Menina

Capítulo 4


Eu consegui passar quase mais dez anos assim. Convivendo com uma depressão crônica, convivendo com o mais insuportável de mim mesma. Convivendo com a pena e com a preocupação de Syaoran.

Foi no meu aniversário de 47 anos que ele me perguntou algumas coisas, das quais eu nem me lembro mais, e eu acabei contando a ele uma história. Eu contei o que eu fui fazer no Japão quando criança, e porque eu voltei. Eu contei porque eu fui para a Europa, e porque eu me odiei por isso. Eu contei porque Charles me fez tão bem, e contei porque ele me fazia tão mal.

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Foi a primeira vez em alguns anos que eu consegui chorar. Eu chorei em um abraço apertado do Syaoran, que chorou ao meu lado. Choramos juntos por um longo período, até que todas as lágrimas necessárias fossem derramadas. Eu não contei para ele uma coisa importante para mim. Que eu ainda pensava sobre como seria se tudo fosse diferente. Eu nunca vou poder contar isso a ele. Eu acho que deveria ter contado. Mas o que importa isso agora?

Importa que eu poderia ter evitado mais um se. Porque naquela noite eu o vi olhando para mim de uma maneira que eu nunca vi antes. E eu nunca vou descobrir o que era aquele olhar, porque naquela oportunidade eu tive receio, um receio que eu nunca pude compreender. Penso eu, que aquele receio era um receio de menina. Da menina que eu fui, da menina que sempre, sempre amou o Syaoran.

Ele voltou para o Japão no dia seguinte, mas com todas as minhas doenças mentais ele esqueceu de mencionar que ele mesmo tinha uma doença. Ele tinha uma doença e lutava contra ela há tanto tempo e nunca havia me contado. Poucos meses depois daquilo Syaoran foi para o hospital, e rapidamente entrou em estado terminal. Eu peguei um voo no mesmo instante que soube, apenas para chegar a tempo de vê-lo morrer nos braços de Sakura, cercados por seus filhos, e me lançar um último olhar, que eu também nunca soube decifrar do que era.

Foi então que eu soube que, se havia ainda uma estaca me prendendo ao penhasco, e se eu mesma não era o abismo, que havia engolido minha mãe, Charles e Syaoran, essa estaca era apenas a própria vida, e o sopro que percorria meu corpo. Voltei em poucos dias para a Inglaterra, apenas para pegar as minhas coisas, iniciar essa narrativa e partir para a China, definitivamente. Eu quero facilitar as coisas agora. Eu não cheguei a ir para casa ver o funeral de Syaoran, mas eu espero, sinceramente, que pelo menos Sakura vá até lá para ver o meu.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.