Olho de Enite

Capítulo IV


– Agora sim vocês podem entrar no nosso reino. – a Ursula ferida se levantou com um sorriso sarcástico, a lança cravada no braço, enquanto um líquido esverdeado jorrava aos poucos.

A criatura retirou a lança, e aos poucos todos os seus ferimentos foram cicatrizando. Sua pele anteriormente igual a da verdadeira Ursula tomou uma coloração roxa, e seus cabelos foram sumindo até ficar totalmente careca. Seus olhos eram pretos, e ela continuava sorrindo enquanto nos encarava.

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Um metamorfo.

– Nós não aceitamos visitas tão fácil assim. – começou ela, se esticando e puxando uma espécie de bastão do cinto. E como se tivesse sido combinado, outros três metamorfos surgiram de dentro da mata se juntando a moça – Sou Ilena. Líder da segurança do reino. E provavelmente vocês foram enviados para nos auxiliar.

– Pelo que me parece vocês não precisam tanto assim de ajuda. – comentou a verdadeira Ursula do outro lado, ainda se recuperando da lança enviada por Martim. A garota ajeitou o arco na aljava, agora cheia, e decorada com as fitas vermelhas de sua marca.

– De fato é controlável, mas a destruição é eminente. – começou um dos metamorfos. Esse era grande, e portava uma marreta de quase seu tamanho. – E é melhor prevenir do que remediar. – sorriu e virou-se de costas, andando pela trilha em direção aos muros do reino, sendo seguido pelos outros metamorfos.

– Como você soube quem era a verdadeira? – comentou a metamorfo em direção à Martim.

– A Ursula não usa a mão direita para lançar uma flecha. – ele acenou para Ursula que vinha atrás do grupo, e voltou-se para a mulher – E nossa ligação é íntima demais para não saber quem é quem.

Íntima demais.

Soltei um suspiro e continuei seguindo-os pela trilha em direção ao castelo. De longe se via os altos muros que circundavam o reino, e o grande portão se abriu quando o guardião dos muros nos avistou, servindo como uma ponte para o lago ao redor dos muros.

Quando entramos no reino o portão se fechou as nossas costas, nos deixando presos naquela imensidão de construções.

Embora não fosse o maior, talvez nem o mais desenvolvido, Uja era conhecida pelas construções e torres altas. Aqui e ali se via banquinhas e mais banquinhas com frutos do mar e alguns peixes exóticos, que era o que movimentava a economia do reino, sendo vendidos, além de utensílios de pesca.

Um homem saltitava de frente a sua loja de redes e iscas, e afirmava ter pegado o maior pesadelo dos pescadores. Homens e mulheres andavam para lá e para cá carregando peixes em arpões, ou puxando canoas.

– Você aceita um petisco? – disse uma voz feminina ao meu lado, e me virei para dar de cara com uma mulher alta e esbelta, com um vestido longo e azul e os cabelos louros presos em um rabo de cavalo. Ela erguia um palito de espeto com alguns frutos do mar em minha direção.

– Quanto custa? – perguntei e ela simplesmente me entregou o palito sem sequer cobrar.

Dei um sorriso em agradecimento e voltei a acompanhar os outros na jornada pelo reino.

As construções eram verdadeiramente grandes, e quase todas eram decoradas com algum objeto marítimo, desde peixes empalhados a iscas tão bem feitas que provavelmente não fossem usáveis.

De longe se via o grande castelo pintado em um azul claro. Havia inúmeras janelas, e torres que se assemelhavam a ondas de tão irregulares que eram uma das outras.

O quartel era uma construção um quanto tanto grande. Também era pintado de azul, e duas estátuas guardavam a entrada no formato de dois guerreiros portando tridentes que se cruzavam no arco da porta.

Cruzamos a entrada e entramos no quartel, avançando até a sala do chefe da tropa.

~●~

Kyles era um homem de aproximadamente cinquenta anos. O cabelo ruivo emaranhado, com alguns fios brancos e rugas de preocupação amostra em sua testa lhe davam um ar de sério. Tinha um corpo alto e atlético, e usava um uniforme com medalhas de guerras e batalhas vencidas.

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Quando entramos no gabinete o homem se levantou, espanando as roupas e cumprimentando cada um com um aceno, antes de voltar-se para a cadeira.

– Trouxe-os como dito. – falou a metamorfo e se retirou posteriormente a isso, sendo seguida pelos os outros três metamorfos.

– Vamos. Sentem-se. – disse Kyles se ajeitando na cadeira. Os cotovelos estavam apoiados na mesa, e um grande mapa do continente estava disposto ali em cima, com alguns pinos de cavaleiros e alguns estandartes em tamanho reduzido espalhados por toda a circunferência.

Sentei-me na cadeira de frente a ele e deixei a mochila no chão. Semicerrei os olhos enquanto estudava todo o ambiente: havia duas janelas abertas logo à frente, e mesmo assim o cômodo tinha um cheiro forte de mofo e sal. Prateleiras e armários decoravam todas as paredes, amarrotadas de livros e pergaminhos, além de troféus e lembranças de batalha.

Ursula sentou-se na cadeira ao lado e Martim e Nicolas ficaram em pé.

– Peço perdão caso tenha acontecido alguma coisa com a segurança. Eles têm alguns métodos bem atrasados de trabalhar. – disse o homem com um sorriso, dedilhando os dedos pela quina da mesa – Mas enfim. Vejo que atenderam o nosso pedido de socorro, e fico honrado em recebê-los em nossa terra.

– Ainda creio que sua segurança é forte o suficiente para controlar tudo. – protestou Ursula.

– De fato são. E embora nossa população de metamorfos seja bastante numerosa, receio dizer que nem todos estão aptos para este trabalho.

– E qual trabalho seria esse? – perguntei, me ajeitando na cadeira para ficar mais confortável.

– Precisamos expandir nossas defesas. Conseguimos controlar os ataques marítimos, e estão tendo bastante. Inclusive alguns barcos foram afundados ainda ontem por causa de dragões aquáticos. – o homem soltou um suspiro, e os olhos fraquejaram de cansaço - Já as defesas terrestres estão sendo trabalhas, mas aos poucos estamos conseguindo. Os lagartos optaram por criar uma sociedade bem próxima ao reino, e está repleto de covil ao redor de nossos muros. Sem contar com as Brumas, que vivem invadindo e destruindo alguns pontos.

– E você quer que quatro soldados. Apenas quatro, te ajudem nisso? – perguntou Nicolas do outro lado da sala. Durante todo o discurso ele havia se intrometido dentro das prateleiras, deslizando os dedos pelas capas dos livros e lendo troféus de honra – Não que não sejamos capazes. Mas seria mais efetiva uma tropa inteira.

– Sim, e nossa tropa estará disposta com todas as forças a ajuda-los nessa batalha. – respondeu ele, juntando as mãos e encarando cada um dos quatro.

– Certo... Mas vamos precisar de algumas coisas. – interviu Martim, se despregando da parede e se aproximando da cadeira em que eu estava.

– Ah sim. Nós já adiantamos tudo. Quando saírem por aquela porta irão ser acompanhados até a casa em que irão ficar. Já mandei entregarem todo o mapa do reino, sem contar com os pontos que estão tendo ataques. – Kyles se levantou da cadeira e andou até a janela, se escorando na parede e olhando para o reino, pensativo – Precisarei que me entreguem estratégias de batalha até amanhã.

– Amanhã? – protestou Martim, arqueando a sobrancelha.

– Não podemos evitar. Os ataques estão cada vez mais frequentes e... – ele virou-se de volta para nós e passou a mão na testa.

– Certo. Nós iremos fazer isso. – respondi e me levantei. O homem acenou e nós saímos do gabinete do homem.

~●~

Eliodor era um jovem de dezesseis anos que ainda estava no quartel, e treinava para ser um dos espadachins do reino. Ele nos acompanhou até a casa em que ficaríamos: uma construção um pouco grande, com os muros pintados de branco e algumas conchas no chão usado como trilha para o interior da casa.

O rapaz nos acompanhou para dentro da casa, e nos mostrou todos os cômodos. Eram quatro quartos, dois banheiros, uma cozinha interligada com a sala de entrada, e uma varanda com vista para o mar. Havia uma grande mesa na sala, com mapas e pergaminhos enrolados além de pinos e livros, todos organizados para fácil acesso.

– Isso que eu chamo de casa. – Martim se jogou na primeira poltrona, e se aconchegou ali mesmo.

– Irei voltar ao meu trabalho diário. Qualquer coisa pode chamar-me. – disse Eliodor calorosamente, acenando com a mão no ar e saindo da residência.

– Este lugar não me cheira bem. – comentei e encarei cada canto da casa.

– Fede a sal. – comentou Nicolas e avançou para a escada que levava aos quartos, sumindo de vista.

– Não. Fede a... – pensei no que responder e deixei a resposta no ar, andando em direção à varanda.

O anoitecer tão ao oeste do continente era lindo. O dia ficava alaranjado aos poucos, e o ar era tão limpo que o fôlego parecia dobrar. As flores eram mais vivas, e as cores mais exóticas, além da brisa que alvejava cada parte de seu corpo a cada segundo. O sol se punha mais adiante, um círculo amarelo sumindo no encalço do mar, dando um limite àquela infinidade de água salgada.

E por um momento aquela imagem natural invadiu meu corpo e pensei apenas em sentar na mureta da varanda, vendo o sol sumir aos poucos, e sentir meus cabelos balançando no ar e me causando arrepios pelo vento frio.

A paz daquele lugar traria qualquer guerra ao fim.

Principalmente nossas guerras pessoais.

– E com o sol, a tristeza do dia se esvai. – solto um suspiro e fecho os olhos por um instante.

– Bem filosófico. – ouço uma voz atrás de mim, e solto um sorriso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.