Cacos

✗ Ela nunca deixará de sentir.


Ela está ali, sentada, olhando para o infinito de forma distante e perdida, ao fundo ela ainda pode ouvir o suave barulho de cacos de vidro encontrando o chão. E este barulho que ela ainda ouve é o barulho dos cacos de seu interior, porque algo dentro dela se quebrou permanentemente. Agora ela já não chora porque a sensação que tem é de que as lágrimas secaram, embora continuem ali, presentes, presas nos olhos castanhos já não tão brilhantes. Ela perdeu um pedaço de si absurdamente essencial. Dano irreparável. Mas ela terá a decência de levantar a cabeça e continuar seguindo. Os passos agora serão vagarosos e ela andará lentamente em direção a algo que ela ainda não sabe, algo que ela ainda não enxerga. Ela morrera mais uma vez. Dessa vez não doeu tanto porque, de alguma forma, ela já esperava por isso. E como resultado ela sorriu. Sorriu e continuará sorrindo. Porque agora essa é a única coisa que ela consegue e sabe fazer. Ela não quer sempre sorrir, mas essa é uma forma de ela dizer a si mesma que não vai parar. Dessa vez ela só conseguiu desejar não perder a força e não desistir, acontecesse o que acontecesse. Algo de bom, um dia, terá que acontecer. Algo tem de estar reservado para ela, é o que ela mais deseja que seja verdade. Ela vai se esforçar, muito, para não cair, embora agora ela ande cambaleando, embriagada pela própria dor e envolvida pela própria escuridão. Ela deseja encontrar a luz nos pontinhos luminosos denominados estrelas que brilham ao céu ao anoitecer. As estrelas a transmitem paz e força porque a lembram do fato de que embora não brilhem o tempo todo, existem, e lá estão elas a brilhar para quem quer que as queiram admirar e entender. Ela está ali, agora, me olhando com os olhos questionadores, mas o que ela não entende mesmo é ela mesma. Nesse momento ela entende a dor do mundo inteiro, mas a si mesma ela é incapaz de entender e compreender, embora sinta, inteiramente. Ela já não vai mais tentar escrever porque é doloroso demais e porque na vida dela já não existe poesia, embora sua própria vida seja uma. Ela já não consegue criar. Imagina, mas não cria. Porque exteriorizar traz uma dor que ela não consegue suportar. A alma dela grita enquanto ela mantém os lábios fechados, os mesmos lábios ressecados que se comprimem para afastar as lágrimas. Ela promete que não vai esquecer daquilo que ela foi antes de tudo acontecer. Porque ela sempre manterá vivas as memórias daquilo que fez parte de sua alma, sua escrita. Ela carregará em si todos os textos, todo o conto, toda estória, toda a poesia. Ela nunca deixará de sentir. Agora ela já não ouve o barulho de rachaduras porque tudo já se quebrou, mas ela continuará a ouvir o barulho dos cacos de vez em sempre no chão de seu interior. Ela suspira fundo e olha para o teto do quarto. Passou. Não tem mais volta. Agora está, de fato, tudo acabado. A esperança solta que pairava no ar já não dói mais. Porque não existe mais esperança. Tudo que ela um dia foi, se perdeu, junto com tudo aquilo que ela criou. Mas ela promete não esquecer.

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Mariana Neves

17-10-2014; 23h25min

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.