Rude

Capítulo único


Acho que nunca tinha acordado tão cedo em um sábado em toda a minha miserável vida. Vi o Sol nascer e tenho certeza que Apolo sorriu para mim em seu carro do Sol. Algo do tipo “boa sorte amigão”.

E também foi hoje de manhã que descobri que odeio terno. E gravatas. Principalmente gravatas. Já estava sendo difícil pensar e respirar ao mesmo tempo estando tão tenso — já era meio complicado normalmente — e aquele tecido enrolado na minha garganta não ajudava em nada.

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Afastei a gola da camisa branca, buscando um pouco de alívio que não aconteceu. O sinal tinha fechado e apesar de eu saber o caminho até o Empire State Building de olhos fechados, pensei na possibilidade de dobrar naquela esquina e fugir para um lugar bem longe daqui e deixar Annabeth sem namorado. Mas eu não podia, podia?

De qualquer forma, eu acabaria morto de uma maneira dolorosa, ou por Annie ou por sua vingativa mãe. Só de pensar nela um arrepio me sobe pela espinha.

O sinal abriu. Eu não me sentia preparado para encarar a mãe da minha namorada. Eu me sentia tudo (de ruim), menos preparado. Eu mal podia conversar com ela sem sofrer uma ameaça de mutilação, quem dirá pedir a mãe de sua filha em casamento?

Mas segui meu caminho. Aparentemente, eu não tenho nenhum tipo de amor à vida para fugir pela sobrevivência da minha espécie — Percyus Trouxas Jacksons.

Porque conversar com Atena não podia ser tão simples quanto conversar com Frederick? Com ele sabendo tudo que fiz por Annie, havia sido tão fácil conseguir sua bênção. Ele estava fascinado pelo fato do genro ter atravessado o Tártaro que não sabia se existiria alguém tão digno quanto eu para sua menina (ele até me deixou brincar com os bonequinhos de guerra dele).

Porém ela não ligava para meus atos de coragem. Eu era só mais um semideus retardado, filho do cara da água, que namorava — ou deflorava — seu pequeno prodígio.

Parei em mais uma sinal e pensei na possibilidade de passar em uma lavandeira antes de subir até o 600° andar. Acho que preciso lavar minhas calças, devo estar todo borrado com isso. Mas não tenho culpa disso. Atena podia complicar bem menos comigo; qual é, eu sou um cara legal. Bonitão, herói e... Digno de pena. Será que ela ficaria com dó de mim se eu fizer uma carinha de cachorro abandonado?

Ok, eu estava quase lá. Até pensei que poderia protelar por mais alguns minutos, dando voltas no quarteirão atrás de uma vaga de estacionamento, mas por ironia do destino, achei uma vaga quase que na frente do prédio. Isso só pode ser sacanagem. Eu tenho certeza que é. Até consigo imagina-los rindo da minha cara — posso até lista-los.

Desliguei o carro e respirei fundo. Encarei meu reflexo no espelho retrovisor.

— Está tudo bem. Ela não pode te matar porque a filha dela te ama — repeti como um mantra até eu me sentir confiante o suficiente para não querer voltar correndo antes mesmo de entrar no prédio.

Anunciei-me para o porteiro. Pela primeira vez em anos, me entregou o cartão sem discordar do meu pedido e ainda desejou um bom dia. Acho que esse é um dos benefícios de um terno: as pessoas não te contrariam; estou lindo demais para ser contestado.

Todavia, foi no elevador, ouvindo a típica música brega e constrangedora de elevador, que percebi a gravidade da situação onde me encontrava. Eu estava me metendo em águas perigosas e eu sou filho de Poseidon. Atena deve estar me esperando com metade de todos os últimos heróis gregos para me dar a surra da minha vida.

— Caramba, eu estou muito ferrado.

Engoli em seco quando as portas se abriram num plim. Entretanto, no fundo, eu estava agradecendo por não ter que continuar escutando aquela música horrorosa. E Atena não estava lá. Mais alguns minutos de vida, que máximo.

— Com licença — falei para uma pequena senhora verde, que me olhou impressionado. — Poderia me dizer onde a deusa Atena está?

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Acho que ela sussurrou algo como Olimpo, não entendi direito, mas agradeci. Todos olhavam para mim enquanto eu me dirigia até lá. Não sei se era por causa da minha fama, das minhas roupas ou porque eu era muito bonito. Não querendo ser convencido, porém aposto em todas.

No entanto, toda aquela autoconfiança morreu perante as portas do Olimpo. Cogitei a possibilidade de fazer o mesmo.

Preciso admitir. Estou com um pouco de medo de verdade. Amo Annabeth com minha vida e estou disposto a morrer para que ela continue bem, mesmo sabendo que ambos ficaríamos mais contentes se eu permanecesse vivo. Contudo, tenho minhas dúvidas sobre o que Atena pensa a meu respeito; ela não deve me achar o cara mais legal namorando com sua filha.

Mas segui em frente, vacilante e sem saber para onde ir. O grande salão estava sendo reformado e alguns trabalhadores olharam para mim e para minhas roupas. Tenho que concordar, eu estou bonito demais para uma manhã de sábado.

Encontrei Atena mais adiante, usando jeans, camiseta branca e o cabelo preso num rabo de cavalo embaixo do capacete de obra amarelo. Rabiscava a lápis em alguns projetos de estátuas, sem notar minha presença. Porém era só o que eu achava.

— Jackson — ela disse sem me olhar, sua voz se sobrepondo sobre o barulho da obra. Obriguei-me a ficar mais perto (mas não muito).

— Atena.

Ela me encarou com os olhos cinza de Annabeth e largou o lápis na mesa.

— Gostei da roupa. Vai algum lugar importante depois daqui? — algo como meu enterro, pensei.

— Não, eu... Não vou.

Assentiu com a cabeça e colocou as mãos na cintura, esperando que eu falasse de verdade.

— Podemos ir lá fora? — pedi, ou implorei.

Ela nada disse, apenas se virou e seguiu de onde eu tinha vindo. Largou o capacete, mostrando mais dos cabelos escuros e bonitos. Sequei o suor das mãos na calça social e respirei bem fundo. Repeti meu mantra. Está tudo bem. Ela não pode te matar porque a filha dela te ama. Está tudo bem. Ela não pode te matar porque a filha dela te ama. Está tudo bem. Ela não pode te matar porque a filha dela te ama.

Quase esbarrei nas costas da deusa, sem perceber que ela já havia parado. Ela cruzou os braços. Paramos num jardim florido e talvez, em outra oportunidade mais agradável, eu o apreciasse.

— Ok Jackson. Seja rápido, tenho muito trabalho a ser feito.

— Certo — engoli em seco. Estralei os dedos de uma mão e depois de outra. Cocei a nuca. E respirei fundo.

Eu havia treinado o pedido um zilhão de vezes na frente do espelho até achar que tinha ficado razoavelmente bom para meu nível acadêmico baixo. Só eu que eu não lembrava nada. Nadinha. Era como se alguém tivesse passado um cortador de grama nos meus neurônios.

Atena ergueu uma sobrancelha e uma gota escorreu pela lateral do meu rosto.

— Olhe... Sei que não começamos com o pé direito, que você me acha um completo idiota, não só pelas coisas que eu faço ou fiz, mas também pelas coisas que meu pai fez e que nem com todas as desculpas do mundo, você me consideraria um cara decente para sua filha. Sei que preferiria que algum engomadinho com diploma de Harvard namorasse Annabeth. Talvez até um mendigo tivesse mais valor para você do que eu.

Ela coçou o queixo, mas nada disse. Suspirei.

— Também sei que sabe que sou horrível em estudar e em conversar sobre economia. Que não faço questão de abaixar a tampa do vaso. Que tem vezes que deixo sua filha com raiva ou triste, sem ter a intenção, porque jamais a machucaria por querer.

Atena me olhava interrogativa, como se perguntasse aonde eu queria chegar com aquilo tudo.

— Sou um cara cheio de defeitos. Nunca sei fazer as coisas do jeito certo. Mas as únicas coisas que sei fazer direito é amar sua filha e ajudá-la a corrigir minhas burradas. Eu preciso dela em minha vida mais do que preciso de ar. Eu a amo com a mesma força que segurei o céu.

Santo Zeus, a cara que ela fazia não me trazia conforto algum.

— Então... Posso ficar com sua filha para o resto da minha vida? — diga sim, diga sim, pois eu preciso saber!

Soltei o ar com força.

Atena me olhava inexpressiva, parecendo pensar numa resposta.

— Sabe... Quando te conheci, você era apenas uma criança boba e desengonçada segurando uma espada e um escudo. — isso é algum tipo de elogio às avessas? — Mas o tempo foi passando, e as crianças crescem e tomam sua verdadeira forma... — ok, essa deve ser a parte do elogio — Mas, para mim, Perseu, você continua a mesma criança boba e desengonçada que conheci há muito tempo.

— O que?

— Você não tem minha bênção.

Minha boca nem estava mais formando um “o” de surpresa, estava formando o alfabeto inteiro.

Abaixei a cabeça, tentando conter as lágrimas. Era a primeira vez em anos que eu tinha vontade de chorar de verdade.

— Espero que você — solucei fraco — também saiba que ela está apaixonada por mim... Ela irá para qualquer lugar que eu vá.

— Não sei se fui clara, Jackson. Eu nunca vou dar sua bênção até o dia que eu morrer! — exclamou, dando-me as costas como consolo.

Sequei uma lágrima com a ponta dos dedos e senti um pouco da força de meu pai com aquela pequena gota de água salgada.

— Por que você tem que ser tão rude?! — gritei.

Atena não parou ou me dirigiu o olhar. Eu me sentia magoado e frustrado. Annie queria tanto que sua mãe concordasse com nosso casamento.

— Não importa o que você diga! — gritei mais uma vez. — Me ame ou me odeie, me casarei com ela de qualquer maneira e nós seremos uma família!

Ela apenas parou para me olhar por cima dos ombros. Sua expressão dizia “você não ousaria”. Espero que a minha diga “eu ousaria sim”. Eu odeio fazer isso, você não me deixa escolha, não consigo viver sem ela.

Me casarei com Annabeth de qualquer jeito. Já estou pagando o buffet há uns cinco meses e não tenho direito à reembolso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.