Amor à venda.

Capítulo 10


"As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais". (Fernando Pessoa)

— Não acho relevante falarmos disso. — Vincent retomou, e não parecia tão bravo quanto Gil esperava. Soava até mesmo muito calmo. — Não tem nada de emocionante, só um objeto largado de uma antiga namorada.

— Normalmente esses objetos ficam guardados numa caixa no fundo do guarda-roupa. — Gil não tinha muitas experiências com ex-amores, mas acreditava que funcionava assim.

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Vincent fez uma expressão difícil de ler. Definitivamente não estava bravo com a sua intromissão, mas tampouco parecia confortável. Gil se arrependeu um pouco de iniciar aquele assunto e estava prestes a mudar o rumo da conversa quando o chefe continuou.

— Foi uma relação longa, e bastante conturbada. — Vincent sorriu com ironia, um sorriso que não alcançou os seus olhos. — Sabe como é, toda separação tem um pouco de drama.

Gil não sabia como era. Nunca tinha namorado seriamente com nenhum rapaz, mas achou melhor não comentar e apenas assentiu.

Era uma boa observadora, e já havia presenciado grandes sofrimentos da irmã em seus relacionamentos falidos, embora Kerya fosse uma mestre em camuflar as suas aflições para não preocupar a mais nova.

E definitivamente, se apaixonar nunca lhe pareceu um bom negócio.

— Éramos muito jovens, trabalhávamos juntos, nos relacionamos por alguns anos e depois tudo acabou. Foi isso.

Gil tinha certeza que era um resumo simplista, mas não parecia conveniente forçar os detalhes, e sendo franca, sentia algo estranho em sua garganta com toda aquela conversa, estava um pouco arrependida por ser tão curiosa.

— Você está muito séria, isso não precisa ser um monólogo, pode conversar comigo também. — Vincent zombou, e o seu tom soava surpreendentemente amigável.

— Não parece algo superado. — Gil não gostou do quão amarga aquela afirmação escapou.

— Não faz muita diferença. — Vincent ponderou. — Relações terminam todos os dias.

— Mas existem as duradouras.

— Não sabia que era tão otimista assim, senhorita Robert. — Vincent debochou e sorriu, mas Gil não retribuiu. Não era uma otimista, mas gostaria de se permitir acreditar em coisas como companheirismo, amizade e até mesmo em amor.

— Por que terminou? — voltou o foco em Vincent.

Vincent ficou em silêncio alguns segundos, pensativo. E Gil chegou a cogitar que ele não iria responder. — Términos são uma junção de diversos fatores. Acredito que não existia mais sentido seguirmos. Éramos pessoas pouco compatíveis.

— Parece que está descrevendo a finalização de um contrato de trabalho. — Gil fez uma careta, se arrependendo do que disse. Precisava controlar a sua língua.

Mas para a sua surpresa, Vincent soltou um leve sorriso. Ele realmente estava num humor agradável para conversar.

— Provavelmente víamos assim. Amelia era tão prática e emocionalmente indisponível quanto eu.

Amelia. Gil odiou esse nome. Nem soava ruim, e verdade seja dita, ela seria a última pessoa que poderia julgar. Mas achou péssima a confirmação de que aquele chaveiro tinha um nome agora.

— Você comentou sobre um drama. — Gil continuou, tentando dissipar o pensamento incômodo.

— Sempre tem um pouco de drama quando se deixa ir uma pessoa por quem é apaixonado.

Gil não perdeu o detalhe da frase ser dita no presente. E uma sensação horrível fez ela se mexer na cadeira. Por que estava ali?

Queria mesmo ser a confidente do Sr. Parker enquanto ele contava da sua paixão não superada pela tal mulher do nome bonito?

— Eu tenho alguns motivos para acreditar que Amelia se envolveu com um dos nossos diretores da época. — o olhar de Vincent parecia opaco. — Enquanto ainda estávamos juntos.

Gil não segurou o suspiro. Era algo bastante íntimo de ouvir. E definitivamente, precisava finalizar aquele assunto todo. O que estava pensando? Sequer eram amigos para que induzisse o chefe a se expor assim. E se sentiu uma péssima pessoa por isso.

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— O drama é esse, Gilan. Quando termina, nada sobra além de um chaveiro com as cópias das chaves em cima do balcão.

— Você realmente acredita que ela…— Gil oscilou, sua voz parecia muito fraca.

— Provavelmente eu nunca saberei.

— E foi por isso que tudo acabou?

— Acabou. — Vincent sorriu. Novamente aquele sorriso que não alcançava os seus olhos. — É uma boa maneira de descrever. Quando ela foi embora, realmente acabou com tudo.

— Ela o deixou. — não foi uma pergunta. Mas Gil se surpreendeu ao constatar que não havia sido o chefe quem terminou a relação.

Não que a sua personalidade fosse convidativa, mas já havia presenciado a maneira que o Sr. Parker agia com a mãe, não parecia tão indisponível emocionalmente assim. Parecia uma pessoa leal.

— Eu deveria ter confiado. — o chefe continuou. — Mas eu não consegui. Eu nunca pude de verdade. Acho que devo agradecer ao merda do meu pai. — o Sr. Parker ficou em silêncio de repente, e os seus olhos opacos encaravam um ponto fixo do quarto. — Eu só esperava o pior de Amelia, esperava o pior de qualquer um.

— Confiança precisa ser construída. Não existe um atalho para isso. — Gil encarou o mesmo ponto fixo que o Sr. Parker, mas sentiu o olhar do chefe desviar para a sua direção. — Uma vez eu li que o seu cérebro registra comportamentos nocivos e uma forma de se proteger é aguçar a sua intuição. Algo no comportamento de alguém pode nos ativar um instinto de proteção.

Vincent pareceu ponderar um pouco. Mas permaneceu calado.

Então, Gil continuou. — Confiar em alguém não depende apenas de um lado, confiança não é algo unilateral.

— Amor também não deveria ser, mas às vezes acontece como tem que acontecer.

— O senhor não poderia resolver sozinho. — Gil insistiu. Não estava ali para tomar partido, mas com certeza não gostou como o chefe se colocou numa posição inferior. Problemas de confiança não são algo fácil de resolver. E Gil também havia lido que os homens, em geral, são os que menos tratam de seus traumas.

— Eu costumo resolver as coisas sem a intervenção de ninguém.

Gil não sabia o que dizer. Conseguia entender muito bem a questão da confiança, ela mesma não se permitia muitas interações em sua vida, mas não conseguia entender sobre solidão. Sempre tivera Kerya, de qualquer maneira. E nunca se sentiu só, desamparada, ou rejeitada.

— Amelia noivou tempos depois com esse ex-diretor. Isso não confirma nada, é claro. Mas serviu para explicar algumas coisas. — Vincent pareceu se esforçar para soar desinteressado. — De qualquer maneira, soube que não deu certo.

Um pensamento gelou o corpo de Gil. Por qual motivo o chefe ainda tinha notícias de Amelia? Ainda se falavam? Ou se encontravam casualmente? Seria por isso que ela ainda parecia tão presente?

— Vocês ainda mantêm contato? — Gil não resistiu em perguntar.

— Nunca mais nos falamos. — Vincent confidenciou, e Gil sentiu um estranho alívio, que não durou muito tempo. — Mas ela está próxima de nós.

— De nós?

— Amelia White é a líder da equipe Moda Mulher, Gilan. — Vincent revelou categoricamente.

Gil demorou alguns segundos para assimilar aquela informação.

A mulher por quem Vincent ainda estava apaixonado era justamente a maior dor de cabeça que tiveram nos últimos meses.

Uma dor de cabeça que além de nome, tinha um conhecido apelido, megera.