A Retribuição

Uma Conversa Franca


Watson estava trabalhando em seu consultório. Aquele dia tinha sido de calmaria. Um senhor idoso, sofrendo de gripe, e uma mulher com um inchaço no pé. A tal ponto que ele estava, naquele momento, escrevendo um novo conto, partindo de seu bloco de anotações.

Ele ouviu, repentinamente, um bater na porta.

–Dr. Watson, Mr. Holmes deseja vê-lo.

A caneta caiu instantaneamente, borrando a página. Watson resmungou. “Que diabos ele quer aqui?”, ele pensava.

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–Mande entrar. – ele disse, ainda resoluto.

Holmes entrou na sala, de chapéu ainda na mão e semblante sério.

–John Sigerson. A que devo a honra de sua visita? – perguntou Watson, com a voz carregada de sarcasmo.

–Watson, eu não tenho tempo para seus jogos imbecis. O que me trás até aqui é um caso de extrema importância envolvendo Esther...

–Esther?! Pois eu não conheço nenhuma Esther... – dizia Watson, com cinismo.

Holmes deu um soco na mesa, fazendo Watson quase pular da cadeira.

–Você conheceu-me bem o bastante para saber que nas atuais circunstâncias, você seria a última pessoa a quem eu recorreria pedindo ajuda. – admitiu Holmes. – Mas diante da gravidade dos fatos, sua ajuda é da mais extrema importância para mim. Eu entendo que você possa estar decepcionado e furioso comigo, afinal foram anos de amizade e companheirismo, mas o mesmo não deveria se aplicar a Esther.

–E porquê não, se essa “Esther” foi cortejada por mim? Chequei a pedi-la em casamento, enquanto ela se divertia contigo pelas minhas costas!

–Você a ama, Watson.

–Eu amo Sophie Evans, não essa Esther que divide quartos com aventureiros.

Holmes suspirou, tentando disfarçar sua impaciência.

–Alguma vez você já se perguntou que tipo de perigo poderia rodear uma moça como Esther? O que poderia arrastar essa moça a tais situações?

Watosn sabia que esses pensamentos ocupavam sua mente até mais do que gostaria, mas nada disse. Holmes aproveitou-se da baixa da guarda de Watson e puxou uma cadeira, sentando-se com o chapéu sobre seu colo.

–Parece, meu caro, que alguns pormenores precisam ser conhecidos por você.

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Era cinco da tarde. Esther estava lendo um pequeno livro de contos judaicos em sua casa, sentada ao sofá, tendo Billy deitado devotamente sobre sues pés. Ela olhou para o relógio. Mais uma vez, estava com fome. Nos últimos tempos, seu apetite tinha aumentado, e ela mal esperava para que o jantar preparado pela Mrs. Hudson estivesse pronto. Um estranho desejo de comer seu peixe com batatas lhe incomodava. Ela torcia para que sua senhoria pudesse ler seus pensamentos naquele jantar.

Quando levantou-se para colocar o livro de volta na prateleira, sentiu uma leve tontura. As pernas ficaram bambas, como se o chão tivesse cedido por alguns instantes. Alerta, o cão Billy imediatamente juntou-se a ela, rodeando-a ansioso. Ela tentou acalmá-lo.

–Está tudo bem, Billy. Tudo bem. – disse, voltando a sentir a sensação do solo sobre os seus pés novamente.

Mal tinha retornado os seus sentidos, ouviu-se batida à porta. A vertigem tinha lhe surpreendido tanto que ela deixou o livro sobre o sofá e foi abrir a porta. Encontrou algo surpreendente: seu marido, Sherlock Holmes, e Dr. Watson. Juntos. Lado a lado. Sem parecerem querer matar um a outro aparentemente.

Ela preferiu omitir qualquer observação e apenas deixou que ambos entrassem.

Watson parecia ainda sem jeito, hesitante em como se movimentar. Desde que Holmes contara todos os detalhes a respeito da verdadeira história de Esther, ele tinha ficado perturbado. Como ele não percebera coisa alguma? Ela sempre agira com tanta naturalidade, tranquilidade... Ele jamais poderia prever tamanha desgraça e destruição na vida daquela mulher de encantadores olhos verdes.

Os olhos do bom doutor voltaram-se para o livro de contos judaicos de Esther, que estava ainda sobre o sofá. Percebendo seu erro, Esther ficara sem reação, mas Watson a interrompeu de qualquer explicação amigavelmente.

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–Holmes já me contou sobre sua origem, Esther, não precisa tecer-me nenhuma explicação. Você é judia.

Esther permanecia sem reação. Nunca soube, nem mesmo nos tempos de namoro, qual era a opinião de Watson sobre seu povo. Mas ao ver o breve sorriso escapado dos lábios dele, algo nela se tranquilizou.

–Como se essa informação fosse relevante, mas ele fez questão de contar-me. Isso jamais mudaria minha visão a seu respeito, mas agora eu entendo o porquê de ter mentido para mim todo esse tempo sobre isto.

Ela baixou os olhos.

Watson observou os dois, por um breve momento, antes de começar.

–Eu perdoo vocês. Realmente, mentir pra mim durante todo este tempo foi um erro, mas não um erro imperdoável. No fundo, vocês tinham um motivo para isto. Estar ao lado de um detetive consultor amado e odiado por toda a Europa acarreta em perigos, perigos estes que Sophie... Esther já tem o suficiente. Talvez, se ela fosse uma mulher comum, isso não seria um problema, pois temos policiais, políticos, juízes que são casados. Mas isso jamais aconteceria com uma mulher comum. Aconteceu o que ninguém esperou que acontecesse, nem mesmo eu, meu caro. Você encontrou alguém. Eu fiquei... Decepcionado. Francamente, eu esperava ser o primeiro a saber quando esse dia acontecesse, mas fui o último. E eu também jamais imaginei que fosse com alguém que eu... Mas... Enfim, eu sempre senti, desde o momento em que ficamos juntos, que havia alguém. No fundo, eu já me preparava para o dia que eu ia te perder. Até lamentava-me por não ter aparecido antes... O fato é que vocês tem o meu perdão.

Esther estava emocionada, e apertou as mãos de Watson.

–Muito obrigada, Watson. Muito obrigada.

Watson concordou, e deu-lhe um beijo em uma das mãos.

–Eu espero que ele seja capaz de fazê-la feliz. Porque se não for, o meu Colt estará sempre preparado.

Ela sorriu brevemente, e sabendo que aquela ameaça era uma brincadeira de sua parte. Holmes finalmente se pronunciou.

–Watson, precisamos nos aprontar o quanto antes. O baile está marcado para às oito da noite.

–Baile? – perguntou Esther.

–Sim, Esther, um baile. O mandado de prisão do Duque está prestes a sair, mas sabemos que ele estará esta noite em um baile de um amigo pessoal. De um homem como ele, podemos esperar que já tenha um plano de fuga arquitetado, e tenho a intuição que será executado quando ele sair do baile. Entretanto, o organizador desse baile é um amigo de Watson, que costuma mandar um par de convites com a esperança de que aparecermos em suas festas. – Holmes suspirou, resignado. – Acho que terei de atender a um convite do Lorde esta noite. Eu sinto muito, Esther, mas você não poderá ir.

–Por quê não?

–Porque só temos dois convites, e eu não quero correr riscos. O Duque faria qualquer coisa para ter a oportunidade de acabar com você pessoalmente. O melhor que você fará é ir até a casa de meu irmão Mycroft e esperar por nós dois lá.

Esther estava furiosa, mas disfarçou.

–Há uma série de perigos a nos cercar essa noite, Sophie... Quero dizer, Esther. Não queremos comprometê-la desnecessariamente. – observou Watson. – Se me dão licença, preciso me arrumar. Pedirei à Mrs. Hudson que arranje um cabriolé para a gente. Boa noite. – ele disse, despedindo-se de Esther.