Apenas uma garota...

Capítulo 23 - Convivendo um pouco com Clint Harrington


— Ei, o que vamos fazer no Halloween? — foi a pergunta de Ben para os snakes no intervalo de uma quarta-feira, a penúltima antes do dia das bruxas.

— Não faço ideia. — respondi distraída, desenhando um sonho que tive com Clint havia duas noites antes: um garotinho de 8 anos jogando garrafas de vodca fora.

— Podíamos vir ao baile de Halloween. — Mel sugeriu.

— Acho que não vai rolar, pelo menos não para mim. Tenho uma música para pegar daqui para dia 15 de novembro — Jaden comentou. Rolei os olhos e continuei meu desenho.

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Sim, continuávamos no clima tenso, talvez ambos orgulhosos demais para fazer qualquer coisa. Eu estava saindo mais cedo e indo para a escola a pé mesmo. Ficava um pouco longe, mas não fazia muita questão de criar um clima tenso. Adele me perguntou porque eu não estava mais indo à sua casa e respondi que Jaden não quis mais minha ajuda.

— Querendo nos visitar, fique à vontade, certo?

— Pode ser. Obrigada.”

Eu continuava a fazer, em três vezes na semana, as visitas aos pontos principais da cidade. Já havíamos visitado o Museu de Antropologia, a Galeria de Arte Contemporânea de Vancouver, o Canadá Place, a ponte Lions Gate (não confundir com a produtora de filmes, pelo amor de Deus), a ponte suspensa de Capilano e a praia de Kitsilano. Eles gostaram bastante. Teve vezes que Clint ou Jaden não foram, mas decidimos por ir quando a maioria das pessoas estivesse.

— Ninguém perguntou, Capitão América. — Dave respondeu ironicamente por mim. Sorri, ainda desenhando.

— Isso está dando agonia, Marie — Mel comentou. — Interação social, por favor.

— Desculpe — fechei meu caderno. — Halloween, certo? Pode ser. Já tenho em mente a minha fantasia.

— Ela está a um passo à frente, fellas. — Clint sorriu, ficando ao meu lado.

— Conte-nos, Shelly — Jaden ergueu uma sobrancelha.

— Claro que não, é segredo. — neguei veementemente. — Dependendo do que vocês forem fazer, eu me fantasio de uma forma diferente da que eu faria.

— Ela está a dois passos à frente — Dave corrigiu, sorrindo também.

— Ei, vocês viram? O professor de música assumiu ser gay — Ben comentou.

— Bem, ele só confirmou o que já sabíamos — Jaden retrucou, sorrindo ironicamente.

— Sei lá, não me importo muito. Não é como se ele fosse sair por aí e fazer mal a alguém — retruquei, dando de ombros.

— Tenho que admitir que acho estranho homossexualismo — Dave comentou.

— Ué, por quê? — Melinda questionou. — Você nasceu gostando de mulher, eu acho — risadinhas — e o professor nasceu gostando de homem. Mesma coisa. Não sei porque tanto caso.

— Concordo. — opinei. — É só respeitar e deixar cada um com a sua vida. E fico até feliz dele se aceitar, há muito preconceito em alguns locais. Ao menos aqui, em Vancouver, é bem tranquilo quanto a isso. Tem baladas gays, é quase uma São Francisco. Só deixe o povo viver.

— E é por isso que eu sou hétero. — Ben suspirou. — Olha que moças compreensivas. Mulheres são tão... lindas, tanto por dentro quanto por fora.

— Incluindo sua mãe? — indaguei, sorrindo.

— É, mais ou menos — sua expressão ficou mais contida.

Tocou para o fim do intervalo.

— Vamos voltar para a sala, gente. — Clint chamou. Enquanto voltávamos para a sala, procurei conversar com Ben:

— Como você está, Ben?

— Ainda sinto dor de vez em quando, mas está bem melhor.

— E sua mãe?

— Está bem, eu acho. Um pouco abalada, talvez. — ele deu de ombros, a expressão pensativa. — Devo dizer que a quase morte dela foi meio chocante e bizarra. Ela está mais gentil, até. Menos autoritária. Nunca mais falou mal sobre minhas fotografias. Está mais quieta.

— Vocês deveriam tentar uma reaproximação. — Momento psicóloga.

— Não sei se ela quer.

— Talvez seja o que ela mais queira e não tenha coragem de fazer.

Ben pareceu hesitante, mas falou:

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— Acho que sonhei com minha mãe pedindo desculpas, mas foi tão surreal...

— Tente fazer as pazes com ela, certo? Vocês dois precisam disso.

— Vou pensar.

— Ok, alunos, bom dia, abram seus livros na página 40.

Tentei prestar atenção na aula de biologia, mas simplesmente não era a minha área. Limitei-me a desenhar David e Angel Lancaster discutindo sobre suas frustrações, lembrando-me do sonho:

Você poderia estar fazendo algo útil à sociedade! Não desperdice seu potencial, Angel!

— E você poderia procurar por nosso filho! Ele está perdido há quatro anos e você não está fazendo nada! Eu estou deprimida, David, você não enxerga isso?

Um Carter novo e curioso estava embaixo da mesa do escritório, pondo as mãos nos ouvidos, vendo os pais brigarem com olhos tristes sem sequer ser notado.

— Eu estou tentando. Não diga que não estou fazendo nada. Eu tenho que sustentar todo o maldito clã que minha família representa!

— Então não diga também que não faço nada! Estou tentando cuidar do nosso filho! Temos que representar uma família tradicional e olhe onde estamos, como estamos!

O silêncio reinou por algum tempo, invadindo o ambiente como nitrogênio líquido resfriando larva quente. A fisionomia do homem tornou-se mais velha e murcha e seu tom de voz foi baixo e sussurrante ao pedir:

— Estou tão cansado de brigar, Angel. Vamos tentar ouvir um ao outro. Vamos tentar consertar nossos pilares da criação. Por favor.

Angel deixou algumas lágrimas descerem pelo rosto e acabou por abraçá-lo.

O toque de fim de aula quase me fez borrar o desenho do casal se abraçando. Fechei meu caderno e procurei sair da sala, encontrando Mr. Collins no corredor.

— Professor! — cumprimentei alegremente.

— Oi, Shelly, estava mesmo procurando você. Poderia fazer uma demonstração rápida de arco e flecha para alguns estadunidenses? Vai ser rápido, prometo.

— Ah, claro.

Encaminhamo-nos ao ginásio e lá estava, um arco, flechas e um alvo, prontos para mim. Mr. Collins fez todo um discurso de como seu projeto procurava dar frutos e me deu permissão para atirar. Preparei-me, empolgada e um pouco nervosa. "A flecha deve ter um caminho, uma rota, deve cortar o vento e a corda chicotear sua mão", lembrei-me dos conceitos. Mirei e atirei: bem no alvo. Ouvi aplausos discretos.

— Obrigado, Shelly. Pode ir.

— Não foi nada, professor. — E saí educadamente, tanto do ginásio quanto da escola. Eu não estava com muita vontade de ir para casa.

Bem, o que eu faço agora?

"Aquele ali na esquina a sua direita não é Clint?"

"Verdade! Vou falar com ele".

— Oi, Clint! — ele pareceu assustado ao me ver.

— Shelly?! O que faz por aqui?

— Fiz uma demonstração de tiro com arco e flecha com Mr. Collins. — Vendo sua expressão, indaguei: — Está tudo bem? Parece estar esperando alguém.

— É, eu estou esperando uma pessoa.

— Posso esperar com você.

— Ah, não... — ele hesitou — Não precisa.

Estranhei.

— Clint, tem algo errado? Você parece bem apreensivo.

— Não é nada.

"Diga que não é a primeira vez que você o vê aqui", Elizabeth sugeriu.

— Não é a primeira vez que lhe vejo por aqui. — me vi repetindo as palavras de Elizabeth, embora fosse uma mentira descarada. — O que está acontecendo?

Clint parecia uma criança pega em flagrante fazendo algo errado. Depois, pareceu hesitar.

— Acho que você é uma pessoa confiável e aberta.

— Bem, eu tento. — dei de ombros, tentando o meu melhor sorriso. — É algum problema? Eu posso lhe ajudar?

— É algo que não tenho a quem contar. Talvez eu possa contar a você. Temos algo em comum, afinal.

Tive que pensar um pouco:

— Sermos canadenses? — fiz praticamente uma afirmação.

— É. — ele concordou como se fosse algo muito importante. Eu conseguia entendê-lo.

— Estou com tempo. — informei. Clint hesitou por uns dez segundos, até que suspirou:

— Tudo bem. Só tenho que fazer uma ligação.

— Eu espero. — sorri amistosamente.

Clint afastou-se um pouco, murmurou poucas palavras ao telefone e desligou.

— Algum lugar discreto perto daqui? — ele perguntou assim que se reaproximou.

Pensei um pouco:

— O Columbia Park, talvez?

— Fica muito longe? — Clint questionou.

— Não.

— Vamos caminhando, então. — Algum tempo de silêncio se fez quando ele perguntou: — Você sabia que eu só moro com meu pai?

— Não, não sabia.

— Pois é. Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. Câncer no fígado, metástase, pouco dinheiro para tratamento. Bem precoce até.

— Eu... sinto muito, Clint. — Imaginei a dor de um garotinho de sete anos ao perder a mãe e aquilo me pareceu uma cicatriz muito profunda.

— A gente se acostuma depois de um tempo, mas poxa, foi horrível. Meu pai passou um longo tempo bebendo. Meu irmão acabou indo para Ottawa e...

— Você tem um irmão?! — tive que cortá-lo.

— Ele é cinco anos mais velho que eu.

— Você é um cara cheio de mistérios, Clint... Eastwood? Barton? — resolvi brincar um pouco.

— Harrington. — ele sorriu discretamente. — E você não foi nada criativa, já que minha mãe realmente me deu esse nome por causa de Clint Eastwood.

Abri um sorriso maior.

— Isso deve ter gerado algumas brincadeiras.

— Ah, sim, sem dúvida.

Chegamos ao parque, onde haviam transeuntes distraídos e tranquilos. O dia estava fresco, ensolarado. Algumas crianças brincavam alegremente. Sentamo-nos em um banco mais afastado.

— Tudo bem, Clint Harrington. — comecei. — Hora de dizer todos os seus segredos.

— Ok, vamos lá. Foi meu pai quem me criou depois da morte da minha mãe. Na temporada do álcool, comecei a fazer hóquei e eu gostei muito. Aí meu pai ficou com orgulho de mim depois que voltou a si, aquela coisa toda. Meu irmão nunca mais deu notícias, então só temos um ao outro... mas vamos ao que interessa. Eu já tive uma queda por Ben.

Arregalei os olhos, levei as mãos na boca e tudo o que consegui fazer foi:

— Wooooooooow!

Não levem a mal, mas a última coisa que você pensaria de Clint se o visse seria que ele tinha queda por garotos. Sua linguagem corporal era bem masculina, os olhos dourados, o cabelo castanho médio cortado curto, o maxilar largo com alguns fios de uma barba feita há alguns dias e o corpo forte e alto não condiziam com os estereótipos de uma pessoa homossexual. Sacudi a cabeça. Não era obrigatório estereótipos. Eles deviam ser rompidos. Clint desatou a rir:

— Sua reação foi a melhor de todas!

— Olha, desculpe, mas wow! Isso foi surpreendente! Não é todo dia que um amigo lhe diz isso. — Dei uns tapinhas em suas costas. — Como foi isso?

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— Eu só fui gostando daquele jeito meio marrento sensível dele, mas percebi antes de vir para Vancouver que ele tem uma queda por Mel e ele sempre se diz hetero, então procurei deixar para lá.

— Wooow. Surpreendida. Muito. — Parei um pouco para pensar: — Mas calma: Ben tem uma queda por Mel.

— Pelo que pude ver, sim.

— E Mel consertou um computador só para saber como Ben estava.

— É.

— Por que esses dois não se juntam logo?!

— Não faço a mínima ideia. — ele pareceu concordar comigo.

— Enfim, o foco da conversa é você. Continue.

— Tem uma questão que ando me fazendo e eu não sei responder: eu não sei bem se sou gay ou bissexual.

— Você já ficou com alguma garota? — procurei ser direta.

— Algumas.

Hesitei antes da próxima pergunta intrometida:

— Já se excitou com alguma?

— Sim, com algumas, mas não é como o que sinto por Don, acho que tem mais profundidade.

Olhei lentamente para ele:

— Espera aí: quem é Don?

— Meu... amigo? — ele deu um sorrisinho tímido.

— Tenho a sensação de que essa será uma longa conversa. — Acomodei-me melhor no banco e cruzei as pernas ao dizer essa frase.

— Nos conhecemos há duas semanas.

É, vivendo e descobrindo.

— Como vocês se conheceram? — perguntei.

— Donald é um fã de hóquei e teve um dia que ele veio conhecer o clube da escola. Ele veio me elogiar depois do treino, disse que eu jogava bem, mas que tinha alguns pontos a melhorar. Conversamos bastante, descobrimos coisas em comum, tipo Bob Marley, aí começamos a ficar meio próximos...

— Por isso que você está sempre saindo depois da aula e não tem mais saído com a gente! E eu achando estranho... agora tudo faz sentido.

— Ele foi sincero e falou o que sentia por mim. Fiquei muito confuso, mas acabei por beijá-lo depois.

Concordei com a cabeça, mostrando que eu estava ouvindo.

— Você já falou ao seu pai?

— Bem, esse é o problema. Meu pai sempre teve uma criação meio rígida e dura, não sei se ele me aceitaria, entende? Meu avô era um irlandês bem tradicional.

— Eu acho que ele lhe aceitaria sim. — retruquei depois de pensar na situação. — Vocês só têm um ao outro. Você já contou a algum dos Snakes?

— Não. A nenhum deles.

Devo dizer que me surpreendi com a resposta.

— Ué, por quê? Eles são seus amigos.

— Não sei. Eles já têm uma imagem definida de mim. E ainda tem Dave, que acha estranho tudo o que não seja hétero.

— Clint, você está bem? — questionei aproximando-se mais dele e ele pareceu não esperar por essa pergunta. — Está feliz com Donald?

— Sim, mas...

— É o que importa. — interrompi com suavidade. — Tem tanta gente sofrendo violências físicas e verbais no mundo por encarar as consequências de se assumir e mostrar isso ao mundo. E tem tanta gente sofrendo por não fazê-lo. Não cometa essa violência consigo. Você está em Vancouver! Aqui tudo é respeitado. Incluindo sobre a sua sexualidade. Um dia, você vai saber se gosta só de meninos ou de meninos e meninas.

A última parte foi uma tentativa quase fracassada de fazê-lo sorrir.

— É, eu sei, mas... não sei. Não sei se devo.

— Isso é a sua consciência que tem que dizer, mas... Sabe, Clint, precisamos ser autênticos conosco. Sermos corajosos para sermos nós mesmos, não importa o que digam.

Clint pareceu pensativo por um tempo, olhando para o ambiente. Uns dois segundos depois dessa frase, pensei no quão hipócrita eu era em falar aquilo para alguém. Poxa, eu não me assumia com as minhas particularidades. Quase estava distraída demais quando ele respondeu:

— Precisamos de um acampamento de introdução.

— Hã? — estranhei.

— É um ritual de introdução aos snakes. Você compartilha algo sobre você, algo profundo, como medos, segredos, traços de personalidade... ou algo mais simples, como algum feito importante. Guardamos segredo, se necessário. Talvez seja bom para que eu consiga ser... autêntico. E temos dois iniciandos: você e Jaden. Vai ser bom para conhecer o grupo. Tem gente ali que se você souber algumas coisas, você a encararia de outra forma.

— Segredos? — questionei, apreensiva.

— É. Por exemplo: as coisas que eu lhe disse hoje.

— Espera: se você não disse nada disso para eles, o que você lhes disse?

— Que eu tenho um irmão e que poucas pessoas sabem disso. Mas e você, Shelly? Vez ou outra, você parece meio preocupada, meio desnorteada, meio cansada. Você tem algo a desabafar?

Pensei na minha situação: sonhos estranhos, ruins, alguns poucos bons, possibilidades, o sonho com a menininha, com os Lancaster, a mãe de Ben estar viva por causa de um sonho meu. Permiti a mim mesma olhar um pouco ao redor, pensando se dizia aquilo ou não. Clint fora muito sincero e depositara sua confiança em mim.

— Talvez em outro dia, Clint. — respondi, sorrindo sem graça. — Quando eu tiver coragem de ser mais... autêntica.

— Quer dizer que você me aconselha a fazer algo que você não faz.

— Bem... É.

— Eu não digo nada, carnuck.

Sorri mais largamente, mas resolvi tirar uma dúvida:

— O que seu namorado...

— Não é nada oficial.

— Essa pessoa que você beija — ele soltou uma risadinha — pensa sobre você não falar isso ao seu pai?

— Ele entende. Ele é cubano, então seus pais não ficaram exatamente felizes e contentes quando souberam que ele era homossexual.

— Por isso ele mora aqui.

— É.

— Seu pai o conhece?

— Não, não ainda. Estou acumulando coragem.

— Ele te trata bem?

— Muito.

— Isso é bom.

O telefone de Clint começou a tocar.

— É ele. — ele atendeu: — Oi, Don. Sim, deu tudo certo. Convencido. Estamos em um parque...

— Columbia Park.

— No Columbia Park. Ah, ótimo. Pode vir sim. Shelly é uma ótima pessoa. Diz oi, Shelly!

— Olá, Donald! — Clint havia colocado o telefone no viva voz. Ele desabilitou a função e continuou:

— Venha logo. É, verdade. Mas venha, deixe de me enrolar pelo telefone! Tchau. — ele desligou, guardou o telefone e comentou sorrindo: — Ele ficou contente com a ideia de te conhecer e disse que você parece simpática.

— Gentil da parte dele, mas acho que ele formou opinião muito rapidamente com uma simples frase.

— Ele é louco de vontade de conhecer os Snakes.

— Você pode apresentá-lo como um amigo. — sugeri.

— Não sei se ele ficaria confortável.

— Bem, isso é com vocês. Quantos anos ele tem?

— Vinte e um.

— Uh-huh.

— Fale um pouco sobre você, Shelly.

Bem, fiz o que ele pediu. Depois de poucos minutos, vi um cara pouco menor que Clint se aproximar:

— Olá, pessoas.

— Don. — eles se abraçaram. — Essa é Shelly.

— Acho que deu para notar, não é? — o cara comentou bem humorado. — Prazer, meu nome é Donald Blake.

— Ok, não é exatamente o nome que eu esperava. Shelly Revenry.

Trocamos um aperto de mão.

— Mudei meu nome. Quis recomeçar.

— Entendo.

— Nós vamos ao Kingsgate Mall agora. Quer vir conosco?

— Ah, não, obrigada. — tentei ser gentil ao recusar. — Tenho umas atividades de artes para fazer.

— Tudo bem.

— Podemos marcar um dia com os Snakes, certo, Clint?

— Claro. — ele pareceu sem graça.

— Bom passeio para vocês. — sorri amistosamente, pegando minha bolsa e acenando. — Tchau.

— Tchau —, eles disseram.

Rapidamente, peguei meu ônibus e vi o tempo: havia ficado nublado do nada. Provavelmente, eu teria que correr um pouco até chegar em casa. Desci no ponto: dava para correr? Tentei. Antes que eu obtivesse sucesso, a chuva engrossou e eu tive que parar na casa da esquina, ou seja, a casa de Jaden. De repente, senti uma mão me puxando para dentro da residência: Adele.

— Oi! — fiquei surpresa e um pouco sem graça.

— Não deu tempo chegar em casa, aposto.

— É, foi isso. — tentei me enxugar das gotas de chuva que caíram nos meus braços. — Mas dá para ir correndo, está tão perto...

— Olá, Shelly. — ouvi a voz de Jaden vindo da porta da cozinha. Devo dizer que minha expressão murchou um pouco.

— Oi — respondi, dando um sorriso menos aberto.

— Quer água? Você terá que ficar um tempinho aqui. Nunca mais veio! Pegarei algo para você comer. Parece até mais magra!

Nunca quis tanto enfiar a minha cabeça em um buraco. Limitei-me a sorrir timidamente. Jaden e eu ficamos sozinhos na sala. Apenas desviei o olhar para a pequena plantinha em um vaso na mesa de centro, depois para o chão.

No que eu fui me meter, Elizabeth?”, refleti, sentindo vontade de ter tele transporte como habilidade especial ao invés de vidência.

Acontece”, ela respondeu tentando ser casual.

O que eu faço?”, indaguei, procurando não ficar tensa com o silêncio do ambiente.

Eu não sou sua conselheira amorosa, mas tente ser um pouco... corajosa”.

Isso parece uma piadinha de mau gosto, inclusive a parte do ‘amorosa’”, retruquei.

A vida é mais ou menos assim, se acostume”.

— E então? Continua na luta greco-romana? — indaguei educadamente.

— Na verdade, mudamos a modalidade. Ben e eu decidimos fazer boxe.

— Um pouco perigoso, eu diria. Tem cuidado bem do violino?

— É a coisa que mais tenho tido cuidado.

— Isso é bom. — mordi as laterais da minha língua, um tanto nervosa. Desviei o olhar novamente.

— Peço desculpas pelo que lhe disse outro dia. — Ergui o olhar, um pouco surpresa. — Não foi um bom começo de manhã, aquele.

— É, acontece. — Passados alguns segundos, foi a minha vez: — Também peço desculpas, acho que fui um pouco dura.

— Mas você é. Assim como é gentil.

Só sorri, meneando a cabeça. Olhei pela janela: a chuva havia reduzido de intensidade.

— Diga à sua mãe que terei que recusar o tempinho aqui. — procurei me desculpar. — Até amanhã.

Saí da casa dos Pendlebury, caminhei alguns passos e entrei na minha. Minha mãe já havia chegado. Abracei-a e o restante do dia transcorreu na normalidade. Ser autêntica... algo que me faltava, talvez?