Prisoner

Em Memória.


Chegando à propriedade grande na divisa de Atrani com Amalfi, Lorenzo estava ainda atordoado.

Ter visto a namorada de infância havia o abalado mais do que ele imaginou. O rapaz nunca a esqueceu de fato, mas foi escolha dele “abandoná-la”.

– Por que você quer ir embora daqui, Lorenzo? - Gritava Alice.

– Eu te conto desde sempre que quero ver outros lugares do mundo. Eu quero estudar. Quero ter riquezas, bens materiais, pois meu pai tem toda essa terra, fértil e produtiva, que ele não aproveita para gerar lucros…

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– É ridículo o seu modo de pensar. Dinheiro não é tudo. Você está querendo ser rico, mas sozinho e infeliz?

– É muito fácil pra você falar, você nunca precisará trabalhar na vida. Já aqui, eu serei como todos. Pescando, colhendo uvas, cheirando a azeite, vinho e queijo.

– E isso é vergonhoso? Você tem vergonha de onde vem? Da terra que te sustenta há vinte e dois anos, Lorenzo?

– Não tenho. Mas é errado não querer viver assim? É errado querer prosperar?

– Você deveria ter pensado em mim! Em nós dois!

– Alice, eu pensei. E a vida que você merece, eu preciso criar condições pra te dar…

– Eu estou feliz do nosso jeito!

– Mas eu não estou! Mulher, você precisa me deixar ver o mundo também! Você está no primeiro ano de faculdade, sendo que aos dezoito, você estava iniciando o tecnólogo em marketing, tecnicamente, essa é sua segunda faculdade. E eu? Eu recebo uma carta, da Universidade de Roma La Sapienza, aclamadíssima por todos os europeus que faz a mulher que amo desde a infância surtar! Eu esperava que você me apoiasse, mais do que todo mundo. O meu pai, que só tem a mim no mundo, ficou muito mais feliz do que você. Aliás, ele ficou feliz.

– Acho que não vou te fazer mudar de ideia.

– Não, não vai. E é muito egoísmo de sua parte me pedir pra desistir dessa oportunidade.

Alguns dias depois Alice se acalmou, mas cruelmente se afastou da vida de Lorenzo, dizendo-lhe que não o esperaria voltar e que ela seguiria sua própria vida. Sem ele.

Sozinho, dedicou-se somente aos seus anos de faculdade. Não estava lá para brincar, namorar, enrolar. Sem perceber, se tornou um memorável aluno da Sapienza.

Visitava o pai periodicamente, nas férias.

Cursando o último ano, nas férias de verão, presenciou a maior confusão de sua vida dentro da família.

Millene, a prima que Lorenzo considerava sua irmã, era o centro desta confusão.

As duas garotas estavam sempre juntas. Ambas amigas eram filhas únicas, crescidas ao lado de primos em sua maioria homens, que eram pouco mais velhos e sempre estavam trabalhando.

A amizade começou quando a família de Lolita Bianchinni, aos dezesseis anos na época, mudou-se para Amalfi. Era quatro anos mais velha que Millene Bertoncello.

– Olá, vizinha nova. Sou Millene, mas pode me chamar de Lene. E você, quem é?

Lolita sorriu. Achou graça na garota loira e baixinha que estava à frente, super curiosa e com rosto totalmente angelical.

– Sou Lolita, mas pode me chamar de Lola.

Millene era uma amiguinha bem grudenta, o que nos primeiros dias irritou a mais velha, que tentava evitá-la às vezes, porém a garota era tão divertida que contagiava a nova moradora.

– Meus pais viajam muito, passo muito tempo sozinha em casa. - Explicava Lolita. - Meu pai é engenheiro e minha mãe é executiva. Nos mudamos porque aconteceram… coisas… onde morávamos antes. Eles acham que aqui é um lugar bom para recomeçar e é mais seguro para eu ficar quando estiverem trabalhando.

– Entendi… Você pode ficar em minha casa também quando eles viajarem. Meus pais também são assim, sempre viajando. Meu pai é transportador e minha mãe é só ciumenta demais. Sempre no encalço do velho. Fico com a empregada aqui e aos fins de semana eu fico na vinícola do meu tio. Amo-o como se fosse meu pai e meu primo, amo como um irmão. - Empolgou-se Millene.

– Ah, legal. - Disse Lola, em resposta.

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– Posso te levar quando quiser ir e se seus pais permitirem…

– Tudo bem. Agora podemos voltar a nadar? - Perguntou Lolita, já empurrando a garota para dentro da piscina de sua casa.

Dois anos depois, a amizade foi mudando.

A mais velha ajudava a loira com matemática na escola e no período de férias, coincidia dos pais das garotas estarem viajando, fazendo com que elas sempre dormissem na casa uma da outra.

– Lola, porque você começou a fazer faculdade aqui em Amalfi? Você deveria ter entrado na Sapienza, está jogando sua inteligência fora.

– Não gosto de cidade grande, não gosto de Roma. E eu faço faculdade pra ter uma formação, dinheiro vai ser algo que nunca vai me faltar! - Sorriu de lado ao responder.

– Arrogante! - Millene fez careta de chateada, enquanto se despia para o banho .

Após breve silêncio, voltou a falar.

– Lola, preciso te contar uma coisa.

– E tem que ser pelada, catzo? - Sorriu, jogando na amiga uma toalha que retirava de seu armário.

– Você tem o que eu tenho. Sabe exatamente como é.

Lolita pensou que realmente tinha o mesmo órgão genital, porém era a primeira vez que via a garota totalmente nua. Reparou que ela estava mais corpulenta, com curvas se formando. Os seios arrendondados, quadris mais largos. Millene estava linda demais.

A garota voltou a tagarelar, aliviando a amiga de seus pensamentos.

– Então, amiga. Tenho que te contar… eu finalmente dei meu primeiro beijo… - Disse ela e fez uma careta de nojo antes de continuar. - Preferia ter morrido afogada, teria dado no mesmo. E olha que cara é bonito, super cobiçado na escola.

– Foi só uma experiência ruim. Com a pessoa errada. - Afirmou Lolita.

– Como foi seu primeiro beijo?

– Foi perfeito, eu gostava muito da pessoa. E ela não babava igual cachorro raivoso. - Divertiu-se ao responder.

– E sexo, você já fez? Porque assim, eu tenho curiosidade, muita curiosidade…

– Mas você não tem idade, menina safada. - As duas sorriram – Bem, foi uma vez…

– Como foi?

As feições de Lola foram se transformando, os lábios que sorriam há minutos atrás, estavam se contraindo e os olhos enchendo-se de lágrimas.

– Um estupro. O vizinho, era casado e tinha dois filhos… Os garotos tinham quinze e dezesseis anos, o cara tinha quarenta. Meus pais confiavam naquela família. A mulher, ela tinha saído para ir à casa da mãe… Os três… Imundos… eles… três. - A garota estava começando a soluçar. - Por isso nos mudamos. Eu nunca consegui falar disso novamente, até hoje… Eu já não gostava muito de homens, depois disso, eu realmente não gosto…

– Sinto muito, Lola. Eu juro que homem nenhum vai te machucar outra vez. - Disse Millena, abraçando a amiga, fazendo-a sentir seu perfume doce.

– Não, mesmo Mi.

Lola sentiu um liquido quente em seu joelho, olhou para a amiga que a soltava do abraço e se levantava de suas pernas.

Millene percebeu no que a amiga reparava e ficou totalmente envergonhada, mas tentou humorar a situação:

– Ahn… sentar nas pernas da amiga estando nua não é boa ideia…

– Normal, é só uma área sensível.

– Não é só isso, não Lola. Você é minha melhor amiga e eu não consigo mais ficar sem te contar… - A amiga gesticulou para que ela continuasse - Eu … ahn… Acho que não gosto de homens. Na verdade, não sei se é certo dizer se gosto de mulheres… É que eu só tenho certeza mesmo é que gosto de você… Mas… gosto de você daquele jeito. E eu queria que meu primeiro beijo tivesse sido com você, como quero que meu corpo seja seu…

Lolita estava em choque, nunca esperaria que Millene diria aquilo, que a menina tão nova era apaixonada por ela. Que era correspondida em seu sentimento. Que a loucura agora era compartilhada.

Sorriu e abraçou a menina, beijando-lhe nos lábios, calorosamente.

– Vamos fazer de conta que este é o seu primeiro beijo. - Lola disse, alisando os cabelos da loira.

– Eu não quero só isso… quero você toda.

– Não, senhorita. Tudo tem sua hora.

Passaram-se mais dois anos, o amor das duas apenas cresceu, Lolita não havia tocado abaixo da cintura de Millene, recusou-se firmemente e achava graça na impaciência da garota.

Pouco depois da mais nova completar seus dezesseis anos, aconteceu a primeira vez de amor entre as duas.

Apenas Lorenzo sabia do romance e as apoiava muito.

Ele e Lola prepararam uma parte longe das terras do pai do moço.

– Eu só espero que você seja incrível hoje, porque eu surrupiei o melhor vinho e o melhor queijo do meu pai. Deixe a lamparina com o gás baixo, por precaução, pra que não sejam vistas… Boa sorte, Lola. - Lorenzo a abraçou e deixou-a.

Ela trajava um vestido verde e curto, que era do mesmo tom de seus olhos. Os cabelos negros e cacheados, estavam na altura dos ombros.

O coração pulsou quando viu Millene, vestida de vermelho, os longos cabelos loiros estavam revoltos e ela sorria muito.

Se amaram a noite toda.

Meses depois, na casa da adolescente, a tragédia aconteceu.

As duas estavam aproveitando a viagem dos pais na casa da mais nova. A porta do quarto dela estava entreaberta - afinal não havia ninguém.

Millene fazia sexo oral freneticamente em Lolita, adorava quando a morena derretia-se para ela.

Deitou-se sobre a amada, afim de beijá-la enquanto a penetrava com os dedos.

Quando Lola abocanhou um dos seios de Millene, a garota soltou um gemido estridente, o que costumava ser normal.

Porém, ambas foram surpreendidas com o pai da mais nova, parado na porta do quarto da filha.

Alfredo Bertoncello estava horrorizado com o que viu, não admitia aquilo em sua casa. Esbofeteou a filha e colocou-a para fora de casa.

Chamou o pai de Lola e despejou todo seu ódio por ela.

– Sua filha é uma vagabunda cretina, teve a coragem de corromper minha menina. As duas, são um lixo!

– Senhor, em primeiro lugar, minha filha é uma mulher boa, inteligente e excelente filha. E sim, é lésbica. O que não faz dela um lixo e não a torna uma pessoa sem amor e sem família. Vejo que está humilhando sua garotinha e sinto pena do senhor. Venha cá, minha querida – apontou Francesco Bianchinni para a tão assustada e chorosa Millene. - Você mora conosco, jamais te deixaremos na rua. Lorena e eu a amamos, assim como amamos Lola.

– Isso que não! Denuncio você e sua família por coação de menor, sequestro e sua filha desgraçada de pedofilia! Ela fica na rua!

– Para com isso, papai! - Gritou Millene.

Uma pick-up se aproximava. Luigi e Lorenzo estavam dentro, viram e ouviram a cena.

– Por que este escândalo, Alfredo? - Perguntou Luigi.

– Pus no mundo um lixo de filha! Peguei essas vagabundas nuas na cama! - Gritava o homem.

– Você está sendo ridículo, não deveria humilhar minha sobrinha assim.

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– Queria ver se fosse a sua filha!

– Eu a amaria, a protegeria de toda forma. O amor não vê gênero, credo, cor, dinheiro, nada dessas besteiras.

– O que você quer aqui, Luigi?

– Eu queria evitar que ela passasse por isso, avisando que você tinha voltado. Me desculpe, filha. Não fui tão rápido… Lorenzo, pegue essas coisas de sua prima, coloque no carro.

– Luigi, se fizer isso... Se levá-la, eu nunca mais olho na sua cara.

– Que bom que sou tão feio, te poupo de olhar pra mim.

Foi a última vez que ambos se falaram.

– Titio, como o senhor sabia que Lola e eu… - Perguntou Millene, que desconfiava de Lorenzo ter aberto a boca.

– Eu não sabia, miele. Apenas escutei toda a confusão. Eu estava indo vê-la, fiz um novo queijo e queria te dar! Meu irmão é um bronco mesmo, condenar a filha por amar de uma forma incomum…

Luigi levou a sobrinha e a amou como filha, cuidou e foi cuidado por ela até sua morte -que não demorou muito, depois de levá-la para sua fazenda.

As duas continuaram juntas depois do ocorrido e antes do falecimento de Luigi Bertoncello, se casaram simbolicamente, fazendo a troca de alianças e uma pequena festa.

Avistando as duas de mãos dadas, correndo até ele e fazendo a maior algazarra como todos os dias, pareciam as mesmas de quando começaram o namoro, seis anos antes.

– Hoje cozinhamos pra você! - Disse Millene, sorridente.

– Fizemos seu prato favorito! - Desta vez, Lola falava.

Lorenzo agarrou as duas e as levantou do chão com facilidade.

Os três gritaram juntos:

– Rondelli de provolone!!!

Todos os pensamentos de minutos atrás, todas as lembranças o deixaram. Aquele momento era só dos três e ele estava aproveitando cada milésimo de segundo.

Talvez inconscientemente ele soubesse que dali em diante, sua vida não seria mais feliz.