Fiquei supresa quando recebi aquela ligação. Não conhecia o número, quase não atendi. Mas resolvi dar uma chance ao possível atendente de alguma empresa de cartões, que precisasse atingir a sua meta. Mas ao invés de um “Bom dia, senhora. Podemos falar sobre seu Mastercard?”, uma voz grave disse um sonoro oi, até um pouco exagerado. Foi assim que tudo começou

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Ele me chamou pra tomar um café! Sherlock Holmes me convidou para tomar um café. Como isso é possível? Durante o casamento de John e Mary, ele se mostrou muito gentil e atencioso, claro que apenas depois de resolver todo aquele problema com o amigo de John, mas mesmo assim. Nem parecia que um assassinato estivera prestes a acontecer ali. Naquela tarde, peguei-me várias vezes admirando a figura de Sherlock, tão longilínea, perfeita dentro do figurino de padrinho. Sua voz ressoava pelo salão, como um barítono numa ópera.

E foi apenas isso.

Eu, feito uma garota de colégio, admirando o garoto mais bonito da escola. Sherlock não me deu chance de me aproximar mais do que estava previsto no script da cerimonia. Nenhuma chance. Eu tentava fazer com que me notasse, usando todas as técnicas que os “especialistas” diziam funcionar, mas nada parecia causar efeito, Absolutamente nada. E eu ali, feito boba. Mary havia me avisado que isso poderia acontecer. Ela disse que Sherlock agiria de uma forma não convencional e que isso acabaria me atraindo. E atraiu mesmo, feito um imã. Ela sabia que eu gostava dos tipos misteriosos, principalmente quando eles começavam a falar difícil. Sempre fora assim. Nós dançamos, Sherlock e eu. Conversamos e sorrimos um para o outro. Cheguei a pensar, quando estávamos sozinhos e ele confessou pra mim o quanto amava dançar, que tinha conseguido fazer uma brecha naquela armadura. Mas no fim, encarei as probabilidades e desisti do sonho de ser a madrinha que ficou com Sherlock Holmes. Acabei saindo com um outro cara… nem lembro mais o nome dele. Não era nada interessante. E foi meio estranho, aliás. Ok, mas voltando ao Sherlock, enquanto eu dançava com o outro cara, o vi passar, sozinho. Acenei com a cabeça e sorri, como forma de agradecimento pelo que ele havia feito mais cedo. Ele retribuiu o aceno e saiu. Não o vi mais aquela noite.

Achei que havia acabado ali. Até receber aquele telefonema:

- Espero que não se importe. – Sherlock falou, num tom diferente do que eu já tinha escutado. Ele parecia mais “suave”, mais relaxado.

- De forma alguma! Respondi. – Estou apenas surpresa. Não lembro de ter te dado meu número.

- Eu peguei seu número no celular da Mary.

- Ok.

Apesar de achar aquilo bem estranho, abri um sorriso enorme. Quer dizer que eu deixei uma impressão tão boa em Sherlock, que ele precisou roubar meu numero do celular da Mary. Porque não pediu a ela simplesmente? Será que ninguém podia saber que ele estava ligando para uma mulher, que não era cliente?

- Bem, Janine, - Sherlock disse, pausadamente - gostaria de convidá-la pra um chá, um café. O que te parecer melhor.

E eu disse, sem pestanejar::

- Claro! Quando e onde? Eu trabalho até...

- Hoje, as 18h. Te pego quando sair do trabalho.

- Eu trabalho no…
- CAM Global News. - Ele respondeu de uma vez.

E novamente, com os olhos arregalados, meio perplexa, em vez de ficar assustada e fugir, só respondi:
- Ok.

- Até, Janine.

Com o coração disparado, meio perdida, tentei continuar o que estava fazendo. Minha vontade era de imediatamente ligar, escrever, mandar SMS pra Mary, ir para casa e tomar um longo banho com sais perfumados ou qualquer coisa assim, mas Mr. Magnussem estava me pedindo tarefas demais naquela manhã. Tentei me concentrar o máximo possível no trabalho, mas eu não sabia mais o que era foco. Só conseguia pensar no que Sherlock estaria planejando.

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Eram quase seis horas. Não tinha terminado nem metade do que tinha que fazer. Larguei tudo em cima da mesa, do jeito que estava e desci. Sherlock me esperava no saguão, vestindo o mesmo casaco das fotos do jornal, o cabelo encaracolado caindo suavemente na testa. Graças a Deus ele não usava o chapéu. Uma moça passou ao lado dele, lançando olhares desejosos, que ele simplesmente ignorou. Respirei fundo e me segurei para não sair correndo na direção dele. Não é sempre que tem um homem daqueles esperando a gente, não é? Quando me viu, ele sorriu:

- Janine, oi. Você... Você está muito bonita hoje.

Um elogio logo de cara?

- Obrigada! - Respondi sorrindo também, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, sentindo minhas bochechas esquentarem. - É roupa do dia a dia. Você me pegou de surpresa.

Ele sorriu de novo e tocou nas minhas costas, indicando o caminho à frente com a outra mão.Eu parecia uma boba de novo. Tinha certeza que ele percebera tudo.

As duas horas seguintes foram surpreendentemente agradáveis. Sim, duas horas. Conversamos sobre os mais variados assuntos. Ele dizia que queria saber mais sobre mim, perguntou sobre o trabalho e sobre minha família. Falei tudo que achei relevante, pensando que a todo momento, a cada palavra que eu dizia, ele descobria mais vinte outras coisas:

- Gosto muito de Londres - Eu disse, quando ele me perguntou sobre a cidade. - Mas acho que seria mais feliz se morasse no campo, ou numa cidade um pouco menor. Meu trabalho é bom até, mas…

E mais assuntos se seguiram. Ele me disse que não saberia viver fora de Londres e que nos dois anos em que esteve fora, não via a hora de por os pés em solo inglês novamente. Me falou um pouco sobre o irmão, a quem ele se referiu como Mike. Perguntei se eram apenas ele e Mike. Suas feições se fecharam um pouco e percebi que talvez fosse um terreno onde eu não devesse pisar.

Então deixamos o café e fomos andando em direção a estação do metro. Infelizmente, meu apartamento ficava do outro lado da cidade, completamente oposto ao dele. Minha mente havia devaneado um pouco, esperando que ele fosse me levar até a porta de casa, talvez entrar. Parei no topo da escada:

- Bem, farei essa pergunta agora mesmo, pra não ficar especulando, pensando e pensando e não acontecer. - Disse a ele, sendo sincera. Se era coisa de uma vez só, eu não queria ficar esperando que ele me ligasse e isso nunca acontecesse.

- Nada mais justo. - Ele respondeu.

- Nós nos veremos de novo? Nesse... contexto?

- Contexto?

- Sim. Nos veremos de novo como num encontro?

- Hummm..

- Sherlock!

Pra minha surpresa ele sorriu e disse:

- Sim. Quando você quiser.

Meu coração parou e eu demorei alguns segundos pra me mexer:


- É melhor se apressar se quiser pegar o próximo trem. Sherlock disse, se afastando e piscando pra mim. O vento bagunçando seu cabelo, balançando seu casaco. O cheiro dele ainda pairava ali. Me virei e desci as escadas. Quase dando pulinhos, pra ser sincera. Eu, Janine, definitivamente fizera uma brecha na armadura.