O que? Eu não sabia!- Mira estava cada vez mais pasma. Não sabia de nada que estava acontecendo na vida de sua amiga.

–É. Parece que ninguém sabe de mais nada que envolva a Lu-chan.

~•~

Do lado de fora da guilda, Lucy andava pensativa até seu apartamento. Embora tenha ficado feliz com a atenção que Levy deu à ela, não podia deixar de sentir apreensão.

Passou esses meses todos se perguntando como seria voltar a falar com todos, mas agora que parecia tão perto de conseguir, tinha medo Não queria se deixar levar e depois ser largada. Não de novo.

Quando chegou em seu apartamento, tomou banho e arrumou suas coisas. Logo depois saiu de casa, indo em direção a estação de trem. Comprou sua passagem e entrou em uma das cabines. De volta a sua amiga solidão.

Quando o trem começou a se mover em direção ao seu objetivo, Lucy só conseguiu pensar uma coisa:

“Sinto muito Levy-san. Talvez seja tarde demais, minhas asas já estão muito danificadas...”