Para Alice era difícil admitir, mas ela estava em festa por dentro.

Ela não conseguiu conter o sorriso ao apertar a campainha e dar de cara com uma alta mulher loira. Não esperava que fosse cumprimentada, estava acostumada a ser ignorada por gente “daquela cor”.

Alice se impressionara com a casa do senhor Wickham, ela era enorme. Não era apenas a maior casa que já havia visto, como também a mais luxuosa. Os sofás pareciam de couro legítimo e um lustre brincava no teto da enorme sala de estar. Os móveis tinham cores claras, mas alguns possuíam detalhes diferentes e sofisticados. Havia um tapete também, ela podia jurar que parecia um urso de verdade no chão.

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Seu olhar estava fixo em um dos curiosos quadros da senhora Lisa, quando alguém chamou seu nome e ela voltou sua atenção para o centro da sala.

— Senhorita Jackson? — exclamou a alta mulher loira, que agora Alice já havia percebido ser uma empregada. — Pode me seguir? O senhor Wickham a aguarda em seu escritório.

As duas subiram as escadas, lado a lado. Quando chegaram ao corredor, Alice observou um pouco mais a decoração da casa e seguiu até o fim das salas.

A empregada abriu a porta, deixando-a com uma perfeita vista do dono da casa. O senhor Wickham segurava um charuto com a mão esquerda, na direita brincava com o jornal fresco. Ele amava ler notícias, mesmo que se irritasse com ela na maioria das vezes. O visual diferente de Edward chamava a atenção de Alice, que o achava a mistura perfeita entre bonito e inusitado.

O loiro tinha uma camisa branca presa à sua calça preta de alfaiataria. Seus sapatos eram verdes, o que chamava atenção em qualquer lugar; seus cabelos estavam bagunçados, como se não tivessem sido penteados e por fim, um relógio prateado informava que eram 11:43 daquela manhã de Quarta-feira.

— Pode retirar-se, Sky — O homem dirigiu-se à empregada, que fechou a porta e murmurou algo que Alice não entendeu.

Nossa protagonista fechou os olhos e os abriu, apertou os lábios e passou a mão pelos cabelos, então finalmente disse:

— Bom dia, senhor — Não atreveu-se a dizer seu sobrenome, sentia-se desconfortável.

— Bom dia, senhorita Jackson — ele respondeu com entusiasmo. — Como está se sentindo hoje?

Ela não respondeu de imediato.

Observou seus sapatos pretos e sua meia calça. Novamente, passou a mão pelos cabelos cacheados e imaginou se eles estavam perfeitamente presos como havia os deixado. Em seguida, pôs-se a pensar se sua saia vermelha estava bem ajustada ao corpo e se sua blusa amarela não deixava o visual ousado demais para uma babá. Sua mãe insistira que usasse aquela roupa, então não negou.

— Melhor impossível — Sorriu forçadamente. — E o senhor?

Droga. Ela se arrependeu de ter feito a pergunta. Talvez ele achasse que estava sendo intrometida, mas ele havia perguntado antes, certo? Errado. Alice começou a pensar que poderia perder o emprego por aquela simples pergunta. Dois segundos haviam se passado desde a pergunta, ela calculou que já estava na hora de Edward responder.

O loiro suspirou.

Seu suspiro fez com o que coração da negra disparasse. Ela estaria demitida antes de ser admitida? Oh céus, ela rezava para que isso não ocorresse.

Em um gesto de alívio para ela, Edward ajustou a camisa branca e respondeu:

— Muito bem, obrigado por perguntar.

Alice soltou a respiração.

— Está pronta para conhecer a fera? — o loiro brincou. — Minha sobrinha pode meter medo nos adultos quando quer.

Ela não riu. Começou a imaginar como seria a garotinha: decerto é bonita, o tio é um espetáculo. Pensou, para em seguida se recriminar. Era tão errado assim achar o futuro patrão bonito? Na mente de Alice era mais que errado, era proibido.

Edward olhou para o rosto da jovem, que parecia pensar sobre algo. Ele não entendia o motivo, mas sabia que a amedrontava. Ela falava pouco em sua presença e parecia calcular cada fala. O loiro começou a achar que a garota não gostava dele, já que parecia ser um inferno estar em sua presença. Ele tinha esta habilidade peculiar: afastar pessoas que ele gostaria de ter próximas.

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Ela seria a pessoa certa? Edward começou a perguntar-se. Se continuasse em silêncio a maior parte do tempo, como poderia fazer companhia a uma criança? Aquilo tinha chances de não dar certo, mas alguma coisa estranha dizia que Charlotte amaria a nova governanta. Alice daria conta do recado, ela precisava dar conta. Alice ainda perguntava-se se realmente devia ter aceito a oferta de emprego.

— Desculpe a pergunta — Alice gaguejou. Edward admirou sua voz, ele tinha poucas oportunidades. — Mas o que pode tê-la feito ficar assim? Alguma perda irreparável?

O loiro soltou o ar. Ela não era nenhuma tola, afinal. A garota parecia muito bem informada. Mas como ele conseguiria explicar o destino tão trágico de sua família? Charlotte havia perdido a mãe; ele a irmã e a mulher de sua vida; sua mãe, o seu pai, que não era tão pai assim.

— Ela perdeu a mãe.

A garota arregalou os olhos, porém ao perceber seu gesto indelicado, voltou a sua expressão normal. Não podia mostrar-se insensível.

— Eu sinto muito… — Alice engoliu em seco. — Deve ter sido um trauma muito grande para toda a família.

Edward não gostava de lembrar daquilo. Odiava lembrar-se que havia perdido sua irmã, pois isso o lembrava de outras perdas, perdas que ele não conseguia dormir sem lembrar. O frio senhor Wickham havia amaldiçoado a Deus quando perdeu seu pai, anos depois o castigo veio com mais duas perdas. Trágica vida a do homem.

— Guarde seus sentimentos para quem precisar dele, eu já não mais preciso — O loiro sorriu, mesmo que sentisse uma tremenda dor. — Podemos continuar falando de Charlotte?

Ela não havia apreciado a resposta do homem, mas preferiu se calar. Ele não havia sido grosseiro, mas ao cortar o assunto, acabou por expor seus sentimentos mais profundos. Alice não era burra. Ela entendia de coisas da alma e sabia que a dele não estava perdida, apenas cansada e machucada. Seu trabalho ali não era se importar com o loiro bonito, mas cuidar de sua sobrinha, portanto ela não tinha que se importar. Não tinha de se importar, mas se importou.

Seus pensamentos voaram até cada uma das perdas do homem, como se pudesse ler a mente dele. Imaginou-o perdendo seu pai, o fato deveria ter acontecido em sua adolescência ou no máximo, no início de sua juventude. Viajando um pouco mais, imaginou o nascimento de Charlotte, talvez a irmã dele houvesse morrido nele. Como ela poderia saber? Seus chutes eram bons. Mesmo com tantas suposições e teorias, ela não sabia da pior e mais significativa perda, Lorena.

— Claro — ela respondeu ríspida. Tentava soar profissional.

O homem abriu a porta e saiu pelo corredor, Alice entendeu que deveria segui-lo. Assim o fez.

Eles caminharam pelo corredor, parando em dados momentos e conversando sobre salário e dias de serviço. Pelo que Alice havia entendido, ela teria que morar na casa, isto é, ficar durante toda a semana e sair apenas aos fins de semana. Não haveria problema para ela, não fazia nada mesmo. Não sabia o que sua mãe pensaria daquilo, mas resolveu aceitar sem pensar duas vezes. O salário era maior que o de sua irmã, mesmo que seu cargo fosse bem menor. Uma simples babá ganhava aquela quantidade de dinheiro?

— Charlotte aprecia a Geografia, mas odeia a Matemática, ela gosta de escutar músicas adultas, mas odeia livros infantis… Não entendo essa garota — Edward confessou.

— Talvez ela apenas seja mais madura que a maioria, isso não é algo ruim, senhor. Na verdade, penso que ela será uma mulher inteligentíssima algum dia, se é assim — A resposta veio rápido dessa vez. — Não penso que ela será assim tão difícil, penso que ela é só uma criança incompreendida.

— Você não a conhece, por isso pensa assim — ele garantiu. — Quando a conhecer, verá que não exagero quando digo que seu temperamento é muito forte.

Talvez por ter puxado o tio. Alice pensou. Tinha certeza que o homem estava exagerando. Apostava que a garota era amável.

— Ela possui algum acompanhamento psicológico? — questionou Alice.

— Sim, a psicóloga vem visitá-la duas vezes por semana.

— E quanto a educação? — O homem levantou as sobrancelhas com a pergunta. Ela parecia mesmo interessada.

— Ela tem tutores de todas as matérias e várias línguas, inclusive agora está tendo lições de Francês.

Ele esperava que Alice fosse se impressionar e ela o fez, mas não de forma positiva e sim de forma negativa. Achava que a garota deveria frequentar a escola, dessa forma seria mais alegre.

— Por que ela simplesmente não vai à escola? Temos escolas incríveis em nosso país, para as pessoas que podem pagar elas são perfeitas — ela opinou. — Ela deve ser uma criança solitária.

— Optamos por uma educação particular e íntima, pensamos que ela absorverá melhor as coisas sozinha.

— Pode ser que absorva, mas o contato com o mundo real é indispensável.

O homem estava impressionado. Os argumentos da garota eram incontestáveis, ela era genial. Com certeza a governanta perfeita para sua sobrinha. Mesmo que discordasse de alguns pontos, a garota merecia atenção. Talvez se tivesse tido oportunidades, houvesse se transformado em uma incrível advogada ou até mesmo uma política respeitada.

— Acho que a senhorita está certa, mas duvido que minha mãe aceitaria tal coisa — ele observou. — Por enquanto, seja você o contato dela com o mundo real.

— Como quiser, senhor.

Edward olhou para seu relógio. As aulas de sua sobrinha deveriam estar no fim.

— Aguarde alguns minutos aqui, trarei a garotinha até aqui — ele disse, então Alice concordou e continuou parada.

Edward caminhou até o quarto de Charlotte, onde ela estava tendo aulas de Francês com sua professora estrangeira.

Logo que seu tio abriu a porta, Charlotte fechou a cara. Ela estava chateada com o tio, ele não lhe dava nenhuma atenção. A professora sorriu para o empresário, que não lhe devolveu o sorriso.

— Bom dia, senhor Wickham — A francesa cumprimentou.

— Bom dia, senhora Poulain — ele respondeu. — Posso levar minha sobrinha? Quero que conheça sua nova governanta.

A loirinha revirou os olhos. Não queria saber de governanta alguma, queria apenas comer um doce e continuar pensando em escrever uma história onde as garotas não tenham de vestir vestidos tão ridículos como os que ela usava. O daquele dia era roxo com algumas florezinhas brancas pela barra. Seus cabelos dourados estavam presos em um coque feito com esmero, mas que apertava sua cabeça. Odiava vestir-se daquela forma.

— Não quero conhecer ninguém! Estou cansada e quero dormir! — Charlotte gritou. — Me deixe em paz! Pare de fingir que liga para mim.

Charlotte havia deixado seu tio com vergonha, ele odiava ser desrespeitado na frente dos outros, parecia completamente sem pulso firme. A verdade era que Charlotte tinha suas próprias vontades e conseguia dominar todos os seus parentes facilmente, ninguém gostava de vê-la gritando daquele jeito.

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— Vamos agora, querida — ele tentou soar calmo. — Não é de bom tom fazer as pessoas esperarem.

— Eu não tô nem aí! — a garotinha rebateu. — Apenas esqueça que existo.

Às vezes Charlotte deixava seu tio de boca aberta por falar coisas que ele acreditava estarem acima de seu conhecimento.

— A senhora pode nos dar licença? — Edward falou com a professora, que juntou suas coisas e saiu pela porta.

Alice ainda esperava no corredor. Já havia passado de dez minutos, ela não sabia o que estava acontecendo, mas viu uma mulher de cabelos avermelhados passar com uma mala de mão preta e aparentemente nervosa. Não era da conta dela, afinal.

Mais dez minutos se passaram e nada de seu patrão aparecer. Algo havia acontecido, disso ela tinha certeza.

Quando ela já se preparava para descer e perguntar para alguém sobre o paradeiro do senhor, ela escutou o barulho de passos e deparou-se com o homem, sozinho.

— Me desculpe, mas Charlotte se nega a vir aqui — O homem estava claramente envergonhado. — Não sei mais o que fazer.

— Tudo bem, eu vou até ela.

— Não, você não vai conseguir assim.

Alice odiava ser subestimada, por isso insistiu:

— Confie em mim.

— Se você diz, te levarei até lá.

Chegando ao quarto da garota, Alice não conseguiu não reparar na decoração infantil. O rosa gritava, assim como as bolinhas na parede e os desenhos de borboletas. A garotinha estava sentada, com raiva.

Alice aproximou-se da pequena devagar, sem querer assustá-la. Charlotte ainda não tinha percebido a presença da jovem ali, por isso continuou em total silêncio, Edward observava tudo de longe. Mesmo que não quisesse, Alice percebeu que o vestido da garota estava apertado e que ela não se sentia confortável. Precisava mudar muitas coisas por ali.

— Quem é você? — Charlotte perguntou, estava curiosa.

— Eu sou Alice, sua nova amiga — Alice respondeu.

— Tipo Alice no país das maravilhas? — A pequena pareceu muito interessada de repente.

Edward arregalou os olhos.

— É, tipo a Alice no país das maravilhas, mas depois de tomar bastante sol — As duas riram. — É brincadeira. Você sabia que nem que você tome muito sol, você fica da minha cor?

— Sabia sim. O que define nossa cor de pele é a melanina.

— Então é uma menina muito inteligente! — Alice elogiou a garotinha, que sorriu. — Quantos anos você tem?

— Sete, quase oito.

— Uau! É uma menina prodígio!

— Obrigada, mas é sério, quem é você?

— Sou sua nova amiga por um tempo, que tal?

Charlotte enrugou a testa. Finalmente havia percebido quem era Alice: mais uma das suas governantas insuportáveis, ela não estava mais enganada. Por mais que ela parecesse legal, deveria ser mais uma dessas mulheres rígidas e malucas.

— Você é a tal governanta — A loirinha fez biquinho. — Sabia que só podia ser coisa do meu tio!

— Não se engane, sou sua nova governanta sim, mas também quero ser sua amiga.

— Se for realmente minha amiga como diz, vai pedir ao meu tio para tirar esse vestido apertado de mim.

Edward aproximou-se das duas.

— Ela realmente quer ser sua amiga, querida.

— Aposto que trouxe essa daqui de algum país exótico para me ensinar alguma coisa que não sei! — Charlotte respirou fundo. — Por que insiste com isso?

— Não vim de país exótico algum, ou melhor, meus antepassados vieram da África.

— Isso é sério? — Novamente os olhos da garotinha brilharam. — E você já foi até lá?

— É… não.

— Ah! — A criança se decepcionou. — Você não vai me ensinar etiqueta, vai?

— Claro que não! Vou apenas te fazer companhia e te arrumar, que tal? — Alice piscou um olho.

— Talvez você mereça uma chance — A loirinha balançou os pezinhos. — Parece a melhor que meu tio já me trouxe.

Alice avermelhou com o comentário. Edward desviou o olhar rapidamente, queria evitar contato visual.

Depois de despedir-se da garotinha — que ainda que relutante, parecia aceitar melhor a ideia — voltou ao escritório de Edward.

— Você foi fantástica! Nunca a vi tão aberta com alguém — Edward exclamou. — Quando pode começar?

— Ela realmente tem um temperamento forte, mas é muito inteligente. Posso começar amanhã se quiser.

— Tudo bem, muito obrigado — O homem estendeu a mão, que foi pega por Alice. — Antes que vá, tenho que perguntar algo.

— Diga.

— Quantos anos você tem?

A jovem não entendeu o motivo da pergunta. O que aquilo lhe dizia respeito? Mesmo assim, resolveu responder:

— Tenho dezoito, senhor.

E se virou, deixando o homem perplexo.