Uma hora depois, Dulce desceu as escadas com a mochila nas costas e a bolsa no ombro. A mãe a deteve na porta.

— Você está bem?

Como eu poderia estar bem?

— Vou sair — foi a única resposta de Dulce. Mais do que tinha conseguido dizer sobre a avó. Na ocasião, ela tinha notado o batom vermelho-brilhante que a funerária tinha aplicado no cadáver da avó. Por que não tira essa droga da minha boca? —Dulce quase a ouviu resmungar.

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Assustada com esse pensamento, virou-se e olhou para a mãe. A mãe viu a mochila de Dulce e uma ruga de preocupação apareceu entre seus olhos.

— Para onde está indo? — quis saber.

— Você disse que eu poderia passar a noite na casa da Vitoria. Ou estava ocupada demais queimando a cueca do papai para se lembrar disso?

A mãe ignorou a alusão ao churrasco de cueca.

— E o que as duas vão fazer à noite?

— Mark Jameson vai dar uma festa para comemorar o fim das aulas — não que Dulce tivesse a mínima intenção de se divertir. Graças ao fim do namoro com Alex e ao divórcio dos pais, seu verão tinha ido parar no vaso sanitário. E, do jeito que as coisas estavam indo, sem dúvida alguém passaria por lá e daria a descarga.

— Os pais dele vão estar em casa? — a mãe arqueou uma sobrancelha.

Dulce agitou-se por dentro, mas não deixou transparecer.

— Não é lá que sempre estão?

Tudo bem, uma mentira. Quase nunca ia às festas de Mark Jameson justamente por aquele motivo — e era nisso que dava ser tão comportada. Agora precisava esfriar um pouco a cabeça.

Além do mais, a mãe também não tinha mentido quando o pai perguntou pela cueca?

— E se você tiver outro daqueles sonhos? — perguntou a mãe, tocando seu braço.

Um toquezinho de leve. Era tudo o que ganhava da mãe nos últimos tempos.

Nada de abraços demorados, como os do pai. Nada de passeios juntas. Apenas indiferença e toques rápidos. Mesmo quando a avó materna morreu, sua mãe não a abraçou — e Dulce, na ocasião, precisava muito de um abraço. Ao contrário, foi o pai que a abraçou e acabou ficando com uma mancha de maquiagem no paletó. Agora, papai e todos os seus paletós tinham ido embora.

Respirando fundo, Dulce fincou as unhas na bolsa.

— Avisei a Vitoria que talvez eu acorde gritando, com sede de sangue. Ela me garantiu que vai cravar um crucifixo de madeira no meu coração e me arrastar de volta para a cama.

— Acho melhor, então, você esconder as estacas antes de dormir — a mãe tentava esboçar um sorriso.

— Farei isso — por um instante, lamentou deixar a mãe sozinha justamente no dia em que o pai foi embora. Bobagem. Ela ficaria bem. Nada abalava a Rainha do Gelo.

Antes de sair, Dulce olhou pela janela para se certificar de que não seria perseguida pelo cara de farda. Achando que o terreno estava livre, cruzou a porta, esperando que a festa da noite a ajudasse a esquecer de tudo de ruim que estava acontecendo em sua vida.