O Relicário

Capítulo 12 - A Sala de Troféus


ENQUANTO NÍCOLAS VESTIA o uniforme branco e amarelo-ouro para o jogo ele relembrava os últimos dias. Depois de finalmente conseguir dizer o que sentia para Helena e beijá-la, os dois passaram um Domingo muito bom. Ele teria que treinar, mas Nícolas fugiu do pai para passear com Helena no rio. Eles não foram sozinhos, o seu grupo de amigos estava lá também. Mas agora foi diferente: eles assumiram para todos que estavam namorando.

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Ele não se lembrava de ter sido mais feliz. Os beijos de Helena ficavam cada mais quentes e nem sempre Nícolas conseguia controlar suas mãos mais e mais ousadas. Helena de sua parte sabia agir nessas situações e manter Nícolas e suas mãos sob controle. Depois daquele primeiro beijo em Helena, Nícolas se sentia mais relaxado em relação à Elisa. Ela ainda era uma garota bonita o bastante para despertar desejos, mas agora ela não tirava mais seu sono nem sua concentração: ele gostava de Helena, ele namorava Helena e somente Helena ele queria ao seu lado.

Da janela acima da sua cama entrou o som de fogos de artifícios explodindo e o grito longínquo de “MIDGARD”.

Nicolas abriu um sorriso triunfante.

— Até parece que os Asgards vão perder. Eu sou Nícolas Geremaro e vocês já estão derrotados.

Ademar Geremaro não era o único que se esforçava para ganhar. O garoto herdara toda a competitividade do pai e queria a vitória até mais do que ele.

* * *

Apenas naquela manhã Elisa realmente entendeu a importância do Jogo de Abertura para os habitantes de Nova Borgeby. Antes das sete horas da manhã ela foi acordada pelo som inconfundível de fogos de artifício estourando muito perto. A garota abriu os olhos, um pouco assustada, e levantando-se, andou timidamente para as portas abertas da sacada.

A praça já estava cheia de gente, alguns de vermelho, outros de amarelo-ouro. Eles conversavam descompromissadamente, provavelmente esperando seus amigos para irem juntos para o Campo de Futebol.

Um homem de vermelho, bem em frente ao casarão, segurava dois fogos de artifício, um deles aceso no braço erguido e outro já queimado na outra mão. A garota tapou os ouvidos quando o outro fogo estourou.

— Parece que vou torcer pelos Asgards — disse Elisa sorrindo, mas com uma pitada de irritação na voz.

Depois de um banho rápido, Elisa escolheu um dos seus vestidos mais esvoaçantes, todo amarelo e branco, e se mirou no espelho. Ela nunca gostara muito desse vestido: tinha um decote provocante para o tamanho do seu busto. A garota preferia se vestir mais discretamente. Solitário no meio do decote, descansando entre os seios, o Relicário parecia ainda mais prateado.

Elisa desceu para a sala de refeições. Glaux tinha feito outro excelente café da manhã. O jogo seria ao meio-dia, então a garota podia ter esperado em casa até à tarde, mas ela estava começando a se sentir tão excitada quanto aos torcedores cujas vozes ela agora ouvia o tempo todo vindas da rua. Ela chamou Glaux para se misturarem as pessoas na praça, mas sua tutora se recusou:

— Prefiro permanecer em casa. Estou preparando costelas assadas para o jantar. Levarei o dia todo na vigília do forno.

Sem desanimar por ir sozinha, Elisa foi para a praça. Ao perceberem as cores de suas roupas, algumas pessoas de vermelho a olharam torto, mas todos os torcedores de amarelo gritaram felizes a verem a garota:

— ASGARDS! ASGARDS! ASGARDS!

Elisa abriu o sorriso mais feliz de sua vida até aquele dia. Era como se estivesse fazendo parte de alguma coisa: ela não era mais solitária. Ela ergueu os braços e gritou bem alto também:

— ASGARDS!

A zoeira fez Elisa se sentir incrível. Os Midgards tentavam gritar mais alto ainda, e logo todos estavam meio-roucos. Era um dia terrível para todas as gargantas, mas era ideal para os fabricantes de xarope. A garota continuou na praça a manhã toda, conversando com as pessoas e, eventualmente, recomeçando o torneio de gritos.

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Por volta das dez horas todos começaram a ir para o campo de futebol em pequenos grupos, Elisa junto com um deles. Quando estavam chegando ao campo alguns Asgards que iam à frente do grupo, começaram a gritar outra vez:

— NÍCOLAS! NÍCOLAS! NÍCOLAS!

Elisa se uniu ao coro e gritou também. A garota parecia completamente adaptada agora. Se não fossem suas roupas únicas, ela realmente poderia ter passado despercebida entre toda aquela gente. Nícolas vinha por uma rua lateral a eles, já vestido com o uniforme do time: camisa amarelo-ouro e um short branco. A garota teve que admitir:

“Ele é mesmo muito bonito”, pensou consigo.

Nícolas estava impressionado com Elisa. Sua animação era contagiante e ele percebia como as pessoas a olhavam sorridentes e gritavam ainda mais alto por causa dela. Elisa poderia achar que ela apenas estava se contagiando com a alegria deles, mas a verdade é que as pessoas estavam realmente se animando tanto por causa dela. Elisa ainda lhes parecia uma estrangeira misteriosa, mas ela conquistara muitos fãs. Linda, dona de um sorriso cativante e ainda corajosa o bastante para morar no lugar que mais lhes causava medo. E agora ela estava ali, compartilhando de seus costumes e alegrias. Eles gritavam mais forte porque ela gritava com eles.

Elisa e Nícolas foram andando juntos, tentando conversar apesar do barulho ao redor.

— O que está achando? — perguntou Nícolas.

— Ensurdecedor — respondeu Elisa — Torcedores são todos iguais. Mas tenho que admitir: vocês são muito animados.

Nícolas gargalhou.

— Sabe, o prefeito está confiante na vitória dos Midgard — disse Elisa.

— Sei... — desdenhou Nícolas — Mas eu sou um Geremaro.

— E daí?

— Os Asgards nunca perderam uma partida em que havia um Geremaro no time.

Foi à vez de Elisa gargalhar.

— Cuidado Nícolas. Você pode morrer se cair do alto da sua arrogância.

Nícolas levou a crítica na esportiva.

— Eu conheço o meu time e conheço minha habilidade. Sei que temos grandes chances de ganhar — argumentou.

— Conheça teu inimigo, Nícolas. Conheça teu inimigo.

Nícolas riu de novo, mas desta vez foi com um sorriso constrangido. Ele estava com orgulho ferido. As pessoas ao redor começaram a gritar de novo, e se ouviram mais fogos de artifício.

— Eli... migo? — disse Nícolas.

— O quê?

Ele repetiu, mas a garota não entendeu.

Nicolas se aproximou e disse bem perto do ouvido dela:

— Elisa, vem comigo?

— Tá!

Nicolas pegou uma das mãos da garota e a arrastou pela multidão. Desviando da entrada do campo de futebol, Nícolas levou Elisa para um prédio defronte. Ele puxou a alça de uma das portas duplas para a garota passar e entrou em seguida.

Era uma sala circular bem ampla com vitrines a toda volta. Atrás dos vidros havia vários troféus, grandes e pequenos, dourados e prateados. Uma bandeira em cada lado da sala informava a quem pertenciam os troféus abaixo. Nícolas mostrou três grandes troféus dourados em destaque do lado Asgard.

— Viu? Quando um Geremaro joga pelos Asgards, nós ganhamos.

Elisa estava calada, mas sorrindo. A verdade é que ela estava mortalmente nervosa. Nícolas a puxara do meio da multidão e em todo o tempo em que a mão forte do rapaz segurava a sua, Elisa ficara mais e mais nervosa. Agora ela devia estar vermelha de vergonha. Mas ele não percebeu.

Nícolas estava tão nervoso quanto a inglesa. Na hora parecia uma boa ideia levar Elisa para a Sala de Troféus e mostrar as conquistas do seu time, mas desde o momento que tocara a mão macia dela, ele começou a perceber que fora uma ideia ruim. E ficou pior em frente das vitrines. O brilho do Relicário no vidro chamara sua atenção, mas quando o olhou para a joia ele notou outra coisa: o decote. Agora ele devia estar vermelho de vergonha. Mas ela não percebeu.

Para se distrair do decote, Nícolas tentou parecer espirituoso e começou a explicar cada um dos troféus que um Geremaro tinha sido responsável. Elisa, de sua parte, tentou dissipar sua vergonha fazendo perguntas sobre os outros troféus também.

* * *

Helena não estava tendo um bom dia. Ela tentou ignorar a cigana, mas não conseguiu. As palavras continuavam a reverberar em seu cérebro. Ela tinha medo, sempre tivera, de perder Nícolas para outra garota. E agora que eles estavam finalmente namorando, seu medo ficou ainda mais forte.

Ao invés de se sentir melhor por ter aquelas mãos ousadas sempre querendo mais do seu corpo e aqueles lábios sempre procurando sua boca, Helena temia ainda mais que aquelas mãos e aqueles lábios desejassem outra garota. Não eram ciúmes. Era mais forte.

Helena dormira a noite toda, mas acordou tão exausta que nem sequer queria levantar da cama. O fogo de felicidade que queimava com a aproximação do Jogo de Abertura tinha se apagado completamente durante a noite.

Quando criou coragem para se levantar e trocar de roupa para o jogo, uma blusa amarela delicada e uma calça jeans branca, sua vontade terminou aí e passou boa parte da manhã sozinha em seu quarto, sem fazer nada, apenas olhando para o teto, deitada na cama. Helena nem comera café da manhã, mas não sentia fome alguma. Os gritos de alegria e os fogos de artifício que espocavam lá fora não a animavam, na verdade ela sequer os ouvia. A filha do prefeito parecia surda para os sons do mundo.

Por volta das dez horas Astride foi procurar Helena. Ela estava preocupada com a amiga. Com tato e palavras bem escolhidas, Astride conseguiu animá-la. Ela lhe lembrou de algo importante:

— Nícolas vai querer ter a namorada torcendo por ele, não é?

Lembrar-se de Nícolas e que ele ia querer a presença dela, realmente a animou. As duas saíram juntas pela rua, Helena sorrindo honestamente e não apenas o sorriso forçado que ela se obrigava para manter a aparência de ser a feliz filha do prefeito.

Mas quando se aproximaram do campo, finalmente se descontraindo e esquecendo seus medos, Helena avistou a cigana de novo. A velha do xale vermelho com os muitos anéis de pedras de várias cores estava escondida à sombra de uma árvore baixa. Aparentemente ninguém a notou, mas se a notaram, ignoraram-na. Era só uma velha.

Helena a notou e não a ignorou. Todos os medos e preocupações vieram com uma avalanche pior do que antes. Ela tentou manter a aparência e exibir seu sorriso forçado mais uma vez, mas Helena viu algo que fez seu mundo desmoronar.

Elisa e Nícolas estavam um pouco à frente. No momento em que os viu, Nícolas aproximou seu rosto da inglesa e disse algo seu ouvido, depois Helena os viu sair da multidão de mãos dadas. Sem dar atenção para Astride, Helena saiu do meio das pessoas e seguiu os dois.

Helena viu Nícolas abrir uma das portas duplas da Sala de Troféus para Elisa entrar e depois ele próprio passar antes de fechar a porta. Helena se aproximou. Ela queria ser positiva no que encontraria lá dentro, mas sua mente estava cheia. Não era apenas seu medo de alguém lhe roubar Nícolas, mas também a lembrança daquele sonho perturbador. Suas mãos tremiam ao segurar o metal frio da alça da porta.

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Helena abriu a porta devagar, sem ruído, e viu Elisa e Nícolas conversando e rindo de costas para ela, os dois bem juntos lado a lado observando uma vitrine. Por um breve instante Helena considerou que a cena fosse bem inocente: “São dois amigos conversando”. Então uma luz verde muito tênue brilhou em seus olhos por um átimo de segundo, mas depois desse instante tudo mudou. Tristeza e medo se misturavam agora com raiva e mágoa. E de repente Helena parou de tremer: ela ia retomar o que era seu. Se o amor era uma guerra, então era hora de lutar.

— Eu não acredito! — disse Helena num tom baixo e frio quando entrou.

Nicolas e Elisa continuavam rindo quando se viraram para olhar a morena. Eles não tinham como saber das suspeitas de Helena. E antes que entendessem o que estava acontecendo, Helena gritava com eles, despejando uma onda de acusações.

— Como pude ser tão cega? — ela não parava de repetir.

Nicolas e Elisa, por um longo minuto, não conseguiram nem reagir de tão chocados que ficaram.

— Você é uma traidora! Só se fez passar por uma amiga, quando tudo que queria era roubar MEU namorado!

— Agora pare, Helena! Pare! Simplesmente pare! O que é tudo isso? Você enlouqueceu? — Nícolas disse muito alto — E eu não sou nenhum brinquedo para ser roubado!

— Você é meu namorado!

— Mas isso não significa que você é minha dona.

Helena ficou chocada. Nícolas não deveria estar discutindo com ela. Ele deveria estar ao seu lado. Então ela olhou para Elisa, que continuava quieta e assustada, mas para Helena aquela garota só parecia inocente por fora, mas por dentro era uma maldita amiga falsa que rouba namorados.

— Isso é tudo culpa sua! — ela gritou para Elisa — Se você não tivesse vindo para cá, então nada disso estaria acontecendo. Nada!

Helena deu um passo em direção a Elisa com um braço erguido, um tapa se preparando sobre a inglesa, mas Nícolas agarrou a garota pelo outro braço.

— O que você pensa que vai fazer?

— Vai mesmo proteger essa garotinha vulgar?

— A única sendo vulgar aqui é você.

TAP!

No momento em bateu no rapaz, Helena se arrependeu profundamente.

— Desculpe, me desculpe, me desculpe...

O garoto tinha uma expressão furiosa no rosto e um olhar tão frio como Helena nunca vira. Nicolas sempre fora o mais doce, mais calmo, mais educado. Ele era forte, mas nunca brigava nem discutia. Em seus olhos ela sempre enxergara calor e conforto, mas não hoje. Era novo pra ela e Helena se afastou dele.

Havia uma fúria fria em Nícolas, mas foi com uma expressão de mágoa que ele virou as costas para a namorada e sem dizer nenhuma palavra, saiu da Sala de Troféus.

O silêncio pairou sobre as duas garotas sozinhas naquele lugar.

Elisa não sabia o que falar para esclarecer o mal-entendido. Seu instinto lhe dizia para ficar calada, mas ela não conseguiu:

— Helena...

Foi tudo que conseguiu dizer.

Helena despertou do susto e voltou sua raiva para a garota, finalmente entregando o tapa que, segundo Helena, pertencia a Elisa.

TAP!

A face quase pálida de Elisa ficou vermelha instantaneamente.

— Falsa!

Helena pensou em tudo que queria dizer, mas no momento ela preferia ir atrás de Nícolas. Ela saiu batendo as portas, deixando Elisa sozinha.