Ovelhas Negras

A garota de tranças


Luan

Círculos perfeitos de fumaça saiam do cigarro de Luan e voavam direto para fora da janela de seu quarto. Uma música aleatória preenchia o recinto e ecoava para os cômodos mais próximos. A única vantagem de seu pai ter-lhe mandado para aquele fim de mundo era essa: ele podia fumar quantos baseados quisesse, onde quisesse e com a música na altura que quisesse.

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Se Antônio, seu pai, achava que sua avó iria controlá-lo, ele estava muito enganado. Laura era mais louca que ele e era ela quem abastecia Luan com a maconha de melhor qualidade que ele já vira. Fora o uísque e o vinho que ela insistia em beber todos os dias, e insistia que ele bebesse com ela. Luan se perguntava, sinceramente, como a velha ainda tinha pulmão e fígado.

Para o azar de Antônio, viver no fim de mundo com a velha louca da Laura estava sendo maravilhoso para Luan. O único problema do menino seria se o pai descobrisse que sua avó encobrira o que ele aprontara na véspera da volta às aulas. Mas, considerando que nenhuma das pessoas que estava com ele conhecia pessoalmente sua família, o segredo iria morrer entre o neto e a avó.

Ao se lembrar de Lola e Felipe, Luan riu. Provavelmente, por causa do efeito da maconha. Mas, ainda assim, era cômico o fato dele ter se metido, logo em seu primeiro dia, com aqueles dois. Quer dizer, Lola ainda fazia seu estilo. Mas Felipe? Luan riu mais um pouco, porque o encontro dos três fora realmente inusitado.

Ele estava em um restaurante bem chique almoçando com seu pai e sua avó quando a conversa ficou insuportável demais para ele aguentar sem ficar chapado. Então, inventou que iria ao banheiro, levantou da mesa e seguiu direto para o bosque que vira quando chegara.

Ele procurou a árvore mais escondida de todas e sacou do bolso seu kit de emergência: um baseado já bolado e o isqueiro da sorte. Começou a fumar, soprando a fumaça para longe. Só o ato de tragar, já o deixava mais relaxado.

De repente, ele escutou o barulho de passos se aproximando e uma parte dele temeu que fosse Antônio, procurando por ele. Luan não poderia estar mais enganado.

Quem surgiu de dentro do bosque foi uma garota incrivelmente linda. Sua pele negra contrastava com a camisa branca que usava e as tranças do cabelo emolduravam seu rosto, dando-lhe traços da realeza. A garota segurava seu próprio baseado enquanto mexia numa bolsinha preta pequena.

⸺ Ai, que merda, não acredito que esqueci em casa! ⸺ Ela disse, fechando a bolsa com raiva. Então, olhou pra Luan e disse: ⸺ me dá seu isqueiro.

Embasbacado pela beleza e pelo modo de falar da garota, Luan nem se mexeu.

⸺ Eu tô falando com você! ⸺ Ela disse novamente, ainda mais impaciente. ⸺ Me empresta seu isqueiro.

⸺ Você é muito gentil, sabia? ⸺ Finalmente ele disse algo, num tom irônico, enquanto jogava seu isqueiro da sorte para ela.

⸺ Obrigada. ⸺ Ela respondeu, enquanto acendia o baseado. ⸺ E me desculpe, eu tô um pouco estressada com meu encontro.

⸺ Relaxa, eu também tô um pouco estressado com o meu ⸺ ele devolveu. ⸺ É por isso que estou aqui.

Os dois riram por alguns segundos e voltaram a ficar em silêncio. Mas Luan não conseguiu se conter: ficou fascinado pela garota de tranças e teve que começar a fazer perguntas.

⸺ Então, encontro, hein?

⸺ Ah! ⸺ Ela deu um longo trago no cigarro antes de explicar: ⸺ é só um cara que conheci no Tinder e acha que vai conseguir me comer se me levar em lugares caros e me der presentes. ⸺ A menina soltou uma risada amarga.

⸺ E ele vai? ⸺ Luan perguntou, erguendo uma das sobrancelhas.

⸺ Vai depender do tamanho do produto.

Por um momento, ele achou que ela estava falando sério, mas, então, a garota começou a rir. Luan, achando graça, também riu. A maconha já começava a fazer seu efeito.

⸺ Maria de Lourdes. ⸺ A garota estendeu a mão livre para ele. ⸺ Mas pode me chamar de Lola.

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⸺ Luan Monteiro. ⸺ Ele disse, apertando a mão da garota. ⸺ Foi um prazer te conhecer, Lola.

⸺ Uou ⸺ ela assobiou, ignorando o tom galante que ele usara para se apresentar. ⸺ Então quer dizer que o filho pródigo decidiu voltar?

Luan estreitou os olhos. Aquela era realmente uma cidade pequena. A menina que ele acabara de conhecer conhecia sua família e a história de seu pai sobre nunca mais pisar os pés no interior. Pena que aquela promessa de Antônio só era válida para ele próprio.

⸺ Na verdade, ele preferiu mandar o filho dele.

⸺ Bem, o que eu posso dizer? ⸺ Lola deu mais um trago em seu cigarro, que já estava quase no fim. ⸺ Bem-vindo ao inferno, Luan Monteiro.

A menina deu uma última tragada e atirou seu cigarro ao chão cheio de folhas pisando nele com suas sandálias de salto muito alto, e deu às costas para Luan, como se nunca mais fosse vê-lo.

⸺ Ei! ⸺ Ele a chamou. Não queria perdê-la de vista. Lola fora, literalmente, a única coisa interessante que havia encontrado no fim do mundo. ⸺ Alguma dica para um recém-chegado?

⸺ Fique longe dos nerds! ⸺ Ela gritou, sem nem se virar.

Luan precisava pensar em algo para chamar a atenção daquela garota e rápido, porque ela já estava a meio caminho da porta do restaurante. Numa atitude desesperada, ele jogou o baseado no chão, pisou nele para apagá-lo e saiu correndo atrás de Lola. Como ela estava de salto alto, não conseguia andar tão rápido quanto ele, então foi até fácil alcançá-la.

⸺ Ei! ⸺ Ele gritou mais uma vez, e agora ela se virou. ⸺ Eu estava pensando em...

⸺ Dar o fora daqui? ⸺ Ela o interrompeu, abrindo um sorriso no rosto. ⸺ Achei que você nunca iria pedir.

Luan estava com a chave do carro da avó porque viera dirigindo. Então, ele apenas segurou na mão de Lola e a conduziu até o veículo. Como não tinha muito o que fazer no início de tarde daquela cidadezinha, eles foram comprar umas bebidas, enquanto rodavam de carro por aí até o horário de uma festa que Lola acabara de descobrir.

⸺ Você faz muito isso? ⸺ Luan perguntou, quando eles ficaram em silêncio e sem assunto.

⸺ Isso o quê?

⸺ Sair de seus encontros com outros caras que acabou de conhecer?

⸺ Só quando o outro cara me empresta um isqueiro ⸺ ela disse, rindo.

Luan não pôde deixar de notar como o sorriso dela era bonito.

⸺ Ei! ­⸺ Ela gritou olhando pela janela do carro. ⸺ Aquele cara ali na frente é meu colega. ⸺ Lola apontou para um menino magrelo de cabelos castanhos que andava bem desengonçado. ­⸺ Felipe. Ele é nerd. O tipo de gente que você deve manter distância, ouviu, Luan Monteiro?

Lola já estava bem bêbada, pelo que ele podia notar. Só se dirigia a ele pelo nome e sobrenome e ria de tudo. Era isso o que acontecia quando se misturava bebida e maconha.

⸺ Aposto que ele iria pra festa conosco. ⸺ Ele decidiu desafiá-la, só para se divertir um pouco.

⸺ De jeito nenhum. Acho que ele não deve saber nem como é sair de casa. ⸺ Ela gritou essa última parte. ⸺ Ele nunca tomou nada mais forte que xarope pra gripe.

⸺ Então, vamos desvirtuá-lo?

Ele imaginou que ela fosse negar ou perguntar o que eles estavam apostando, mas Lola apenas riu e o forçou a parar o carro para que ela descesse. A menina praticamente forçou Felipe a entrar no automóvel de Luan, e ele reclamou o dia todo, inclusive no trajeto para a festa. Luan nunca imaginaria que ele seria responsável pela confusão toda que rolaria mais tarde e pelo fato de Lola ter passado a odiá-lo.

O menino deu mais um trago no cigarro de maconha que tinha entre os dedos e começou a rir. Quando ele imaginaria que ser mandado para o inferno seria tão divertido?

⸺ Luan? ⸺ Uma voz o chamou, quase gritando, o tirando de seus devaneios.

O susto que levou fez com que ele derrubasse o baseado no chão e teve que correr para apagá-lo.

⸺ Acho bom você parar de fumar isso enquanto seu pai estiver aqui ⸺ disse Laura, a avó de Luan, desligando a caixa de som do garoto.

⸺ Ele ainda está aqui? ⸺ Luan perguntou, num muito entediado, como se não quisesse saber a respostas. ⸺ Não tem ninguém precisando dele na terra dos velhos caretas, não?

⸺ Luan! Ele é seu pai! ⸺ Laura repreendeu o neto.

⸺ Como se você quisesse ele aqui, né velha?

⸺ Fala baixo, ele pode ouvir. ⸺ Laura deu uma olhada na porta do quarto de Luan, para se certificar de que o filho não estava passando. ⸺ Mas é bom você se comportar enquanto ele estiver aqui, ou seu pai vai achar que deixo você fazer tudo o que quer.

⸺ Mas você deixa, velha! ⸺ Luan riu.

⸺ Mas ele não precisa saber.

Luan teve que concordar com a avó e começou a procurar seu kit "disfarce para quem acabou de fumar um baseado". Enquanto ele colocava colírio nos olhos, sua avó ia espalhando perfume no ar.

⸺ Espero que fique em casa essa noite ⸺ ela ia dizendo ⸺, porque não quero ter que inventar desculpas sobre seu sumiço.

Como se estivesse querendo contrariar a avó de Luan, o celular do garoto começou a vibrar no bolso de sua calça. Quando o desbloqueou, viu várias mensagens de Lola, o que era bem estranho, considerando que ela vinha ignorando a existência dele nos últimos dias. Então, por curiosidade, abriu as mensagens da garota.

⸺ Velha ⸺ Luan chamou a avó ⸺, eu vou precisar das chaves do carro ⸺ disse, enquanto lia o que Lola havia mandado. ⸺ Prometo que depois te explico tudo.