Mentiras, Viagens e Um Mapa de Mochilão

Segundo | Para que algo comece, algo tem um fim |


– Dimi! Você tá prestando atenção no que eu tô falando?

– Não, desculpa.

– Pelo amor do bom Deus, presta atenção nas coisas Dimitri!

O rapaz havia sido trazido de volta à realidade pelos gritos de Alexia e abruptamente se levantou. Ela não entendeu nada e fez a mesma coisa, olhando para ele com curiosidade.

– Que horas são, Alexia? – ele procurava desesperado por um relógio na cafeteria, até que finalmente olhou um do outro lado da rua que apontava 13h59min.

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– São quase 14hs Dimitri, por quê? Tem algum compromisso que esqueceu? – indagou, perturbada com a abrupta pressa do ‘ex-não-tão-ex-assim’ namorado.

– Não, eu tenho que voltar para casa. Você volta de táxi? Desculpa, é que eu realmente preciso ir. – e sem mais saiu da cafeteria e arrancou com a moto que estava parada ali perto.

– Mas calma, Dimitri... Idiota! – gritava ela enquanto o rapaz virava a esquina e sumia. Ele estava decidido que iria fazer aquilo e nada nem ninguém iria o impedir.

Ao chegar ao apartamento Dimitri se deparou com Petrova batendo a sua porta com força, aparentemente nervosa.

– Abre a porta Dimitri, eu sei que você está ai! – esbravejava a russa enquanto esmurrava a porta.

– Se você quebrar a minha porta e a mão eu não te levo ao hospital e ainda te cobro uma porta nova.

– Ah, você está ai. Pensei que estives...

– Pensou errado. Então, o que a esmurradora de portas deseja? – perguntou enquanto tomava a frente de Petrova e abria a porta, entrando e deixando aberta para ela.

– A Alex me contou ontem... Você vai mesmo embora Dimitri?

– Fofocas voam rápido até mesmo entre duas ex-melhores amigas. E sim, é verdade. Eu acabei de deixar a Alexia sozinha na cafeteria para ver se consigo pegar o trem das 16hs. Algo mais? – enquanto tragava um cigarro Dimitri arrumava as malas e vez ou outra olhava para Petrova.

– Só... só quero pedir para me levar com você. – as bochechas dela enrubescendo levemente pela primeira vez desde que Dimitri e ela se conheciam.

O rapaz logo parou e olhou bem nos olhos da menina, aqueles poços azul turquesa o deixando fascinado por alguns momentos. A possibilidade de viajar com Petrova então passou pela cabeça do rapaz. Para ele Petrova não seria difícil de lidar em um mochilão pela Europa. Pelo menos não tanto quanto seria com Alexia. Petrova era independente, sabia se virar muito bem em situações mais inusitadas, enquanto Alexia era uma patricinha mimada que precisaria que Dimitri fizesse muito por ela. E o que Dimitri menos queria era fazer muito por alguém além dele mesmo nessa viagem. Mas o que Alexia acharia quando visse que seu namorado viajou e sua ex-melhor amiga sumiu no mesmo dia, na mesma hora. Seria muita maldade com a menina e isso ele não poderia fazer. “Mas ela não pensou duas vezes enquanto beijava o mauricinho na área VIP, dois dias atrás”. Por fim Dimitri deu mais um trago no cigarro e soprou a fumaça com um suspiro de derrota.

– Você tem 30 min para arrumar as malas. E é bom seu eurocard e seus documentos estarem em ordem, ou eu a deixarei para trás. Entendido?

– Okay, okay! Não vai se arrepender Dimitri, eu juro! Eu te pego em 30 min, na portaria okay? – a menina mal se agüentava de alegria enquanto pulava e abraçava Dimitri bem forte. O rapaz se sentiu um pouco incomodado, mas tratou de lembrar Petrova do horário.

– Agora são 28 minutos Petrova. Tic-toc, tic-toc.

Sem mais a dizer a menina saiu do apartamento de Dimitri como um furacão e foi direto para casa arrumar as malas. O rapaz voltou às suas próprias enquanto tragava o cigarro sem muita preocupação, pondo o essencial na mochila: algumas peças de roupa, uma carteia com todos os documentos necessários, outra carteira com todas as economias que fizera para essa viagem e uma pasta com um mapa da Europa detalhado, com todas as rotas de trem e rodovias, além de um mapa mais específico de cada país que iria visitar e uma lista dos pontos turísticos e cidades essenciais para a viagem. Levava também o Ipod de 36GB com mais de três mil músicas atualizadas na madrugada anterior, o celular internacional para qualquer tipo de emergência e o netbook para fazer as anotações sobre as cidades e sobre a viagem em geral. Ele se sentia pronto para viajar e não iria deixar que nada nem ninguém o atrapalhasse.

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Alexia estava escondida no hall de entrada do prédio onde Dimitri morava apenas esperando que o rapaz saísse. Mas para sua surpresa quem saiu de lá foi Petrova, tão radiante como o Sol do verão espanhol. Mais 20 minutos ali e nada de Dimitri sair. A demora estava deixando Alexia aflita e ela decidira subir. Chamou o elevador e esperou que ele descesse, tamborilando os dedos na própria perna. Quarto andar, terceiro andar, segundo, primeiro... térreo. Finalmente havia chegado o elevador e, para surpresa de Alexia Dimitri saiu de dentro dele com uma mochila enorme nas costas.

– Dimitri! Onde você está indo e que raio de ideia foi aquela de me deixar sozinha na cafeteria? – a voz ficando fraca à medida que realizava a situação. – Voc-você está indo embora? Eu pensei que tivesse desistido! Dê-me 5 min que eu arrumo a mochila e vou com você, eu já volt...

– Não Alex. Você vai ficar. – a voz imperativa do rapaz entrou como uma faca nos ouvidos dela.

– Mas Dimitri!

– Sem “mas”, Alexia. Eu já decidi, meu trem é as 16hs e eu preciso fazer check-in para São Petersburgo. – ele voltou a andar e ela se interpôs entre ele e a porta.

– Você não pode fazer isso por causa de dois dias atrás! Eu estou arrependida pelo que fiz Dimitri, de verdade! Me dá mais uma chance e eu prometo que nunca mais vou te fazer o que eu fiz! O Igor é passado! – os olhos cheios de lágrima denunciavam a culpa que ela sentia e a dor a cada palavra dita. Por um momento ela viu a incerteza passar no rosto do jovem, mas uma buzina e uma conhecida voz fizeram com que a mascara de indiferença e decisão voltassem com força.

– Vamos logo Dimitri! Me apressou e agora quem vai nos fazer perder o trem é você! – gritou Petrova de seu carro, parada no meio fio em frente à portaria do prédio. Alexia pode ouvir a menina balbuciar algo como “xii, fudeu tudo agora” assim que ela se deu conta de sua presença.

A raiva tomou lugar do arrependimento e da tristeza enquanto Alexia olhava incrédula para ele. Ela não conseguia processar a ideia de Dimitri querer viajar com Petrova e não com ela. Qual era a diferença entre elas duas, afinal?

– Com a vadia da Petrova você pode viajar, mas comigo nem pensar. É assim que funciona agora Dimitri? Eu pensei que você tinha beijado ela por vingança, mas pelo visto os dois se merecem mesmo. – as lágrimas corriam dos olhos verdes sem dó ou piedade enquanto a menina se virava e ia embora. Uma olhada para trás antes de virar a esquina e nem sinal de Dimitri tê-la seguido para um pedido de desculpas. Uma pequena parte dela sabia que era melhor assim; o resto dela queria que ele viesse correndo para abraçá-la.

Dimitri ficou imóvel por longos 5 min após Alexia partir. Viajava em pensamentos e tentava assimilar tudo que ocorrera naqueles 10 min de discussão no hall de entrada do prédio. O rapaz estava ciente do que queria fazer e mesmo com Alexia esperneando ele não desistiria de viajar. Mas o arrependimento da menina sobre o show duas noites atrás o fizera titubear na escolha. Ele jamais tivera tanta dúvida do que fazer quanto naqueles milésimos de segundo, mas a buzina de Petrova o trouxera de volta para a realidade de sua escolha: ele iria viajar por seis meses em um mochilão por todo o continente europeu. Mais uma buzinada forte e um grito da futura companheira de viagem trouxeram o rapaz de seus devaneios, fazendo-o se mexer e guardar as malas no carro, sentando no banco do carona. O carro se mexeu e ninguém falou nada por um longo período, até que Petrova finalmente quebrou o silêncio.

– Então, qual será a primeira parada, capitão Ivanov? – a voz engrossada fez com que Dimitri risse um bocado e quebrasse o clima frio e chato entre eles.

– A primeira parada será São Petersburgo, almirante Helga. Toda força e velocidade para visitarmos o senhor e a senhora Ivanov. – respondeu-a com a voz rouca e pesada que julgava ser igual à de um capitão pirata.

Mais alguns minutos de carro e logo Petrova e Dimitri estavam na estação de trem. A russa estacionou o carro e ambos desceram com as mochilas nas costas.

– O check-in não é muito longe, vamos lá. A gente faz de uma vez e tenta conseguir algo para comer na viagem. São umas 25h de viagem e só temos uma escala em Moscou. – disse enquanto andava em direção ao balcão de check-in com Petrova em seus calcanhares. A fila estava minúscula e Dimitri imaginou que esse era o primeiro sinal de uma boa viagem para os dois. Mas como sempre, sorte não era algo que durasse muito.

– Como assim “não temos mais trens para São Petersburgo”? Ontem eu chequei e tinham cerca de duas viagens diretas para lá! – esbravejava enquanto o atendente de check-in tentava acalmar a situação e explicar tudo para Dimitri e Petrova.

– Senhor, as viagens para São Petersburgo são alternadas. Hoje infelizmente é o dia em que não temos viagens diretas para lá. Mas a viagem para Moscou sai daqui a 15 min e temos vagas sobrando em diversos vagões.

–Dimitri, vem cá! – Petrova puxara o rapaz pelo braço e sorria, balançando a chave do carro na mão esquerda.

– Eu vou acabar com a raça deles, Petrova... – antes que ele pudesse terminar, entendeu o cenário. A amiga sorria como uma criança animada balançando as chaves do carro entre os dedos. – Você está mesmo considerando isso, Petrova?

– Claro! É divertido e ainda vamos chegar lá mais ou menos por esse horário, amanhã! – a menina já estava andando de volta para o carro. Dimitri não teve outra opção senão seguí-la.

– Se você insiste... MAS EU DIRIJO! – as risadas do rapaz denunciavam que ele já estava novamente recuperado de todo o choque da discussão anterior. Logo ele também estava no carro e os dois arrancavam rumo a belíssima Russia com o motor do carro roncando, o som alto e o vento nos cabelos.