Série WHO I AM? - Short Fic Peeta

Episódio 4 - Pulsante luz Amarela


A luz do sensor de movimentos pisca ritmadamente na parede branca de meu quarto. Às vezes, chego a passar horas olhando para a luz porque de alguma forma é como se o brilho amarelado dela me fizesse companhia.

Saio de minha posição deitada e fico em pé em frente ao foco brilhante. Não há nada para fazer a não ser esperar.

− Você fica aí piscando sem parar e nem imagina que eu estou te observando. − digo como se a luz pudesse me ouvir. É loucura, um tanto insano eu sei, mas sobriedade e sensatez não são aspectos recorrentes em mim desde que cheguei aqui − Você é uma grande amiga, sabia? Gosto de sua companhia. Na verdade, acho que só posso confiar em você. Sabia que nesse exato momento existe alguém nos observando também? É engraçado, quase um circulo vicioso: Você me observando, eu observando você e nós dois, sendo observados.

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Inicio então, uma espécie de conversa com a luz e conto a ela algumas das sensações estranhas que tenho todos os dias. Falo sobre os pesadelos que me assolam todas as noites, conto coisas de que me lembro sobre a Capital, e falo sobre ela.

Na verdade, Katniss Everdeen é um dos assuntos mais recorrentes de meu monólogo. Desde nosso ultimo encontro na noite em que voltei da Capital, nós nunca mais tivemos um contato direto.

Ainda me lembro de sua expressão vazia daquela ocasião e posso sentir novamente o arrepio medonho que acometeu todo o meu corpo naquele dia.

− Sabe, − inicio olhando para a luz do sensor de movimento como se ali realmente houvesse uma pessoa me ouvindo − Ela não é tão feia quanto eu esperava. Na verdade, Katniss Everdeen é até bem atraente, mas é claro que aquela não poderia ser sua forma original. Porque eu sei que por trás da pele clara e dos cabelos escuros, se esconde uma fera raivosa e sanguinária que quer me matar. Agora que sei que ela sobreviveu ao meu ataque é como se toda a raiva que sinto dela tivesse sido convertida em medo e confusão. Porque eu não sei mais em quem confiar. Não sei quem está dizendo a verdade. A todo o momento alguém me conta uma história nova sobre algo a qual eu nem posso discordar simplesmente porque não me lembro.

Caminho pelo quarto sentindo a maciez do carpete sob meus pés descalços e pela primeira vez em dias me permito uma tentativa clara de reflexão sobre o Tordo. Mas não é fácil. Na verdade é extremamente cansativo vasculhar minhas memórias em busca de algum resquício de verdade.

− Eu só queria poder me lembrar do que as pessoas dizem sobre mim. − digo cabisbaixo esperando quem sabe alguma palavra de conforto, mas então, me lembro que estou sozinho no quarto e desisto da ideia de conversar − Ah, deixa para lá. Você nem mesmo pode me ouvir, luz amarela pulsante.

Vou em direção à minha cama e me sento de uma maneira encolhida. Fecho os olhos e por alguns instantes tenho a impressão de estar em um campo verde cheio de pequenos dentes de leão. O sol brilha forte e posso ouvir ao longe o canto de algum pássaro. A brisa suave toca meu rosto e me trás uma sensação de paz. Não há mais ninguém no campo. Olho para a imensidão verde a minha volta e por alguns segundos, apenas por milésimos de segundos, eu vejo algo no horizonte. Meus olhos se estreitam para poder captar mais algum flash, mas é impossível. Então, uma coisa muito bizarra acontece. Sentado no meio dos dentes de leão está um garotinho de aproximadamente uns seis ou sete anos de idade. As mãos pequenas movimentam um pedaço de carvão habilidosamente. Eu o observo com olhos de surpresa e me mantenho em silencio e então vejo que o pequeno menino está desenhando algo com uma graciosidade e beleza impressionantes.

No papel sujo e amarelado, há um rosto, algo semelhante à face de uma menina que mantem nos cabelos duas tranças. Olho para os dedos manchados do menino. A poeira negra que sai do carvão suja ainda mais o papel, mas nada consegue ofuscar a beleza do desenho. Mas então, de repente o menino faz uma pausa repentina e olha direto para mim antes de lançar um sorriso e me cumprimentar.

− Oi − ele diz com um seve sorriso. Agora posso ver seu rosto que é um tanto gorduchinho. Seus olhos são de um azul tão intenso quanto às águas de um oceano e os cabelos muito louros, cintilam sob o sol.

− Oi − respondo quase como um sibilo. O menino novamente sorri e volta a desenhar passando os dedinhos em algumas linhas desenhadas pelo carvão. Eu o observo ainda calado. Vejo como ele ajeita cada traço do desenho limpando e redesenhando algumas partes do desenho.

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− O que acha? − o garoto então pergunta enquanto mostra o desenho para mim − Eu acho que está faltando alguma coisa.

− Está ótimo − respondo impressionado − Está muito bom, de verdade. Quem é?

O menino não demora nem um segundo para responder.

−É uma menina da escola. Ela vai todos os dias à padaria junto com o pai dela vender bichos que eles caçam. Está vendo os olhos dela? São centenas de vezes mais bonitos que os do desenho.

Observo os olhos desenhados pelo garoto e contemplo a maneira como parecem brilhar no meio do negrume do carvão.

− Você gosta dela? Ela é sua namorada? −pergunto.

− Sim e não. Eu gosto muito dela, mas ela nem fala comigo. Na verdade, ela não fala com ninguém.

− Então por que você gosta dela?

O menino demora um pouco e então responde:

− Não sei. Eu só gosto.

Estou olhando para os olhos do menino quando de repente, uma nevoa densa e branca nos envolve. No minuto seguinte estou de volta no meu quarto de hospital onde Keia Watherhouse me aguarda já com sua habitual bandeja de remédios.

− Estava dormindo? − ela pergunta enquanto puxa meu braço direito para uma coleta de sangue. Sinto a picada da agulha em minha pele o que me causa um leve desconforto.

− Não – respondo tentando não olhar para a agulha que agora pulsa em meu braço − Mas eu tive um sonho, eu acho.

Keia termina de colher as amostras de sangue e coloca um curativo no local da agulhada, em seguida guarda o material médico e pergunta se quero conversar sobre isso. Eu geralmente recuso a proposta porque em geral os sonhos que tenho são terríveis e dolorosos, mas hoje foi diferente, a começar porque não fora um pesadelo, mas sim um sonho ou uma visão, ou quem sabe um delírio. Eu não sei. Sei apenas que não foi um pesadelo. − Quero.

Minha enfermeira me olha surpresa, mas logo para a minha frente e diz:

− Sou toda ouvidos.

− Senta aqui − digo oferecendo-lhe espaço em minha cama. Keia aceita e se senta o meu lado, então eu começo a falar − A única coisa de que me lembro do meu passado, é que eu morava no distrito 12 e que meus pais tinham uma padaria. Às vezes, eu tenho alguns flashs de cenas que eu realmente não faço a mínima ideia se são verdadeiros ou falsos. Às vezes também sinto que existe alguém dentro de mim que quer me falar algo. Como se o meu eu de verdade estivesse tentando emergir. Mas não é fácil. É como se minha mente fosse apagada todos os dias. Eu quero melhorar, quero sim, mas eu simplesmente não consigo. Nada faz sentido para mim. Quando o doutor Aurélius diz que eu estou quase voltando a ser o mesmo Peeta de antes, eu não fico feliz. Na verdade, eu fico com ainda mais medo porque eu não sei quem foi o Peeta antes da Capital, entende?

− Entendo −Keia responde pausadamente.

− Quando aquela garota do meu distrito, Delly, esteve comigo, eu só conseguia me lembrar de meus pais e de alguma coisa aqui e ali.

− Mas você se lembrou dela e de desenhar com ela, não lembrou? −Keia pergunta.

− Naquele dia aconteceu uma coisa estranha, Keia − inicio − Eu me lembrei de Delly, lembrei de desenhar com ela, mas eu não conseguia associa-la a mim, nem ao meu antigo eu.

− Isso é uma consequência do...

−Telesequestro? − indago − Deve ser.

− E o sonho de hoje? − a enfermeira pergunta − Você disse que acha que sonhou, por quê?

Respiro fundo para respondê-la porque nem eu mesmo sei a resposta.

− Eu estava em um campo verde e enorme. Inicialmente, estava sozinho, mas então depois um garotinho apareceu ao meu lado. O menino era louro e tinha olhos muito azuis e estava desenhando com um pedaço de carvão em um papel sujo e velho a imagem de uma menina com duas tranças.

− Você se lembra desse garoto? Quero dizer, faz ideia de quem seja? − Keia pergunta a mim.

− Eu não tenho certeza, − divago pensativo − mas acho que era eu.

− Por que acha isso?

− Porque o menino citou que via uma garota através do vidro de uma padaria.

− Faz sentido. − Keia diz, em seguida pergunta − Você disse que o menino desenhava uma garota, certo? Você faz alguma ideia de quem seja? Uma parente ou colega de escola...

− Era ela. − interrompo − Eu não sei como, mas era ela.

− Ela? Quem é ela, Peeta?

Quem é ela, Peeta? É a pergunta que faço a mim mesmo. Eu não sei quem é ela. Eu não sei quem é a garota do desenho, mas eu sei que se trata dela. É extremamente confuso para mim, porque eu jamais vi aquele rosto nem consigo associá-lo a uma pessoa especifica, mas de alguma forma, algo dentro de mim, o mesmo "eu" que quer emergir, diz que a garotinha de tranças e olhos cintilantes e doces, é ela.

Quando respondo a pergunta de Keia, minha enfermeira torna-se mais confusa do que eu, mas ainda sim ela consegue de alguma maneira intermediar minha duvida quando diz que talvez, a menina do desenho seja alguém que foi muito especial para mim porque o menino do sonho disse que gostava da garota.

− Isso pode ser verdade, não pode? − pergunto a Keia − Quero dizer, se o garoto do sonho gostava da menina do desenho...Essa menina poderia ser minha amiga ou quem sabe até minha namorada...

−Isso mesmo. − Keia afirma com alegria − Acho que você enfim está organizando sua mente, Peeta.

− Mas ela esta morta. − reflito fazendo com que Keia deixe a onda de felicidade e otimismo e migrando para uma expressão de desanimo na mesma hora em que sinto meus pulsos se fecharem. − O Tordo matou a garota do desenho também.

Raiva. Ódio. Rancor.

São os únicos três sentimentos que sinto por Katniss Everdeen, porque ela mata e destrói tudo o que eu amo.

− Matou meus pais, matou a minha cidade e agora matou a pessoa que eu amava! − minha voz já está alterada quando Keia tenta me conter dizendo que foi apenas um sonho, mas já é tarde.

O tremor começa de dentro para fora e faz com que minhas mãos fiquem instáveis a ponto que eu não conseguir me apoiar nas barras da cama. Keia está ao meu lado tentando em vão administrar algum medicamento em mim. Quando vejo a seringa sendo preparada, dou um tapa nas mãos da enfermeira que joga a seringa para longe.

Eu não quero, mas a raiva que sinto é mais forte do que eu. De repente, Keia está caída no chão exibindo uma mancha de sangue nos lábios.

Quando vejo a cena de minha enfermeira ferida, corro para tentar socorre-la, mas recuo quando dois guardas atravessam a porta e me deitam à força na cama.

− Me desculpe! − grito − Eu não queria machucá-la! Isso é culpa do Tordo! Eu te odeio Katniss Everdeen! Olha o que você fez comigo!

Meus gritos e pedidos de perdão não impedem outras duas enfermeiras de aplicarem uma medicação em mim.

Imediatamente sinto minha visão turva, os músculos fracos e a fala embargada. Minha cabeça está girando e a ultima coisa que vejo é o Dr. Aurélius focando uma luz fortíssima em meu olho direito.

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***

A caverna é úmida e estreita. Estou deitado sob o chão frio de pedra observando a goteira de pinga do teto.

Ela está ao meu lado e repousa suavemente sobre meu peito. Sinto sua respiração ritmada e tranquila enquanto dorme. Agora, com Katniss inerte pelo sono, consigo observá-la com calma.

A pele clara está parcialmente coberta de sujeira. Há ferimentos em seu rosto. A trança está desgrenhada e o cheiro também não é dos melhores, mas ainda sim, ela é dona da maior beleza que já vi.

Quando seus olhos se abrem, revelam duas pupilas cinzentas que parecem brilhar na escuridão da caverna. Ela sorri. Quando coloca as mãos em meu rosto, sua expressão outrora calma de transforma em preocupação porque segundo ela, estou ardendo em febre.

− Coloque isso aqui na testa. − ela ordena oferecendo a mim um pano úmido, em seguida vasculha em um pequeno kit de primeiros socorros −Se pelo menos a febre baixasse...

Eu a olho fixamente. Ela quando nota, parece corar e um pouco envergonhada e faz uma série de perguntas:

− O que foi? Quer alguma coisa? Está com fome? Sente dor?

− Quero que você me conte uma história. − respondo. − Alguma coisa alegre.

− Alguma coisa alegre? − ela pondera.

− É. Conta para mim qual foi o dia mais feliz da sua vida.

Os olhos dela parecem não entender o meu pedido, Katniss tenta se abster da proposta, mas depois de pensar muito, ela finalmente diz que talvez possua um momento feliz para contar.

− Já te contei como foi que arranjei a cabra para minha irmã?

A conversa que segue é sobre quando ela conseguiu uma cabra por um ótimo preço. É uma história engraçada e um tanto fantasiosa, mas é interessante o jeito como ela conta. Dou risada quando ela diz que a cabra seria mais uma boca para alimentar.

Estou tão calmo e tão diferente. A impressão que tenho é que estou a salvo de tudo e de todos ao lado dela. De repente ela se curva contra mim e me dá um beijo nos lábios.

O gosto doce é bom; o toque aveludado e macio de seus lábios é tranqüilizador. Estou envolto em algo que parece ser alguma coisa próxima à felicidade.

De repente as cenas do enorme holograma mudam de momento.

Agora estou em uma praia e novamente Katniss está ao meu lado. Há uma conversa sobre planos que não deram certo. Depois, acompanhando a mim mesmo entregando a ela algo que parece ser um estojo de ouro. Em seguida, há mais um beijo.

De alguma forma bizarra, acontece como na outra cena: eu sinto o toque, o calor e o gosto do beijo.

E assim a seqüência segue com varias cenas em que eu e Katniss somos protagonistas. Alias, ela está em todos os lugares: passando remédio em minha perna ferida; dando caldo quente em minha boca; chorando desesperada enquanto um rapaz corpulento tenta me trazer de volta a vida...

Eu não o que pensar. Não sei como, mas nem mesmo consigo reagir. Eu reconheço em Katniss Everdeen o rosto do Tordo, mas não entendo o que faz com que eu fique tão calmo ao vê-la tão perto de mim.

Então, como se fosse algo programado, sinto algo sendo injetado em minhas veias. Alguma substancia que faz com que eu me sinta tão leve quanto uma pena. Não há nada em minha mente quando começo a perder os sentidos.

Num ultimo momento, capto apenas uma única frase. Algo como: "Eu preciso de você". Após isso caio em um sono profundo.

A próxima coisa de que me lembro é de estar em meu quarto de hospital deitado sobre a cama. Não há nenhum tipo de amarras me segurando ou qualquer tipo de medicação sendo injetada em minhas veias.

Vasculho minha mente na tentativa de recordar alguma coisa, mas é como se minha memória fosse uma folha em branco. Deitado na cama eu observo a luz amarela do sensor de movimentos que pulsa em um ritmo calmo.

Algo naquela luz chama minha atenção. Talvez seja o ritmo com que ela pisca ou quem sabe a cor vibrante? Não sei ao certo.

Ainda olhando para o sensor de movimentos, formo então uma espécie de jogo onde eu tenho que falar a primeira palavra que me vier a cabeça no mesmo ritmo das piscadas da luz.

Então começo a falar palavras aleatórias.

– Peixe. Gato. Balde. Osso. Amarelo. Caverna. Chuva...

Minha mente dá um estalo no momento em que a porta do quarto se abre revelando um doutor Aurélius sério. Dou um salto da cama e vou ao seu encontro. Quando ele abre a boca para pronunciar algo eu o interrompo porque uma palavra pulsa em minha mente na mesma intensidade da luz do sensor de movimentos.

Minha voz está firme e convicta. Olhando nos olhos de meu médico de cabeça eu apenas digo:

− Cabra.