De mãos dadas com Joanne, Hanna entrou numa loja de aparência simpática. Ela tinha uma aparência jovial, para não amedrontar a menina. Clara acompanhava as duas. Poderia dizer que eram avó, mãe e neta passeando e fazendo compras se não fosse o traje esfarrapado de Joanne e seus pés descalços.

A vendedora foi ao encontro das três com um sorriso até reparar nos pés descalços de Joanne. A esperta menina reparou na mudança e encolheu-se atrás de Hanna.

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– Bom dia! - cumprimentou a moça. - Queremos ver vestidos e sapatos para essa mocinha aqui.

– Nossa loja é bem exclusiva... - a vendedora disse com ar de superioridade com se querendo dizer: "Vocês tem dinheiro para comprar aqui?"

– Sim, eu estou vendo. E é por isso que ela nos foi recomendada. Quero vestidos e sapatos. Sou Hanna Von Gorthel e acredito que você saiba o que esse nome significa. - pela primeira vez Hanna estava fazendo uso do medo que o sobrenome do marido representava apesar de não gostar dele.

A expressão da vendedora mudou radicalmente. A postura superior mudou para um terror servil. Um suor brotou em sua testa e Hanna achou que ela fosse desmaiar. Por alguns segundos até pensou em pedir que a moça se acalmasse, mas então ela lembrou que a vendedora havia desdenhado Joanne sem ao menos conhecê-la por que a menina estava descalça.

– E então? Você vai nos mostrar um vestido muito bonito para essa linda menina. E sapatos também.

– É cla.. claro, senhora. Um minutinho. Por favor sentem-se. A senhora gostaria de um chá, um café? - ela ofereceu toda atrapalhada.

– Não. Obrigada. Mas você não perguntou à minha acompanhante?

A vendedora olhou para Joanne.

– Senhorita, gostaria de um suco, uma água.

– Não, obrigada. - a menina respondeu de forma séria.

– Então vou trazer os vestidos, só um momento. - E rápida se retirou para os fundos da loja.

Clara olhou para Hanna.

– Você sabe que foi horrível o que fez.

– Horrível foi ela mudar seu comportamento só por que Joanne está descalça. E meus pais sempre me ensinaram a não julgar as pessoas pelos seus pertences e sim pelo seu caráter. E não vamos mais falar sobre isso. Joanne já está assustada o bastante.

Clara olhou para sua pupila sem acreditar que aquela era sua Hanna. Ela estava se transformando em uma mulher forte e decidida. A promessa que ela fizera à mãe de Hanna estava prestes a se cumprir. Logo, logo Hanna seria capaz de cuidar dela mesma.

A vendedora voltou com três vestidos nos braços. Outra vendedora trazia caixas de sapatos.

Joanne não era uma menina acostumada a luxos, mesmo quando seus pais eram vivos. Então ela escolheu o menos enfeitado e um sapatinho preto. Mas Hanna pediu mais três vestidos do mesmo modelo, mais dois sapatos. Além de calcinhas e meias.

A menina que entrara na loja descalça e com roupas esfarrapadas, saia da mesma parecendo uma princesinha. As três entraram no carro e as vendedoras puderam respirar.

O carro rodou alguns metros e então parou em frente a uma loja de bolsas. Clara desceu e entrou na loja. Pouco tempo depois ela saiu trazendo uma pequena valise. Elas colocaram as roupas dentro da valise e o carro seguiu para o Orfanato Sagrado Coração de Jesus.

***

– Você está fazendo um ótimo trabalho, Desmonts, mesmo para alguém tão jovem.

– Obrigado, monsieur Cassel. Como o senhor pôde ver, nós e a Inteligência Britânica trabalhamos em conjunto e conseguimos tirar um grande carregamento de armas dos nazis. Meu contato, monsieur Favel acha que as forças aliadas na África vão ganhar mais tempo e quem sabe derrotar as forças do Rommel.

– Ah, não se fie muito nisso, meu jovem. Erwin é um ótimo estrategista. Não é como esses lunáticos. Ele sabe muito bem o que está fazendo. Conhece seu trabalho com ninguém e não busca glória ou fama. Somente vencer no campo de batalha.

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– O senhor fala dele como se o admirasse, monsieur Cassel. - declarou Julian espantado.

– Rommel é um militar e age como tal. Ele não concorda muito com as ideologias de Hitler e seu séquito. Talvez eu o admire por isso. Ele não é como esse comandante, Von Gorthel. Esse homem é a criatura mais detestável da face da Terra. - o tom de voz de Cassel mudou totalmente. Agora ele falava rosnando, com um ódio profundo. - Von Gorthel fez uma coisa abominável em Berlim. Alguns empresários, industriais e banqueiros provocaram a suspeita, veja eu disse suspeita, de serem judeus. Von Gorthel conseguiu convencer Hitler de que eles armavam um complô contra ele. E Hitler então tomou a única atitude que conhecia. Mandou prender a todos sem investigação ou julgamento. E assim começou a perseguir todos que ele considerava inimigos. Judeus, estrangeiros, comunistas, ciganos... Todos. Minha família trabalhava para os Von Gorthel há duas gerações. Eu cresci juntamente com Otto Von Gorthel. Frequentávamos a mesma escola e quando ele se tornou o favorito de Hitler, começou também a perseguir os judeus. Poucas pessoas tinham conhecimento de que minha família era judia. Nós éramos muito reservados. Mas Otto Von Gorthel sabia. E ele nos denunciou. Fomos levados para o campo de concentração mais próximo. Durante o transporte, meu pai distraiu os guardas e eu consegui fugir. Não sei se estão vivos ou mortos.

Durante o tempo que Cassel contava sua história eles chegavam ao Orfanato. Julian queria mostrar alguns fatos de sua vida a Georg. Os dois haviam desenvolvido uma empatia mútua. Talvez por que os dois eram sobreviventes.

Ao entrarem pelo portão, Julian e Cassel encontraram Hanna, Clara e Nanette que vinham em sentido oposto. Hanna já havia deixado Joanne aos cuidados de padre Honoré e agora as duas conversavam a respeito das aulas de piano.

– Continue praticando, Nanette. Principalmente os movimentos da Sonata ao Luar de Beethoven e do Noturno de Chopin. Essas são fáceis. Você vai conseguir.

– Olhe Ana! É Julian. Julian! Julian! - Nanette saiu puxando Hanna pela mão. - Venha!

As duas se encaminharam para onde estavam os dois homens, mas Hanna empalideceu quando viu quem acompanhava o irmão da menina.

– O que essa mulher faz aqui? - perguntou Cassel

Surpreso com o tom do amigo, Julian olhou de Hanna para Cassel.

– Quem? Ela ?

– Sim. A cadela de Von Gorthel. O que faz aqui, mulher de nazista? Fazendo caridade para aplacar sua consciência?

– Não por esse motivo. Mas você deveria fazer para aplacar a sua. - ela respondeu.

– Ora.. A gata arranha. Ou eu deveria dizer... A víbora morde.

– Diga o que quiser Georg Cassel. Você não me conhece, não sabe nada de mim. Julga-me pelo meu nome.

Clara aproximou-se de Hanna protetoramente.

– Vamos querida. - mas Hanna soltou-se de seu abraço.

Julian e Nanette viam os dois se digladiando sem entender.

Monsieur Cassel, por que fala com Ana desse jeito?

Georg voltou-se para Julian.

– É esse o nome que ela usa? Pois saiba meu caro Desmonts que essa é Hanna Von Gorthel, esposa do comandante Otto Von Gorthel, o anjo de Hitler.

Julian olhou para Hanna e, com um gelo no coração, ela viu a expressão do homem que amava mudar. Agora Julian a olhava como se tivesse nojo dela. Como se ela fosse um réptil asqueroso.

Rapidamente, ele puxou Nanette do lado dela.

– Tire suas mãos imundas da minha irmã.

Hanna ficou tão pálida com o ódio na voz dela que parecia ter se transformado numa estátua de mármore. Por um ou dois minutos ninguém se moveu. Só se ouvia a respiração rápida de Nanette que não entendia a raiva do irmão.

– Julian?

– Nanette, vá para dentro!

– Mas Julian, quero me despedir de Ana.

– Nanette, vá para dentro AGORA! - ele gritou com a irmã.

Nanette olhou para todos com os olhos cheios de lágrimas e correu para dentro.

– Você... Fique longe de minha irmã. Desapareça de nossas vidas, sua alemã nazista.

O grito dele pareceu acordá-la. Não, não era um pesadelo. Tinha sido reconhecida e o homem que amava queria matá-la se pudesse. Nada do que dissesse poderia aplacá-lo agora. Só o tempo mostraria a Julian o quanto ele estava errado em relação à ela.

– Você é um mentiroso.

Ele deu uma risada de escárnio

– O quê?! Você chega aqui, se infiltrando como uma serpente mentirosa e eu que sou o mentiroso?

– Sim. Você é um mentiroso, Julian Desmonts. Disse para mim que não era como os nazistas. Que não machucaria mulheres nem crianças. E é exatamente o que você está fazendo agora.

Alguma coisa na voz dela, talvez a resignação mortal ou talvez o brilho de lágrimas em seus olhos azuis fez com que Julian sentisse uma dor no peito.

Ela olhou para os dois homens e de cabeça baixa foi para o carro.

– Hum! Já foi tarde. Então, Desmonts me mostre o seu lar.

Julian olhou para Cassel e de repente desejou que um raio o fulminasse.

– Venha por aqui, monsieur Cassel.